Miguel
Urbano Rodrigues*
No
cerne do grande debate ideológico travado no âmbito do movimento comunista
internacional uma questão continua a suscitar um interesse absorvente: a
transição do capitalismo para o socialismo. Já Lenine dizia que ela seria
infinitamente mais difícil do que a tomada do poder em Outubro de 17. E até
hoje não encontramos respostas satisfatórias.
Uma
campanha de âmbito mundial desencadeada por intelectuais de grandes
universidades dos Estados Unidos e da Europa, amplamente divulgada pelo sistema
mediático controlado pelo imperialismo, proclamou desde a desagregação da URSS
o fim do marxismo. Para esses epígonos do capitalismo, o neoliberalismo como
ideologia definitiva assinalaria o fim da História; no marxismo identificavam
um arcaísmo obsoleto.
Essas
profecias não tardaram a ser desmentidas pelo caminhar da História. Em lugar da
era de progresso, abundância e democracia, anunciada por George Bush (pai) após
o desaparecimento da URSS, uma crise de civilização abateu-se sobre a
humanidade. A concentração de riqueza foi acompanhada por um alastramento da
pobreza. Fomes cíclicas assolaram e assolam países da África e da Ásia. No
início do milênio o capitalismo entrou numa crise estrutural de proporções
globais.
Pela
primeira vez na História, o capitalismo está sendo abalado até aos alicerces -
como sublinha István Meszaros - como sistema mundial «e a transcendência da
autoalienação do trabalho» configura um desafio dramático. Sem soluções, porque
a Acumulação não funciona mais de acordo com a lógica do capital, os EUA,
apresentando-se como polo da democracia e da liberdade, desencadearam agressões
monstruosas contra povos do ex-Terceiro Mundo, alegando que defendem a
humanidade contra o terrorismo.
UM DEBATE SEMPRE ATUAL
O
debate sobre o combate ao imperialismo como tarefa revolucionária prioritária
deve ser acompanhado de outro complementar sobre as causas e consequências da
derrota temporária do socialismo.
Os
comunistas (quase todos) coincidem hoje na conclusão de que a transformação da
Rússia num país capitalista foi uma tragédia para a humanidade.
Mas
persistem no movimento comunista profundas divergências quando a discussão
incide sobre o processo cujo desfecho foi o desaparecimento da União Soviética.
Segundo
alguns partidos, a ofensiva imperialista foi determinante para contaminar a
sociedade soviética, minar o PCUS, e provocar a implosão do regime. Para
outros, uma minoria, as raízes da contrarrevolução são fundamentalmente
internas. A Perestroica teria sido apenas a espoleta e o instrumento de um complexo
processo contra revolucionário cuja evolução acompanhou a luta de classes na
Rússia revolucionária.
No
primeiro tomo da sua obra «A luta de classes da União Soviética», Charles
Bethelheim chama a atenção para uma evidência ao lembrar que dentro do próprio
partido comunista a luta interna foi permanente numa sucessão de «guerras
civis» atípicas. Por outras palavras, a contra revolução principiou por cima,
no coração do PCUS.
Mas
três décadas transcorreram até que a relação de forças na direção do PCUS se
alterasse, permitindo que o XX Congresso assinalasse a viragem que criaria
condições para a destruição gradual do chamado «socialismo real».
A
vitória sobre as hordas hitlerianas, que salvou a humanidade do fascismo e os
grandes êxitos econômicos, científicos e sociais que catapultaram o país de
Lenine para segunda potência mundial, e também a solidariedade
internacionalista com povos em luta contra o imperialismo, tornaram quase
invisível até à Perestroica o fermentar da contra revolução.
Não
cabe nesta intervenção a análise dos erros e desvios da construção do
socialismo na URSS, o afastamento do PCUS da democracia leninista e as
consequências negativas do voluntarismo e do dogmatismo subjetivista.
Mas a
ausência de êxito no desafio da transição do capitalismo para o socialismo tal
como Marx concebia este não impediu o surgimento na União Soviética de uma
sociedade muito menos marcada pela desigualdade e pela injustiça social do que
a de qualquer das falsas democracias representativas do Ocidente, que são, na
realidade, ditaduras da burguesia de fachada democrática.
