20 Nov 2014
Nos últimos meses, os inúmeros
casos de racismo ocorridos no futebol brasileiro e na sociedade como um todo
mostram que somos sim um país racista.
Senão vejamos: de acordo com
dados do IBGE, a população brasileira conta atualmente com 202,7 milhões de
pessoas, sendo que, deste total, 53% se declara negra ou parda. Apesar de serem
a maioria da população, os trabalhadores negros ganham, em média, pouco mais da
metade (56%) do rendimento recebido pelos trabalhadores brancos.
Trocando em miúdos, os negros
possuem uma média salarial de R$ 1.334,79, enquanto que a média dos
assalariados de cor branca é de R$ 2.396,74. Ou seja, tem razão Elza Soares
quando canta que “a carne mais barata do mercado é a carne negra”.
Quando observamos sob o ponto
de vista de gênero, as diferenças são ainda maiores: enquanto as mulheres
brancas recebem aproximadamente 70% daquilo que recebem homens brancos, as
negras ganham pouco mais de 40% daquilo que recebem os trabalhadores brancos do
sexo masculino.
Os dados acima reforçam algo
que já é sabido: a população negra brasileira se concentra nas camadas mais
pobres da sociedade.
Segundo pesquisa realizada pelo
Laboratório de Análises Econômicas, Históricas e Estatísticas das Relações
Raciais (Laeser), a partir de dados da PNAD 2006, entre as pessoas que
trabalham para outros exercendo funções sem remuneração (ou seja, não recebem
qualquer pagamento pelo trabalho), somente 16,8% são homens brancos. Mulheres
brancas e homens negros são 27%, e mulheres negras somam 29%.
Entre os trabalhadores
remunerados, 58% das empregadas domésticas sem carteira assinada são mulheres
negras, enquanto 36% são brancas. Já entre as que possuem carteira assinada,
41% são brancas e 48%, negras.
Nos setores em que a
remuneração e a estabilidade profissional são maiores, porém sem carteira
assinada, os homens negros são maioria (40%). Essa relação se inverte quando
tratamos de empregados com carteira assinada. Nesse caso, 34,3% são homens
brancos e apenas 28% são negros. As mulheres brancas são 22% das trabalhadoras
com carteira assinada, enquanto as negras são 13%.
As diferenças persistem quando
tratamos dos trabalhadores autônomos. Entre os que não possuem nível superior,
31% são homens brancos e 36% negros (as mulheres brancas e negras somam 16%
cada). Para os que têm formação universitária, as diferenças raciais aumentam,
enquanto as de sexo diminuem: homens e mulheres brancas são 43% e 37%,
respectivamente, ao passo que homens e mulheres negras somam apenas 11% e 6,1%,
cada.
Apenas no funcionalismo
público, é que as diferenças de cor da pele e sexo são um pouco menores. Homens
brancos são 24,7%, mulheres brancas 33,1%, homens negros 19,5% e mulheres
negras 21,9%.
Racismo e desemprego
O racismo e a desigualdade
entre homens e mulheres também estão presentes entre os desempregados. De
acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a taxa de
desemprego da população de 16 anos ou mais de idade, segundo sexo e cor da
pele, em 2009, era para os homens brancos e negros de 5,3% e 6,6%,
respectivamente. Já entre as mulheres brancas e negras era de 9,2% e 12,5%.
Nem mesmo a maior escolaridade
iguala os salários de homens e mulheres, negros e brancos. Na comparação entre
homens com ensino fundamental, os negros recebem em média 76% do salário dos
brancos. Entre os que possuem ensino médio, os negros recebem 74% do que ganham
os homens brancos.
Segundo estudo do Dieese,
quanto maior o nível de escolaridade maior a diferença salarial entre brancos e
negros. Por exemplo, na indústria de transformação a desigualdade de rendimento
por hora dos negros em relação aos não negros é de 18,4% entre os que possuem
ensino fundamental incompleto, e de 40,1% para aqueles com ensino superior
completo.
Todos esses dados revelam o
profundo racismo existente na sociedade brasileira e nas relações de trabalho.
Apenas quando são levadas em conta somente as aptidões intelectuais dos
trabalhadores, as desigualdades racistas e machistas diminuem, como no caso do
serviço público, onde a maioria das admissões é realizada por meio de concurso
público, não importando a cor e (ou) sexo da pessoa. Porém, é preciso
relativizar este fato e identificar o racismo e o machismo também aí, uma vez
que a maioria dos postos de chefia no serviço público ainda é ocupada por
homens brancos.
O racismo no mercado de
trabalho
Em 2013, a Associação
Brasileira de Recursos Humanos, de Santa Catarina, divulgou a existência de
cerca de sete mil postos de trabalho à disposição no Estado. De acordo com o
anúncio, o perfil procurado pelas empresas é de homem branco, entre 25 e 35
anos de idade. À época, nem todas as vagas foram preenchidas, pois os
candidatos não tinham “as habilidades e competências necessárias”, ou seja, não
correspondiam ao perfil exigido pelos patrões.
