Polícia que bate é polícia subdesenvolvida. Foto: Fábio Motta/AE |
Rezam
os livros de história que, quando Dom João VI correu do Rio de Janeiro em 1821
de volta à Portugal, raspou os cofres e deixou um território gigantesco para
ser administrado por seu filho, Dom Pedro. Este, sem muito talento para a coisa
e de pires na mão, iniciou a história independente de um país que já nascia
adiando suas necessidades e obrigações. Ou
seja: nascia o Brasil que conhecemos.
A
partir daí, quase tudo o que constitui uma civilização ocorreu no Brasil
tardiamente, e daquele jeito bem mais ou menos. Ou então ainda não ocorreu. A
primeira universidade brasileira surgiu no século XX, centenas de anos após
nossos vizinhos terem as suas. Escola pública universal é uma conquista
recente, e só ocorreu quando a qualidade dela já não era das melhores. Os
surtos de dengue se repetem a cada verão. E o respeito aos direitos humanos
ainda está longe dos hábitos enraizados da sociedade.
No
último século, lampejos de uma democracia frágil e duas ditaduras, a de Getúlio
Vargas e a dos milicos, acabaram por deturpar uma das instituições fundamentais
para a evolução de uma sociedade: a polícia.
O
brasileiro aprendeu a ter medo de quem veste farda. Nos anos de chumbo, porque
a polícia tinha poderes arbitrários para prender quem quisesse. Tem cara de
terrorista? Vai preso. Tem cara de bandido? Vai preso. Está sem o R.G.? Vai preso.
Está fazendo nada? Vai preso por vadiagem. E assim foi por muitos anos. Se
perguntassem a um policial nos anos 1970 sobre qual era a prioridade de seu
trabalho, a resposta padrão seria "manter a ordem", e não
"proteger a sociedade". O cassetete virou política.
Isso
porque, na prática, a polícia defendia os governantes da própria população,
porque uns queriam ser representados e outros se outorgaram o direito de
representar. Estavam em lados opostos, algo que não faz sentido, em tese, em
uma democracia – em que você pode cobrar quem elegeu como representante.
A
polícia é um exemplo de que a transição da Ditadura Militar para a democracia
parece ser mais um capítulo dessa história brasileira na qual as coisas
acontecem mais ou menos, das políticas que mudam mas não muito, da evolução que
se dá do jeito que der e não do jeito que deveria ser. Podem ter existido casos
isolados, mas nunca houve uma real e abrangente ruptura das estratégias
policiais da Ditadura com a maneira como as polícias estaduais atuam hoje.
Três
fatos desta semana exemplificam esse fato: a ação da PM paulista na chamada
Cracolândia, zona central de São Paulo tomada por viciados; a violência
gratuita de um policial, também da PM paulista, contra um estudante da USP; a
ação repressiva da polícia do Piauí contra estudantes que protestavam contra o
aumento da passagem de ônibus.
O que
podemos fazer para acabar com o problema do crack no centro da maior cidade do
País? Borrachada em viciado, impugindo-lhes propositalmente "dor" e
"sofrimento", relegando a segundo plano a ação de saúde pública e de assistência
social. O que fazer com estudantes a protestar contra o aumento da passagem de
ônibus? Borrachada neles, como se fossem revolucionários comunistas tentando
tirar o milico de plantão no poder do País.
É
importante frisar que ser um policial competente no Brasil é um sacrifício
digno de odisséias bíblicas. O salário é baixo, sobretudo se comparado ao risco
que ele corre todos os dias. Quase nunca ele tem ao seu dispor uma boa
estrutura para exercer o ofiício. E ainda tem grandes chances de receber
instruções deturpadas no que se refere aos direitos humanos.
As
autoridades já deveriam há muito tempo ter criado uma política nacional para a
ação policial, seja esta sob jurisdição estadual ou municipal. Polícia que bate
sem contexto de legítima defesa é polícia subdesenvolvida. A incapacidade das
corporações policiais em resolver os problemas sem o cassetete mostra um país a
evoluir do jeito que dá e não do jeito que deveria ser. É o rescaldo da
Ditadura, que nos lembra diariamente o quão longe ainda estamos de sermos uma
civilização avançada, não importa o quão bem caminhe nossa economia.
Fonte: Geledes
Nenhum comentário:
Postar um comentário