Milton
Pinheiro*
Os dois
últimos dias foram marcados pelo horror que vazou dos porões da ditadura, que
se encontra em polvorosa diante da possibilidade da comissão da verdade se
estabelecer. São informações colhidas pelos jornalistas que entrevistaram o
verme Cláudio Antônio Guerra, delegado do DOPS do Espírito Santo, refugiado na
aposentadoria que o Estado conivente lhe premiou, sobre o desaparecimento de
presos políticos.
Não
estou preocupado se a confraria do crime matou o comparsa, Sérgio Fleury. Estou
indignado pelo conjunto das informações que esse celerado, Cláudio Guerra,
passou. São crimes contra a humanidade, são manifestações de bestialidade
organizada pela classe dominante para manter os seus privilégios.
Hoje,
03 de maio, acordei com o compromisso de encontrar camaradas: homens e
mulheres, na frente do ex-prédio do DOI-CODI na Rua Tutóia, para fazermos uma
manifestação cobrando punição para os criminosos da ditadura burgo-militar de
1964.
Marchei
para o ponto marcado, fazia frio nas cercanias do Ibirapuera e o dia estava
cinzento. Lá estavam jovens indignados, ex-presos políticos que sobreviveram ao
massacre da ditadura, e militantes. Ouvimos depoimentos dos sobreviventes do
“porão do inferno”, visitamos o fundo do prédio onde muitos foram martirizados
e foram assassinados, mais de 50 heróis do povo brasileiro, entre eles, os
comunistas Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho.
A
manifestação prosseguiu, os nomes dos bravos lutadores assassinados foram
levantados, e tal qual a lança do guerreiro, o brado forte dos presentes cortou
o vento gelado e fez surgir o sol entre nós. Um-a-um, o nome dos mártires foi
saudado pelo grito forte de “presente, agora e sempre”.
Entre
tantos nomes saudados pela memória dos presentes, bravos homens e mulheres, um,
ecoou pelo pátio da delegacia e adentrou o meu pensar, “Nestor Veras: presente,
agora e sempre”. Mas em tempos de combate, onde a terra ainda é tingida de
sangue no Brasil, quem é esse homem que lutou ao lado dos trabalhadores e pelo
futuro, entregou a sua vida?
Nestor
Veras, líder camponês, nasceu em 19 de julho de 1915, em Ribeirão Preto, São
Paulo. Era dirigente do CC do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e encarregado
do trabalho no campo. Foi dirigente da ULTAB e da CONTAG, fundador e editor do
jornal Terra Livre. Ao lado de Francisco Julião e Alberto Passos Guimarães,
organizou o Congresso Camponês que ocorreu em Belo Horizonte, em 1961. Cassado
pelo AI-I foi condenado a cinco anos de cárcere pela LSN – lei de segurança
nacional, passou a viver na clandestinidade, mesmo tendo uma companheira e
cinco filhos.
Esse
bravo comunista foi preso em abril de 1975, quando passava na frente de uma
drogaria, em Belo Horizonte. Estava desaparecido até ontem, quando ficamos
sabendo, via um representante da escória da ditadura, que Nestor Veras “tinha
sido muito torturado e estava agonizando. Eu lhe dei o tiro de misericórdia, na
verdade dois, um no peito e outro na cabeça. Estava preso na Delegacia de
Furtos em Belo Horizonte. Após tirá-lo de lá, o levamos para uma mata e demos
os tiros. Foi enterrado por nós.”
Após
ter participado da manifestação, pela tarde fui para meu rotineiro trabalho de
pesquisa no arquivo do Centro de Documentação e Memória da UNESP, o CEDEM. Lá
encontrei um jovem estudante da UNIFESP que trabalhava com um conjunto de
caixas do arquivo que continham informações da luta camponesa e da reforma
agrária no Brasil, todas com o nome de Nestor Veras. Examinei as caixas com os
documentos e encontrei a presença do dirigente camponês em tudo: textos,
recortes de jornais, artigos na Voz Operária, congressos, assembléias,
conferências, resoluções, informes, análise sobre as lutas dos trabalhadores do
campo e da cidade. Esse foi o camponês que pensou o Brasil e lutou pela
revolução socialista. Nestor Veras, homem simples da classe trabalhadora que
teve um texto seu, colocado em um livro da Brasiliense por Caio Prado Júnior.
Homem de combate, mas que encontrava tempo para tocar clarineta para os filhos.
Comovido
diante daquela cena, pude então compreender que os bravos que tombaram, de
forma desassombrada, pelos interesses dos trabalhadores brasileiros,
venceram. Eles venceram o silêncio da
repressão e a conivência do Estado, venceram o luto cínico das instituições e o
papel asqueroso da imprensa burguesa. Eles venceram, porque estão presentes na
vontade de saber da juventude, venceram porque marcham ao nosso lado na luta
sem trégua pela revolução brasileira.
*Professor
e militante comunista.
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