"Não vai falar,
vagabunda?”, dizia o torturador
Por Ana Aranha, com
colaboração de Jessica Mota
Vítima mostra as marcas da algema em brasa usada em tortura em Manaus (Foto: Divulgação) |
“Zero
Um” é o mais nervoso dos quatro policiais militares que revistam a casa de
Marlene. Depois de encontrar um cigarro de maconha, além de um relógio, munição
e um computador roubados, os PMs a levam para o quarto algemada, fazem com que
ajoelhe e desferem uma rodada de tapas no seu rosto, coronhadas na cabeça e
chutes pelo corpo. É de “Zero Um” a ideia de pegar um saco plástico: “Não vai
falar, vagabunda?”. Ele coloca o saco preto ao redor da cabeça de Marlene. Ela
desmaia.
O
nome da vítima foi trocado, para preservar sua identidade, mas o apelido “Zero
Um” é verídico, escolhido pelos PMs entre os codinomes usados pelos personagens
de Tropa de Elite – filme que retrata a ação do grupo de elite da polícia
militar do Rio de Janeiro.
Eram dez horas da noite do
primeiro dia de 2012 quando a camareira de 28 anos autorizou a entrada dos
policiais em sua casa, que fica em um bairro pobre de Manaus. Ela estava
grávida de 5 meses, perdeu a criança dois dias depois. A “técnica” do saco no rosto para extrair informação também
aparece nas cenas de Tropa de Elite.
Na vida real, era o início de
uma sessão de mais de duas horas de tortura – relatados por Marlene à reportagem
da Pública que a visitou na Cadeia Pública Feminina “Desembargador Raimundo
Vidal Pessoa”, onde está presa desde então por posse de objetos roubados.
Marlene acordou do desmaio
provocado pela falta de ar dentro do saco preto com um jato de spray de pimenta
e foi arrastada para a cozinha. Mais uma vez, foi de “Zero Um” a ideia:
esquentar objetos metálicos no fogão. Os policiais usaram suas próprias
ferramentas de trabalho para queimá-la: primeiro, a algema, pressionada em
brasa contra sua perna esquerda com a ajuda de um alicate. Depois, a ponta do
cano do revólver, dentro da pele queimada pela algema – formando dois círculos
circunscritos.
As marcas deixadas pela polícia
no corpo da camareira são inconfundíveis. São a prova de que eles não temiam
punição. Embora amplamente conhecida pela população, a tortura cometida por
agentes da lei é um tabu para a Justiça. Raramente condena-se um policial ou um
agente carcerário pelo crime.
Uma enraizada cultura de
resistência da própria corporação dificulta o julgamento, a investigação e
produção de provas. Isso quando a vítima consegue registrar a denúncia,
vencendo outra série de obstáculos antes da abertura do inquérito. O silêncio
realimenta o crime ao dar a segurança da impunidade aos policiais violentos.
Fonte: Br.
noticias
Nenhum comentário:
Postar um comentário