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Em carta aberta, intelectuais
apoiam blog Livros de Humanas.
Criado em 2009, o blog Livros de Humanas reunia mais de 2 mil
títulos acadêmicos para download gratuito. O site foi retirado do ar no fim de
maio, devido a uma ação judicial movida pela Associação Brasileira de Direitos
Reprográficos (ABDR), entidade que representa dezenas de editoras do país. No
texto abaixo, escritores e acadêmicos defendem o blog. Leia mais sobre a
polêmica no post abaixo.
*Por
Alexandre Nodari, Eduardo Sterzi, Eduardo Viveiros de Castro, Idelber Avelar,
Pablo Ortellado, Ricardo Lísias e Veronica Stigger
A liberdade de expressão
moderna é indissociável da invenção da imprensa, ou seja, da possibilidade de
reproduzir mecanicamente discursos e imagens, fazendo-os circular e durar para
além daquele que os concebeu. A própria formação da esfera pública, bem como do
ambiente de debate científico e universitário, está umbilicalmente conectada à
generalização do acesso aos bens culturais. Sem a disseminação da diversidade e
do confronto de opiniões e de teorias, a liberdade de expressão perde seu sopro
vital e se torna mero diálogo de surdos, quando não monólogo dos poderosos.
A internet eleva ao máximo o
potencial democrático da circulação do pensamento. E coloca, no centro do
debate contemporâneo, o conflito entre uma visão formal-patrimonialista e outra
material-comunitária da liberdade de expressão. Tal cisão, bem real, pareceria
manifestar-se no conflito entre direitos autorais e direito de acesso. Estes
não são, porém, necessariamente antagônicos, pois o prestígio moral e econômico
de um autor ou de uma obra está, em última análise, ligado à sua visibilidade.
São incontáveis os exemplos de escritores e editoras que não só se tornaram
mais conhecidos, como tiveram um incremento na venda de suas obras depois que
estas apareceram para download. O público que baixa livros é o mesmo que os
compra.
Assim, o verdadeiro conflito
não é entre proprietários e piratas, mas entre monopolistas e difusionistas. A
concepção monopolista-formal dos direitos autorais está embasada na ideia de
que aquilo que confere valor à obra é a sua raridade, o seu difícil acesso; já
a difusionista-democrática se ampara na inseparabilidade de publicidade e
valor. A internet favorece a segunda concepção, uma vez que a existência física
do objeto cultural que sustentava a primeira vai sendo substituída por sua
transformação em entidade puramente informacional. Desse modo, também se produz
uma transformação da natureza das bibliotecas. As novas bibliotecas virtuais se
baseiam no armazenamento e na disseminação tais como as antigas bibliotecas
materiais, mas oferecem uma mudança decisiva porque a estocagem depende da
distribuição e não o contrário: é a difusão que garante o armazenamento
descentralizado dos arquivos.
É uma biblioteca sem fins
lucrativos e construída nesses moldes modernos e democráticos que se acha sob
ameaça devido ao processo movido pela Associação Brasileira de Direitos
Reprográficos (ABDR), sob o pretexto de infringir direitos autorais. O alto
preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas e o encarecimento
do xerox levaram um estudante universitário a disponibilizar online textos
esgotados ou de difícil acesso para seus colegas. A iniciativa cresceu, atraiu
a atenção de estudantes e professores de todo o país e se tornou a mais
conhecida biblioteca virtual brasileira de textos acadêmicos, ganhando
prestígio comparável ao site “Derrida en castellano”, que sofreu processo
semelhante e foi absolvido nas cortes argentinas, como esperamos que o
“livrosdehumanas.org” o será pela Justiça brasileira.
Os defensores da concepção
patrimonialista dos direitos autorais costumam pintar cenários catastróficos em
que a circulação irrestrita de obras gera esterilidade criativa. No entanto,
ignoram, ou fingem ignorar, que os textos nascem sempre de outros textos e que
o autor é, antes de tudo, um leitor. Hoje, lamentamos a destruição das grandes
bibliotecas do passado, como a de Alexandria, e das riquezas que elas
protegiam. Poupemo-nos de chorar um dia pela aniquilação das bibliotecas
virtuais e pela cultura que elas podiam ter gerado.
*Alexandre Nodari é doutor em
Teoria Literária pela UFSC e editor da Cultura e Barbárie; Eduardo Sterzi é
escritor e professor de Teoria Literária na Unicamp; Eduardo Viveiros de Castro
é antropólogo e professor do Museu Nacional/UFRJ; Idelber Avelar é crítico
literário e professor da Tulane University (Nova Orleans, EUA); Pablo Ortellado
é professor de Gestão de Políticas Públicas e de Estudos Culturais na USP,
coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à
Informação (Gpopai); Ricardo Lísias é escritor, autor de “O céu dos suicidas”,
entre outros; Veronica Stigger é escritora, professora de História da Arte na
FAAP, coordenadora do curso de Criação Literária da Academia Internacional de
Cinema (AIC).
Fonte: O Globo Blogs
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