Foto: ft-ci.org |
Por Leandro Ventura
O mais novo escândalo a
irromper em terras tupiniquins parece ser de uma envergadura inaudita. Alguns
jornalistas chamaram a CPI de “CPI do fim do mundo”, hoje começa a surgir a
preocupação oposta, seria esta a CPI que vai acabar na “maior pizza do mundo”?
Com tantos tentáculos e tanto riscos cruzados (se eu te denunciar pode ser que
você me denuncie) é mais provável que evolua para a segunda opção, com alguns
bodes expiatórios, mesmo que estes sejam contados em dezenas. O sistema precisa
se preservar, mudar para continuar o mesmo. Este escândalo escancara como são
não só os políticos burgueses e seus partidos, mas também a classe dominante
nacional. Não faltam interessados na condução “responsável” dessa CPI.
É preciso ver o que e quem ela
envolve para chegar ao que está sendo exposto com a mesma. Que traços
estruturais do capitalismo e seu Estado no Brasil este escândalo, como a ponta
de um iceberg, revela.
Quem e o que está envolvido neste escândalo?
Este escândalo envolve todos os
principais partidos burgueses (PMDB, PSDB, PT e DEM), governos estaduais
distantes e opostos (GO, DF, RJ, TO, mas praticamente não há governo sem
relação com a Delta, inclusive os tucanatos paulistas e mineiros). Envolve paladinos
da ética como Demóstenes Torres (ex - DEM), envolve festas em Mônaco e Paris de
Cabral e Cavendish da Delta – que por sua vez tem relações de casamento e
compadrio com Aécio Neves (PSDB-MG) –, enlameia as construtoras e suas relações
com os partidos políticos, coloca em questão a justiça burguesa com as
múltiplas relações de Cachoeira com a justiça goiana e mesmo com Gilmar Mendes
do STF. Joga dúvidas em tudo que se sabe sobre o Mensalão, pois parte do que
conhecemos, sabemos a partir do Procurador Geral da República Roberto Gurgel
que ficou sentado anos em cima destas denúncias de Cachoeira, e também através
do que Demóstenes plantou na Veja a partir de suas relações com a ABIN e
Cachoeira. Este mesmo escândalo questiona o que é verdade, o que é plantado, ou
mesmo o que é obtido de forma ilegal (sendo verdade ou não) pela maior revista
do país, a VEJA, e por extensão leva a questionar o conjunto deste latifúndio
controlado por um punhado de famílias – diversas com eminentes políticos como
os Sarney, Collor de Mello, etc., que é a mídia no Brasil.
Este escândalo faz questionar o
lado petista da mesma justiça (não só o Gilmar Mendes), mas também o Ministro
da Justiça de Lula, Thomaz Bastos que é advogado de defesa de Cachoeira. Faz
gerar dúvidas imensas sobre quem é dono do que. Seria Cavendish um laranja de
Cachoeira? Seria parte desta operação de destruição da Delta algo que
Odebrecht, Camargo Correa e afins querem, como já ocorrera anteriormente com
outra construtora e políticos sendo implodidos como no escândalo Gautama -
Ministério da Energia? Como um tal de Cachoeira (seria ele por sua vez laranja
de alguém?), a partir do jogo do bicho, claro que algo rentável, pode ter
tentáculos tão intermináveis e ilimitados, e para que? Tudo isto só para legalizar
o jogo do bicho e os bingos?
Contra o esquartejamento
interessado do escândalo e a passividade construída em como encará-lo
Raymundo Faoro terminou seu
clássico livro “Os donos do poder” onde disserta sobre as elites brasileiras,
seu patrimonialismo e a formação do que ele argumenta ser um “estamento
burocrático” governante, com uma frase que marca como os trabalhadores
brasileiros encararam no último período os repetidos escândalos de corrupção:
“sempre foi assim”. Em Faoro, as transformações econômicas, sociais e políticas
estão sempre processadas e contidas pela “túnica rígida do passado inexaurível,
pesado, sufocante”. Sempre houve corrupção e o peso deste passado se
reprocessando, atualizando e mudando é visível e como argumentaremos mostra não
só o que é o regime burguês no Brasil, mas sua própria classe dominante. Desta
continuidade não devemos concluir que sempre terá que ser assim e menos ainda,
como quer a ideologia burguesa, que a aceitação passiva da mesma seria um
“traço típico do brasileiro”. É só recorrer à história recente, com todos seus
limites, para encontrar os caras-pintadas e o Fora Collor a desmentir a
“passividade brasileira”.
