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segunda-feira, 25 de junho de 2012

Torturador conta rotina da Casa da Morte em Petrópolis


Na casa na Rua Arthur Barbosa, em Petrópolis, 
funcionava aparelho clandestino do Centro de 
Informações do Exército (CIE)

RIO — Depois de cinco horas de conversa, o velho oficial estava livre de um dos mais bem guardados segredos do regime militar: o propósito e a rotina do aparelho clandestino mantido nos anos 1970 pelo Centro de Informações do Exército (CIE) em Petrópolis, conhecido na literatura dos anos de chumbo como “Casa da Morte”, onde podem ter sido executados pelo menos 22 presos políticos. Passados quase 40 anos, um dos agentes que atuaram na casa, o tenente-coronel reformado Paulo Malhães, de 74 anos, o “Doutor Pablo” dos porões, quebrou o silêncio sobre o assunto.
No jargão do regime, revelou Malhães, a casa era chamada de centro de conveniência e servia para pressionar os presos a mudar de lado e virar informantes infiltrados, ou RX, outra gíria dos agentes. O oficial não usa a palavra tortura, mas deixa clara a crueldade dos métodos usados para convencer os presos:
— Para virar alguém, tinha que destruir convicções sobre comunismo. Em geral no papo, quase todos os meus viraram. Claro que a gente dava sustos, e o susto era sempre a morte. A casa de Petrópolis era para isso. Uma casa de conveniência, como a gente chamava.
As equipes do CIE, afirmou, trabalhavam individualmente, cada qual levando o seu preso, com o objetivo de cooptá-lo. O oficial disse que a libertação de Inês Etienne Romeu, a única presa sobrevivente da casa, foi um erro dos agentes, que teriam sido enganados por ela, acreditando que aceitara a condição de infiltrada.
Malhães só não contou o que era feito com os que resistiram à pressão para trair. Diante da pergunta, ficou em silêncio e, em seguida, lembrou que nada na casa de Petrópolis era feito à revelia dos superiores. As equipes relatavam e esperavam pela voz do comando:
— Se era o fim da linha? Podia ser, mas não era ali que determinava.
Até terça-feira, quando o militar abriu a porteira do sítio na Baixada Fluminense aos repórteres, nenhum dos agentes da casa havia falado sobre ela. O que se sabia era o testemunho de Inês Etienne, colhido em 1971 mas só divulgado em 1979, após o período em que cumpriu pena por envolvimento com a guerrilha da VAR-Palmares. Outras referências ao local apareceram em entrevistas e livros de colaboradores do regime, como o oficial médico Amilcar Lobo, o sargento Marival Chaves (CIE-DF) e o delegado da Polícia capixaba Cláudio Guerra.
Sentado ao lado da mulher no alpendre da casa maltratada pelo tempo, Malhães revelou que já pertencia ao Movimento Anticomunista (MAC) quando ingressou nos quadros da repressão. Sua ascensão, iniciada com um curso de técnicas para abrir cadeados, fazer escuta, aprender a seguir pessoas, foi rápida. Após o golpe militar, passou pela 2 Seção (Informações) e pelo Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército (RJ) antes de ingressar no Centro de Informações do Exército (CIE), onde passou a perseguir as organizações da luta armada pelo país.


Torturador da Casa da Morte se aliou ao PCdoB na Baixada

Fama de justiceiro deu ao oficial uma suplência na Câmara de Nova Iguaçu

Paulo Malhães, o oficial do Exército que atuou na Casa da Morte e na repressão à Guerrilha do Araguaia, foi candidato a vereador nas eleições de 2000, em Nova Iguaçu, pela coligação “Frente Democrática”. Além do PDT, partido ao qual era filiado, faziam parte da aliança o PV e o PCdoB, o mesmo partido que deflagrou a guerrilha e foi duramente combatido por Malhães. O oficial recebeu 1.432 votos (0,41% do total) e ficou na suplência graças à fama de justiceiro que o popularizou em sua comunidade.
Malhães fala hoje da ameaça comunista como se o Brasil estivesse à beira de uma revolução marxista-leninista. Desdenha dos antigos inimigos, os chamado de covardes. Mas não consegue esconder uma discreta admiração pelo partido que combateu no passado:
— O PCdoB sempre foi o pior grupo a ser combatido. A origem disso foi a Intentona Comunista, que envolveu vários oficiais, cooptados pelo PCdoB. E era o único grupo que tinha estrutura militar, que tinha capacidade. Para fazer guerrilha, precisa de teoria, prática e estrutura. Os outros eram guerrilheiros fantasmas. Se diziam guerrilheiros, mas eram medrosos, covardes. Os argentinos, sim, eram guerrilheiros. No Brasil, houve pouca morte em combate, mesmo na guerrilha. E a maior no Brasil, a do Araguaia, foi um fracasso.
O oficial, que vive há pelo menos 27 anos com a mulher na Baixada, disse que hoje quer apenas tranquilidade. Teme que ela acabe depois que a reportagem for publicada. Mesmo assim, concordou em falar:
— Sabia que esse dia ia chegar.
Autor de “Um tempo para não esquecer”, livro relançado este ano com uma lista de agentes do regime envolvidos em tortura, o professor Rubim Aquino acusou Malhães de atuar em pontos-chaves da repressão, “sempre à base da carnificina”.
— Ele não fica a dever ao Brilhante Ustra. Era um violento anticomunista, que aparece relacionado à repressão no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no Paraná.
O Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro incluiu o nome do oficial na lista dos “Elementos Envolvidos Diretamente com Torturas”. Pelo menos três ex-presos políticos, Sérgio Ubiratan Manes, Paulo Roberto Manes e Paulo Roberto Telles Franck, disseram ter sofrido espancamentos, sessões de choque elétrico e outras violências praticadas pelo militar — os dois primeiros no DOI do Rio e o terceiro no Rio Grande do Sul.
Fonte e dossiê completo: Contextolivre

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