Assunção, tarde de 22/06: o povo contra o golpe. |
No
final da tarde desta sexta, o Senado do Paraguai, dominado por partidos
conservadores, decretou o afastamento do presidente eleito, Fernando Lugo. Mas
o futuro do país é incerto. No plano interno, é provável que haja resistência
ao ato, visto por boa parte da sociedade como um golpe. Uma multidão permanece
diante do Legislativo, e passou a pedir a dissolução do próprio Congresso, por
considerá-lo ilegítimo.
Na cena internacional, a União das Nações Sulamericanas também acaba de emitir nota em que frisa "sua total solidariedade ao povo paraguaio e o respaldo ao Presidente constitucional Fernando Lugo".
Em meio aos acontecimentos, um
aspecto permanece incerto: o papel dos Estados Unidos. Com quem os golpistas
poderiam contar, se enfrentam oposição interna e dos governos da região? No
texto abaixo, o jornalista e cientista político Mark Weisbrot sugere:
Washington pode estar dando respaldo aos golpistas. Colaborador do “The
Guardian”, Weisbrot é também co-diretor do Centro para Pesquisa Econômica e
Política, baseado na capital norte-americana (A.M.)
O Congresso do Paraguai tenta
afastar o presidente, Fernando Lugo, por meio de um procedimento de impeachment
em que lhe foram dadas menos 24 horas para preparar sua defesa, e apenas duas
para apresentá-la. Tudo indica que uma decisão para condená-lo já foi escrita,
e será apresentada nesta noite (22/6). Seria impossível chamar este trâmite de
“devido processo”, em qualquer circunstância, mas é também uma clara violação
do Artigo 17 da Constituição paraguaia, que assegura o direito a defesa
adequada.
O sentido político da tentativa
de golpe também está suficientemente claro. O Paraguai foi controlado, durante
61 anos, pelo Partido Colorado, de direita. Na maior parte deste tempo
(1947-1989), o país esteve sob ditadura. O presidente Lugo, um ex-bispo ligado
à Teologia da Libertação e às lutas dos pobres, foi eleito em 2008, mas não
conseguiu apoio da maioria do Congresso. Ele articulou uma coalizão de governo,
mas a direita – incluindo a mídia – nunca aceitou de fato sua presidência.
Conheci Fernando Lugo no início
de 2009. Impressionaram-me sua paciência e estratégia de longo prazo. Ele dizia
que, dada a força das instituições alinhadas contra seu governo, não esperava
ganhar tudo no presente; estava lutandopara que a nova geração pudesse ter uma
vida melhor. Mas a oposição sempre foi implacável. Em novembro de 2009, Lugo
teve de demitir os principais comandantes militares, devido a relatos firmes de
que conspiravam com a oposição.
O impeachment foi desencadeado
por um conflito armado entre camponeses que lutavam por terra e a polícia,
quando morreram ao menos 17 pessoas, inclusive sete oficiais de polícia.
Segundo os sem-terra, a área em disputa havia sido obtida ilegalmente por um
político do Partido Colorado. Mas o confronto violento é apenas um pretexto:
está claro que o presidente não teve responsabilidade alguma pelo ocorrido. Os
oponentes de Lugo sequer apresentaram alguma evidência para as acusações no
“julgamento” de hoje. O presidente propôs uma investigação sobre o incidente; a
oposição não se mostrou interessada, preferindo partir para um procedimento
judicial fraudulento.
A eleição de Lugo foi uma das
muitas na América do Sul (Argentina, Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador,
Uruguai, Peru, Honduras, Nicarágua, El Salvador) em que as sociedades escolheram
governos de esquerda e mudaram a geografia política do hemisfério, nos últimos
14 anos. Com a mudança, veio uma crescente unidade política em temas regionais
– especialmente na resistência aos Estados Unidos, que antes tinham sucesso, ao
evitar o surgimento de governos de esquerda.
Por isso, não é surpreendente a
resposta urgente e imediata dos países sul-americanos a esta tentativa de
golpe, vista por eles como uma ameaça à democracia. O secretário-geral da
Unasul, Ali Rodriguez, insistiu que Lugo deve ter direito ao “devido processo”
e ao direito de se defender. O presidente do Equador, Rafael Correa, afirmou
que a Unasul poderia recusar-se a reconhecer o governo pós-golpe – em
cumprimento a uma das cláusulas de sua Carta.
Correa foi um dos mais duros
oponentes ao golpe de Estado em Honduras, que afastou há três anos o presidente
Manuel Zelaya. Honduras continua a sofrer violência extrema, incluindo
assassinato de jornalistas e políticos opositores, sob o regime estabelecido em
seguida ao golpe.
O afastamento de Zelaya foi um
ponto de mudança nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina.
Governos como os do Brasil e Argentina, antes esperançosos de que o presidente
Obama abandonasse as políticas de seu antecessor, desapontaram-se. Washington
fez declarações conflitantes sobre o golpe e em certo ponto – em oposição ao
resto do hemisfério – fez todo o possível para assegurar-se de que o golpe
teria sucesso. Isso incluiu bloquear, no interior da Organização dos Estados
Americanos (OEA) os esforços das nações sulamericanas para restaurar a
democracia. No último Encontro das Américas Obama ficou – em contraste com o
que ocorrera em 2009 – tão isolado quanto seu antecessor, George W. Bush.
O governo Obama respondeu à
crise atual no Paraguai com uma declaração em apoio ao devido processo. Talvez
tenha aprendido algo de Honduras e não se oponha ativamente aos esforços da
América do Sul para defender a democracia. Certamente, os países da região não
permitirão que Washington controle o processo de mediação, se houver um – como
fez Hillary Clinton com a OEA, em Honduras. Mas Washington pode desempenhar seu
papel tradicional, assegurando à oposição que o novo governo terá apoio,
inclusive financeiro e militar, dos EUA. Vermos nos próximos dias.
Resta saber o quê mais a Unasul
fará para se opor ao golpe de direita no Paraguai. É certamente compreensível
que a organização o enxergue como uma ameça à democracia e à estabilidade na
região.
Fonte: Outras
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