Esta passividade é uma
construção tanto das condições objetivas de crescimento econômico, emprego,
renda, e crédito para impulsionar um consumo expandido para além das
capacidades salariais. E, mais importante, por condições subjetivas construídas
pelas classes sociais e seus atuais setores dirigentes.
Em primeiro lugar, Dilma com
sua popularidade recorde, consegue mostrar-se como algo diferente e oposto a
seus ministros e parceiros de partido e governo envolvidos em escândalos; a
burocracia sindical (CUT, Força Sindical, CTB, etc) e estudantil (UNE) blinda a
presidente e todos os ministros que lhe interessa blindar. A oposição burguesa
faz denúncias até o ponto que lhe interessa ou é necessário fazer. O PMDB não
fala nada e ninguém espera que o centro do pragmatismo político e dos negócios
coligados a este pragmatismo fale algo.
A mídia, em sua batalha por informação
e óbvio – venda de exemplares e anúncios –, mostra facetas opostas (e
mutiladas) do escândalo conforme seus interesses. Para a Veja, afim ao DEM e
PSDB, trata-se do PT e o PMDB querendo impedir que a CPMI efetivamente puna
alguém dos seus e que no máximo (para o PT) também sirva para enlamear o
Procurador Geral da República e o julgamento do Mensalão. E nisto, a Veja
também não quer publicar uma só linha de como Cachoeira falava nas gravações
como se fosse o editor-chefe da revista de maior circulação do pais. A maior
parte da mídia no Brasil sequer menciona o “lado Veja” do escândalo, há que
supor por motivos gerais (também tem relações similares e interesses de frações
de classe similares), mas também não deveríamos nos surpreender por motivos também
particulares, quem mais será que está na conta de Cachoeira, ou mesmo na conta
de alguém maior que o bicheiro e que o bicheiro seria só um operador.
Para a antípoda da Veja, a
Carta Capital [1], afim ao PT, trata-se de um escândalo centrado na relação de
Cachoeira-Demostenes com a Veja. Muito menos barulho sobre as empreiteiras ou
Sérgio Cabral (não que não mencione, mas muito menos que o “lado Veja” do
escândalo). Regionalmente também se constroem versões mutiladas do escândalo,
no Rio de Janeiro, o barulho envolvendo a Delta é maior, pois se trata de
acertar o prefeito Eduardo Paes através de acertar seu padrinho político o
governador Sérgio Cabral (ambos do PMDB e com interminável leque de alianças).
Os autointitulados “blogueiros
progressistas” (melhor seria dizer filo-governistas) dão maior ênfase ao lado
tucano e ao lado Veja desta rede. Há de se esperar que falem menos do lado
petista da rede, mas focar-se só na mídia impressa e omitir que são os maiores
latifúndios da mídia que são as redes de televisão e rádio (e sua ligação com
as Igrejas – agora há quem queira louvar a Record por denunciar a Veja, e pule
sua ligação com a Igreja Universal) é também mutilar o “problema do PIG”
(partido da imprensa golpista como eles chamam). Parte deste PIG é da base
aliada, são os Sarney e Collor com suas retransmissoras da Rede Globo e
monopólio de informações em seus estados.
Em meio a tanto fogo cruzado,
tanta notícia pela metade ou em frações ainda menores, cada uma condizente com
objetivos eleitorais-mercantis de cada fração política (e talvez empresarial)
em jogo. Para o DEM e PSDB trata-se de sobreviver, acertar alguns petistas e
não ter seus objetivos eleitorais implodidos. Para o PT trata-se de acertar a
oposição de jeito e/ou livrar seus quadros históricos no julgamento do
mensalão. No Rio trata-se de acertar Cabral, mas encobrir as relações de César
Maia e Garotinho com o mesmo Cavendish. Para a Veja e a Carta Capital vender-se
como paladinas da ética, da verdade e de assinaturas. Em meio a isto e sem
nenhuma direção seja de sindicato, seja de diretório central de estudantes,
chamando à rua para trazer abaixo este traço estrutural do capitalismo e dos
governos no Brasil, a corrupção, o mais provável é que os trabalhadores
processem passivamente mais um escândalo. Ainda assim não deixam de processar e
com este artigo queremos ajudar a processar o que o escândalo
Cachoeira-Delta-Governadores-Partidos-Justiça-mídia, mostra da elite brasileira
em seu aspecto histórico e também contemporâneo.
Para ler a reportagem até o
fim, clique Ler-qi
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