Alto Comissariado de Direitos
Humanos da ONU aponta: país tem a quarta população carcerária do mundo e a
trata em condições sub-humanas.
Por Luis Kawaguti, na
BBC Brasil
Com cerca de 500 mil presos, o
Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e um sistema prisional
superlotado. O deficit de vagas (quase 200 mil) é um dos principais focos das
críticas da ONU sobre desrespeito a direitos humanos no país.
Ao ser submetido na semana
passada pela Revisão Periódica Universal – instrumento de fiscalização do Alto
Comissariado de Direitos Humanos da ONU -, o Brasil recebeu como recomendação
“melhorar as condições das prisões e enfrentar o problema da superlotação”.
Segundo a organização
não-governamental Centro Internacional para Estudos Prisionais (ICPS, na sigla
em inglês), o Brasil só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos
(2,2 milhões), China (1,6 milhão) e Rússia (740 mil).
De acordo com os dados mais
recentes do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), de 2010, o Brasil tem
um número de presos 66% superior à sua capacidade de abrigá-los (deficit de 198
mil).
“Pela lei brasileira, cada
preso tem que ter no mínimo seis metros quadrados de espaço (na unidade
prisional). Encontramos situações em que cada um tinha só 70 cm quadrados”,
disse o deputado federal Domingos Dutra (PT-MA), que foi relator da CPI do
Sistema Carcerário, em 2008.
Falta
de condições
Segundo ele, a superlotação é
inconstitucional e causa torturas físicas e psicológicas.
“No verão, faz um calor
insuportável e no inverno, muito frio. Além disso, imagine ter que fazer suas
necessidades com os outros 49 pesos da cela observando ou ter que dormir sobre
o vaso sanitário”.
De acordo com Dutra, durante a
CPI, foram encontradas situações onde os presos dormiam junto com porcos, no
Mato Grosso do Sul, e em meio a esgoto e ratos, no Rio Grande do Sul.
Segundo o defensor público
Patrick Cacicedo, do Núcleo de Sistema Carcerário da Defensoria de São Paulo,
algumas unidades prisionais estão hoje funcionando com o triplo de sua
capacidade.
Em algumas delas, os presos têm
de se revezar para dormir, pois não há espaço na cela para que todos se deitem
ao mesmo tempo.
“A superlotação provoca um
quadro geral de escassez. Em São Paulo, por exemplo, o que mais faz falta é
atendimento médico, mas também há (denúncias de) racionamento de produtos de
higiene, roupas e remédios”, disse à BBC Brasil.
Vigilância
Porém, abusos de direitos
humanos não ocorrem somente devido ao déficit de vagas.
Em todo país, há denúncias de
agressões físicas e até tortura contra detentos praticadas tanto por outros
presos quanto por agentes penitenciários.
“No dia a dia, recebemos muitas
denúncias de agressões físicas, mas é muito difícil provar, pelo próprio
ambiente (de isolamento). Quando a denúncia chega e você vai apurar, as marcas
(da agressão na vítima) já sumiram e não há testemunhas”, afirmou Cacicedo.
O número de mortes de detentos
nos sistemas prisionais não é divulgado pelos Estados, segundo o assessor
jurídico da Pastoral Carcerária, José de Jesus Filho.
“O sistema penitenciário é
opaco, uma organização (não-governamental) já tentou fazer esse levantamento,
mas não conseguiu.”
Segundo o deputado Dutra, o
ambiente geral desfavorável aos direitos humanos no sistema prisional do país
foi o que possibilitou o surgimento de facções criminosas.
Entre elas estão o Comando
Vermelho e o Terceiro Comando, no Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da
Capital, em São Paulo, que hoje operam as ações do crime organizado dentro e
fora dos presídios.
Defensores
Patrick Cacicedo, do Núcleo de
Sistema Carcerário da Defensoria de São Paulo
Outra recomendação explícita
feita pelo grupo de 78 países-membros durante a sabatina na ONU foi a
disponibilização permanente de defensores públicos em todas as unidades
prisionais do país.
Uma das funções deles seria
acelerar a apuração de abusos de direitos humanos contra presos.
Outros papeis seriam oferecer
assistência jurídica para que os detentos não fiquem encarcerados após acabar
de cumprir suas penas ou tenham acesso mais rápido ao sistema de progressão
penitenciária (regime semiaberto ou liberdade assistida) – o que ajudaria a
reduzir a superlotação.
Mas o país ainda está longe
dessa realidade. Só em São Paulo, um dos três Estados com maior número de
defensores, o atendimento a presos nas unidades prisionais é feito por meio de
visitas esporádicas.
De acordo com Cacicedo, apenas
29 das 300 comarcas do Estado têm defensoria. Além disso, só 50 dos 500
defensores se dedicam ao atendimento dos presos.
O Estado, no entanto, possui
151 unidades prisionais da Secretaria de Administração Penitenciária (sem
contar as cadeias públicas subordinadas à Secretaria de Segurança Pública.)
Soluções
Segundo Jesus Filho, os
problemas não são resolvidos em parte devido ao perfil da maioria dos detentos.
Um levantamento da Pastoral
Carcerária mostra que a maior parte tem baixa escolaridade, é formada por
negros ou pardos, não possuía emprego formal e é usuária de drogas.
Domingos Dutra diz que uma
possível solução para reduzir a população carcerária seria o emprego de
detentos em obras públicas e estímulo para que eles estudem durante a
permanência na prisão.
A legislação já permite que a
cada três dias de trabalho um dia seja reduzido da pena total. Mas, segundo
Dutra, nem todos os governos estaduais exploram essa possibilidade.
Esta é a primeira de uma série
de reportagens da BBC Brasil sobre as deficiências do país na área de direitos
humanos que serão publicadas ao longo desta semana.
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Fonte: Outras
Palavras
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