Imagem: racismoambiental.net.br |
Leonardo Sakamoto
Às portas da Rio+20, as
empresas também esquentam seus motores deixando suas assessorias de comunicação
malucas. É hora de mostrar que também estão juntas para garantir um mundo mais
sustentável. Daí a dificuldade revelada por alguns colegas do jornalismo corporativo
de fazerem um camelo passar pelo buraco da agulha.
Sou um dos raros seres humanos
que leem com cuidado todo e qualquer release que me enviem sobre novas
políticas de sustentabilidade das empresas, sem contar os relatórios que tratam
do seu comportamento socioeconômico e ambiental encomendados por elas mesmas.
Não porque seja fã dessa literatura, mas faz parte do ofício.
Particularmente, preferia ler o
Chico Bento. Que, além de tudo, posicionou-se contra o novo Código Florestal.
Coisa que muita empresa grande do agronegócio – que conta com relatórios
lindíssimos, salpicados com uma profusão de imagens de onças com próteses
dentárias e papagaios-do-piercing-roxo – não fez porque torcia pela
flexibilização das leis ambientais.
Para produzir o modelo de
relatório mais difundido hoje (Global Reporting Initiative), são envolvidos
atores interessados nos impactos da empresa para discutir o comportamento das
companhias. A ideia é boa, mas, no final, ou questões colocadas não entram
exatamente como deveriam ou, pior, a empresa diz uma coisa no relatório e age
de forma diferente no mundo real.
Um caso clássico: empresas
prometem deixar de comprar de fornecedores com problemas sociais e ambientais.
Prometem isso em seu relatório de sustentabilidade, consolidando uma política e
comunicando-a ao público. Ganham com esse anúncio, abraçam ministros, tiram
fotos com indígenas. Anos depois, quando um importante fornecedor é flagrado
fazendo besteira, a empresa ignora o que escreveu e diz que vai trabalhar em parceria
com o fornecedor para que, juntos, possam caminhar em direção a um mundo mais
sustentável. E que não poderia deixar o fornecedor na mão sob o risco de
empregos serem fechados. Lembrando que o tráfico de drogas é também um grande
empregador, mas defender serviço de aviãozinho ou fogueteiro pega mal, enquanto
que sair ao lado de desmatador ou escravista ainda é justificável desde que
seja pelo progresso da nação. Já vi coisas assim em grandes mineradoras,
indústrias automobilísticas, enfim, não é monopólio de determinado setor.
E o que estava escrito no
relatório e que foi comunicado à sociedade? É o que se perguntam alguns amigos
que estão diretamente envolvidos com produção de relatórios de
sustentabilidade. Dia desses, um deles me confidenciou que, seguindo essa toada
do “esqueçam o que escrevi”, ia oferecer seus préstimos como revisor de
romances de ficção em alguma grande editora.
Dramas pessoais e literários à
parte, ainda considero salutar o processo de produção desses relatórios nas
empresas que levam isso a sério e convidam os interessados no comportamento da
empresa para debates. É o momento de pressionar e constranger. Cobrar o que não
foi feito, reconhecendo avanços, é claro. E, como ninguém é de ferro, comer pão
de queijo, sanduíche de metro e tomar suco de laranja em salas de conferência
de hotéis chiques.
Além de rir um pouco.
Participei de um rosário de encontros visando à produção desses relatórios como
parte interessada por conta do meu trabalho. Houve cenas memoráveis. Numa
delas, anos atrás, um banco convidou para analisar seu relatório. Alguém
levantou a mão em determinado momento e perguntou se ainda dava tempo de a
empresa repensar um trecho que pegaria bem mal quando fosse divulgado. Nele,
havia uma forma um tanto quanto inusitada de avaliar o impacto do aquecimento
global no país e nos negócios:
“Do ponto de vista dos impactos
diretos das mudanças climáticas, o estudo [conduzido pelo banco, sobre negócios
e mudanças climáticas] aponta um risco reduzido na estrutura da Rede de Agências
e na composição do faturamento da Organização, dado o horizonte de tempo em que
a alteração do clima do planeta deve começar a afetar o Brasil com mais
intensidade. À exceção das regiões litorâneas, as mais ameaçadas pelo aumento
do nível do mar, o restante do território brasileiro não deve ser diretamente
atingido.
A queda de oportunidades de
trabalho no campo, o empobrecimento de faixas importantes da população e o
conseqüente fluxo migratório para as grandes cidades poderão acarretar aumento
do desemprego, gerando impactos sociais negativos como o crescimento da
violência e da favelização e o fortalecimento da economia informal.
Nesse cenário, poderia-se
observar uma diminuição da fidelização dos clientes aos bancos, diante do
acirramento da concorrência, cada vez mais concentrada em regiões
metropolitanas. A importância de se trabalhar melhor a rentabilidade do cliente
aumenta. Tais fenômenos implicam a necessidade de cadastro de clientes mais
flexível e rapidamente atualizável, uma vez que uma movimentação mais intensa
das pessoas amplia as oportunidades de negócio, tanto pelo volume de recursos
quanto pelas oportunidades de financiamento.”
Cadastro de clientes mais
flexível? Ou seja, quem disse que não dá para ganhar dinheiro com mudanças
climáticas? É a economia verde, minha gente.
Isso sem contar o texto. Após
anos lendo releases e relatórios, tenho a certeza de que alguma coisa está
errada. Tudo bem que cada grupo tenha palavras próprias para se expressar. Mas
se o objetivo é comunicar à sociedade e não apenas a um grupo restrito (ó, vó!
ó que lindo, fui eu quem escrevi!), seria importante tocar os dois pés no chão
e falar português claro. E não “sustentabilitês”. Até porque o uso exaustivo
dessas expressões servem para encobrir a falta de conteúdo.
Vamos a uma breve experiência.
Levantei com uma amiga jornalista que também trabalha na área dez termos usados
com frequência nos relatórios: Economia verde, Empoderamento, Globalizada, Operacionalização,
Oportunizar, Panorama geral, Paradigma, Participativo, Sistêmico, Sustentabilidade.
Disso, sem pensar, produzi um parágrafo:
“Devemos operacionalizar, de
forma globalizada, o empoderamento sistêmico como um elo de ligação de uma
sociedade participativa no panorama geral de um novo paradigma de uma economia
verde, que visa a oportunizar a efetivação da sustentabilidade.”
Olha, não é por nada não, mas
conseguiria encaixar esse texto em uma miríade de comunicações empresariais
pré-Rio+20. É genérico, tipo uma pescada, uma virose, sempre presente no ambientalismo
empresarial. Mas também em órgãos governamentais. Ou em organizações
não-governamentais…
Enfim, sou o discurso que,
cotidianamente, construo sobre mim mesmo. Ou seja, sou o que a sociedade vê em
mim. E considerando que a percepção do que seja realidade é algo construído,
quanto mais recursos financeiros tenho, melhor a bricolagem.
Sou uma cebola de camadas
sobrepostas que parece densa e cheia de conteúdo.
Mas que, ao ser descascada,
oferece apenas vento.
Fonte: Blog do Sakamoto
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