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José Rubens Mascarenhas de Almeida*
Um novo debate se acirra no momento
e vem em boa hora na nossa cidade, que é a questão da consistência dos
conceitos de esquerda e direita. Digo que vem em boa hora, pois o processo
eleitoral se avizinha e tem muita coisa fora do lugar, principalmente os
discursos eleitoreiros dos oportunistas de plantão. Tentarei ser objetivo,
embora saiba da complexidade do tema. Para tanto, recorrerei à didática e procurarei
discernir a categoria “esquerda” para, daí, qualificar a direita.
Para além da retórica dos que
se arvoraram nos diversos aparelhos do Estado e se autodenominam ‘de esquerda’,
recorrerei não a um marxista, para não cobrar de práticas liberais reflexões
mais à esquerda. Assim, partindo da concepção de um liberal de carteirinha como
Norberto Bobbio, alguns princípios orientam o ser de esquerda. Elencarei apenas
alguns poucos que, creio, nos permitirá tirar conclusões definitivas, inclusive
porque ainda é um debate inconcluso, apesar de alguns afirmarem o fim
peremptório dos termos (acerca
ver, para ficar no debate em Vitória da Conquista). Tantos afirmações desse
calibre vimos na História da humanidade, do tipo “fim dos tempos”, “fim das ideologias”,
“fim da História”... E o mais interessante é que a vida segue a sua dinâmica e
a História segue seu rumo tendo os homens como seus principais sujeitos. Mas,
vamos a alguns critérios elencados por Bobbio[1].
Um critério essencial para se
entender quem é – ou não – de esquerda é ter por pressuposto que esta categoria
analítica é relacional: só se é de esquerda em relação ao que é de direita. E, mais
que relacionais, direita e esquerda são categorias antitéticas (excludentes),
empregadas para designar o contraste entre ideologias e entre os movimentos em
que se divide o universo conflitante do pensamento e das ações políticas. Ou
seja, aquilo que é de esquerda assim o é com respeito àquilo que é de direita.
Outro critério importante é que
esquerda e direita são categorias excludentes. Nenhuma doutrina ou movimento
pode ser, simultaneamente, de esquerda e de direita. Assim, não basta se dizer
de esquerda para sê-lo. É necessário ter uma base ideológica (ideologia
entendida para além do discurso, tendo a prática política como suporte de sua
constituição) que indique programa político contraposto e contraste de ideias e
de valoração.
O último critério que elegi
para esta reflexão – e que eu considero o mais palpável para se distinguir
direita de esquerda – é a posição diante do poder: para definir-se de esquerda,
um ente político tem que ter alguns traços – fui sucinto e econômico por causa
do espaço – que o identifique como tal. Imprescindível dizer, deles todos, o
fim a que se propõe. Tradicionalmente entendida, a proposta da derrubada da
ordem injusta (injusta porque inigualitária) é uma característica sine qua non na definição de quem é – ou
não – de esquerda. Isto implica o lugar político que esse ente ocupa na
estrutura de poder.
Nesse sentido, as categorias
esquerda e direita não são conceitos absolutos, mas relativos; são ontológicos,
mas também lugares do ‘espaço político’. No entanto, uma coisa é certa: não
estão obsoletos como muitos apregoam, o que falta é consistência daqueles que
se apropriam deles para definir o que querem oportunamente definir. Tais
categorias analíticas têm razão e significado históricos que as distinguem
entre si. Se não vistas do ponto de vista ontológico, servirão para definir
tudo e nada. E isto acontece porque, como primado axiológico, tais categorias
liberam uma concepção de valor moral: esquerda (positivo) e direita (negativo).
Essa valoração é que explica a insistências dos militantes do Pt e do PCdoB – entre
outros – e suas agremiações políticas que, mesmo administrando o Estado burguês,
reivindicam para si o status de
esquerda. No entanto, oportunisticamente esquecem-se de que elas evocam
discursos e práticas políticas.
O que é certo é que estes atores
se redefiniram no campo da prática política e não cabem mais nos padrões
tradicionais conhecidos por esquerda, o que não quer dizer que os conceitos se
obsoletizaram. No caso do PCdoB, utiliza-se de um discurso marxista ortodoxo,
mas tem uma prática calcada no pragmatismo mais escancarado da política
nacional. Seus líderes falam em revolução ao mesmo tempo em que apoiam e são
financiados pelo agronegócio[2].
No caso da direita, está mais
disposta a aceitar aquilo que é dado como natural, ou seja, o habitual, a
tradição, a força do passado. Esta continua nos padrões tradicionais de seu
lugar histórico. O que precisamos aqui é definir com maior presteza o que se
denomina e/ou autodenomina de esquerda sem sê-lo, indo para além da ideologia
dominante e, daí, traçar o que lhe é antitético, ou seja, o que seria a direita.
A retórica dos que estão no
aparelho de Estado apropria-se de tais nomenclaturas de forma vazia e carente
de fundamentos, uma das características principais dos grupos hegemônicos na
política brasileira hoje. No entanto, as lacunas existentes entre seus
discursos e suas práticas são profundas e alarmantes, além de frágeis do ponto
de vista de sustentação política e filosófica, mantidas apenas pela
fascistização do aparato estatal levado às últimas consequências, como visto em
todo o país, e em especial aqui na Bahia pelo sindical petismo (acerca ver o
tratamento às greves dos trabalhadores de várias categorias durante os oito
anos do governo Jacques Wagner).
Pelos critérios aqui elencados,
nenhum dos dois governos (Lula e Dilma), assim como os partidos que o
hegemonizam (PT e PCdoB) podem, strictu
senso, serem vistos, na prática, como de esquerda, como insistem. Aliás,
quem está no Estado hoje usam os recursos públicos mais para financiar os meios
de massificação que nos serviços públicos[3]
e com isto afirmam qualquer asneira. Vejam o Meirelles, por exemplo: ele, um
dos maiores representantes do capital financeiro internacional, primorosamente
escolhido – e blindado – por Lula para adequar financeiramente o país à ordem
econômica internacional, dizia que a política monetária era de esquerda (risos).
Para que tais governos possam ser tidos como de esquerda, teríamos que repensar
os conceitos de direita e esquerda na atual conjuntura a partir de suas
práticas e seus lugares. Fechando: não são de esquerda.
*Professor de História da UESB.
[2] Acerca ver: “Deputados que aprovaram
novo Código Florestal receberam doação de empresas desmatadoras”. Disponível
em: Centro
de Estudos Ambientais; Empresas Transnacionais do AGRO mais generosas nas
eleições. Disponível em ONG-CEA.
Agronegócio apoia campanha de Aldo Rebelo. Disponível em Centro
de Estudos Ambientais. As
doações da FIBRIAS nas eleições de 2010. E desfiaria aqui um rosário
interminável de demonstrações do financiamento do grande capital aos “comunistas”
do PCdoB.
[3] Ver, acerca, nota da
Associação Brasileira de Revistas e Jornais, postada no UOL. O site Jogo
do poder dá conta dos gastos do PT nos Estados, inclusive o da Bahia. Tais
informações se proliferam pelos meios de comunicação.
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