O IMPERIALISMO COLETIVO
Não
obstante a contradição de interesses entre os EUA e os outros países do ex-G7
persistirem, essas contradições não são como antes antagônicas pelo que é hoje
mínima a probabilidade de guerras interimperialistas como aquelas que
provocaram dezenas de milhões de mortos na primeira metade do século XX. Ao
imperialismo clássico sucedeu aquilo a que o economista argentino Cláudio Kats
chama o imperialismo coletivo.
Sob a
hegemonia dos EUA, cuja superioridade militar é esmagadora, países como o Reino
Unido, a França, a Alemanha, o Japão e outros aliados menores (Itália, Espanha,
Canadá, Austrália, etc.) tornaram-se cúmplices de uma estratégia de dominação
planetária. Invocando pretextos falsos como a existência de armas de extermínio
massivo ou a luta contra a fantasmática Al Qaeda, os EUA invadiram,
vandalizaram e ocuparam o Iraque e o Afeganistão e as suas forças armadas
praticaram ali crimes contra humanidade que somente encontram precedente no
Reich nazi.
Goebels
dizia que uma mentira muito repetida aparece como verdade. Não podia imaginar
que a perversa propaganda hitleriana surge hoje como jogo quase inofensivo
comparada com a sinistra engrenagem de desinformação montada pelo imperialismo
para servir a sua estratégia. Nesta era da informação instantânea, uma
gigantesca máquina, cientificamente montada e controlada pelos laboratórios
ideológicos do imperialismo, bombardeia os povos com um discurso e imagens que
distorcem a realidade.
Promover
a alienação das massas e manipular a consciência social é um objetivo
permanente do imperialismo. Essa ofensiva mediática visa anular a combatividade
dos povos mediante a robotização progressiva do homem, meta facilitada pela
contracultura alienante exportada pelos EUA.
Nesse
contexto, as atuais guerras coloniais são precedidas de um massacre das
consciências concebido para neutralizar eventuais reações às agressões militares,
apresentadas como iniciativas imprescindíveis à defesa da democracia e da paz.
As
modernas guerras imperiais não seriam entretanto possíveis sem a cumplicidade
do Conselho de Segurança da ONU, transformado em instrumento dessa estratégia.
A
satanização de líderes transformados em verdugos dos seus povos tornou-se
rotina nessas campanhas. Aconteceu isso com Khadaffi. O dirigente líbio, que há
dois anos era recebido com abraços por Sarkozy, Cameron, Berlusconi e Obama
passou, de repente, a ser qualificado de monstro e acusado de crimes contra a
humanidade. Para se apoderarem do petróleo e do gás do país os novos cruzados
do Ocidente fabricaram uma rebelião em Benghasi e fizeram aprovar pelo Conselho
de Segurança da ONU uma Resolução sobre a «exclusão aérea» - com a
cumplicidade, após vacilações, da Rússia e da China – resolução aliás logo
desrespeitada quando começaram a explodir bombas e mísseis em Trípoli.
Seguiram-se
seis meses de uma guerra repugnante, na qual a NATO funcionou como instrumento
de uma agressão definida pela ONU como «intervenção humanitária».
Expulsar
a China da África foi um dos objetivos dessa agressão, concluída com o
assassínio de Muamar Khadaffi. Mais de 35 000 chineses, técnicos e
trabalhadores, foram retirados da Líbia, onde trabalhavam. A China tinha ali,
como noutros países do Continente, importantes investimentos. Cabe lembrar que
Angola é atualmente o segundo fornecedor de petróleo africano à China.
A
criação de um exército permanente dos EUA na África foi preparada com anos de
antecedência. A recente intervenção militar no Uganda, anunciada por Obama com
o pretexto de combater uma minúscula seita religiosa subitamente qualificada de
«terrorista», foi uma etapa desse ambicioso projeto. O presidente
norte-americano já informou, entretanto, que os EUA enviarão tropas para
«combater o terrorismo» no Congo, Sudão do Sul e República Centro Africana, se
os governos desses países pedirem «ajuda».
No
âmbito dessa escalada, ignorada pelos media internacionais, aviões da USAF, a partir
da sofisticada base instalada em Djibuti, bombardeiam periodicamente a Somália
e o Iémen, para - segundo afirma Washington - «combater movimentos tribais
aliados da Al Qaeda».
*Comunicação apresentada no Congresso “Marx em Maio”.
Para continuar lendo a comunicação, clicar na Fonte: O Diário
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