Apesar de tal fato ter passado
impune, impor condições raciais para contratar funcionários, em qualquer que
seja a empresa, é considerado pela Constituição ato racista, ou seja, é ilegal.
O que observamos todos os dias nas relações de trabalho no Brasil é um racismo
velado, no qual palavras referentes à cor da pele na maioria das vezes não são
citadas, mas estão implícitas nas escolhas feitas na hora de contratar ou
promover alguém.
No encontro nacional do
Movimento de Mulheres Olga Benario, realizado em maio deste ano, no Recife,
vários relatos de racismo no trabalho foram apresentados. “Se uma jovem branca,
de cabelos lisos, especialmente se for loira e de olhos azuis, aparecer para
ocupar uma vaga de emprego nos shoppings e estabelecimentos comerciais daqui,
uma pessoa negra não tem a menor chance de conseguir aquela vaga, independente
das qualificações das candidatas”, disse uma das companheiras presentes.
Esse tipo de discriminação
acontece, na maioria das vezes, de forma inconsciente, pois o racismo e o
machismo estão enraizados em nossa cultura e na ideologia dominante da
sociedade de classes. Quem desconhece que os trabalhadores negros são
direcionados para ocupar os cargos de menor remuneração? Ou que as promoções no
emprego são preferencialmente para os homens brancos? Não faltam justificativas
para tal discriminação: dizem que os clientes preferem ser atendidos por
brancos, ou que os negros têm menor produtividade ou uma “educação diferenciada”,
etc.
A quem interessa o racismo?
Na sociedade capitalista, em
que a riqueza é resultado da exploração da força de trabalho dos operários e
das operárias, os capitalistas têm todo o interesse em pagar os menores
salários aos trabalhadores, pois, assim, seus lucros serão ainda maiores.
A burguesia, por isso, tem todo
o interesse em manter e desenvolver o racismo e o machismo nas relações de
trabalho para justificar as diferenças salariais entre brancos e negros, e
entre homens e mulheres.
Logo, é evidente que o
capitalismo, mesmo após a abolição legal da escravatura, aproveita- se do
racismo e do machismo para aumentar a exploração sobre os trabalhadores, ainda
mais no Brasil, país onde a escravidão da população negra existiu por quase 400
anos e mantém forte influência ainda hoje.
Quando a escravidão foi
“abolida” em nosso país, em 1888, a maioria dos postos de trabalho era ocupada
por negros, ainda escravos ou já libertos. A nova burguesia nascente preferiu
jogar essa massa de trabalhadores no desemprego e contratar em seu lugar
imigrantes europeus, sob a justificativa de que o trabalhador branco era
“superior” ao negro na cultura, na produtividade, etc., e que traria
“civilidade” ao Brasil republicano.
Os ricos foram além e passaram
a dizer que a responsabilidade pela pobreza existente no Brasil era da grande
quantidade de negros que aqui viviam. Assim, implementaram na Primeira
República o chamado “Projeto Eugenista para o Brasil”, que visava a
“embranquecer” a população.
Enquanto os imigrantes europeus
tinham emprego e moradia garantidos, os negros engrossaram o exército de
reserva do capitalismo e, sem terem onde morar, passaram a formar as primeiras
favelas do país. Além disso, os imigrantes não se identificavam com o
trabalhador negro, pois eram tratados de forma diferenciada. Assim, a burguesia
brasileira conseguiu, desde a formação do nosso mercado de trabalho,
implementar dois dos principais objetivos dos capitalistas: reduzir o preço da
mão de obra através do aumento do desemprego, e dividir a classe trabalhadora,
enfraquecendo sua luta contra os patrões.
Porém, engana-se quem pensa que
somente os trabalhadores negros são prejudicados com o racismo. A flutuação dos
salários, assim como o preço de qualquer mercadoria, gira em torno de um valor
médio. Quanto mais baixos forem os salários, menor será a média salarial paga
ao conjunto da classe trabalhadora. Por isso, os trabalhadores, brancos ou
negros, homens ou mulheres, precisam estar conscientes de que seu inimigo
principal não é seu companheiro de trabalho, mas o capitalista, e que qualquer
“privilégio” racial ou de gênero dado pelos patrões não tem outro objetivo
senão o de dividir a classe.
É preciso desenvolver a
consciência de que, quando um trabalhador se sente superior ao outro por ser
branco ou por ser homem, está reproduzindo a ideologia da classe que o explora
e se distancia dos outros trabalhadores.
Eloá dos Santos, Rio de Janeiro
Fonte: A
Verdade
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