Por Augusto Buonicore* e
Fernando Garcia**
O subtítulo dado por Maria
Elena Bernardes à biografia da comunista Laura Brandão foi “a invisibilidade na
política”. De fato, existe uma dívida da historiografia brasileira em relação à
história da participação das mulheres nas lutas sociais em nosso país no século
XX, especialmente sobre o papel desempenhado pelas militantes comunistas.
Neste livro somos informados
sobre a primeira mulher que ingressou no Partido Comunista do Brasil, ainda no
ano da sua fundação. Chamava-se Rosa de Bittencourt, “uma operária que desde os
sete anos trabalhava numa fábrica de linhas, em Petrópolis, Rio de Janeiro,
tornou-se uma combativa líder sindical, participou das lutas do Bloco Operário
Camponês (BOC). Vendia o jornal A Classe Operária de porta em porta e gabava-se
em declarar-se comunista. Em 1930, Rosa foi delegada no Congresso Mundial da
Mulher, na URSS, onde representou a mulher trabalhadora brasileira”, afirmou
Maria Elena. Esta referência foi encontrada numa anotação feita por Eloísa
Prestes, a partir de informação prestada por Astrojildo Pereira, depositada no
Arquivo Edgard Leuenroth – Unicamp.
A única comunista que conseguiu
certo destaque na história brasileira foi Olga Benário (foto). Mesmo assim, num
primeiro momento, foi mais conhecida como mulher do Cavaleiro da Esperança. Só
posteriormente lhe foi dada a dimensão devida, enquanto liderança comunista e
revolucionária. No Brasil, coube à biografia escrita por Fernando Moraes esse
mérito. O livro Olga foi um sucesso de crítica e de público, conseguindo ir às
telas brasileiras com o mesmo êxito. Contudo, ela não teve participação
orgânica no interior do Partido Comunista do Brasil, então PCB.
As mulheres da primeira geração comunista
Embora fossem sub-representadas
nas direções das organizações operárias – quer socialista quer anarquista –, as
mulheres não foram elementos passivos diante da exploração e opressão patronal.
Inúmeras e importantes greves operárias tiveram as mulheres como protagonistas.
A de 1917 em São Paulo, por exemplo, começou no Cotonifício Crespi, onde a mão
de obra era predominantemente feminina. Um dos símbolos mais fortes daquele
movimento foi, justamente, a foto de uma mulher discursando numa das
assembleias plebiscitárias ocorridas durante aqueles dias turbulentos. Um
jornal paulista comentaria indignado: “Os agitadores tomaram conta do Brás,
paralisando toda vida comercial e industrial, assaltando veículos (...). Um
bando de mocinhas, infelizes operárias de fábricas, tomou conta de três
bondes”.
Contudo, entre os 9 delegados
que fundaram o PC do Brasil – e os seus 73 membros iniciais – não existia
nenhuma mulher. Os dois congressos seguintes também não conheceriam a
participação feminina. Este fenômeno, é claro, não se restringia aos
comunistas, era um problema crônico das organizações sociais e políticas
brasileiras daquela época. No Brasil as mulheres não tinham direito ao voto e
eram desprovidas de vários direitos civis.
A primeira comunista a ter
certa projeção – embora alguns afirmem que nunca tenha se filiado ao PCB – foi
Laura Brandão (foto). Poetisa, conhecida nos salões literários da antiga capital da
República. Como seu companheiro, Octavio Brandão, ela também passou pelas
fileiras do anarquismo. Mais tarde, colaborou na criação e na redação do jornal
A Classe Operária, órgão oficial do PC do Brasil. Ela gostava de dizer que
tinha quatro filhas: “Sáttva, Vólia, Dionysa e A Classe Operária”. Envolveu-se
no apoio a várias greves operárias e nas campanhas eleitorais dos comunistas.
Exilada com toda a família depois da Revolução de 1930, foi locutora da Rádio
Moscou e acabou morrendo na URSS durante a ocupação alemã àquele país.
No Programa mínimo apresentado
pelo Bloco Operário – frente de esquerda criada pelos comunistas em janeiro de
1927 – constava: implantação do voto feminino, proteção efetiva às mulheres
operárias, licença remunerada às operárias grávidas de 60 dias antes e 60 dias
depois do parto. Reivindicações que estavam longe de ser incorporadas pelos
partidos das classes dominantes.
Em 22 de julho de 1928, o Bloco
Operário e Camponês (BOC) criou o Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras.
Brandão afirmou que esta foi “a primeira associação de massas femininas surgida
no Brasil, sob a influência do PCB”. Estranhamente, ele diz que seus fundadores
foram Minervino de Oliveira, Octávio Brandão, Joaquim Nepomuceno... e Laura
Brandão.
Apesar do “vício de origem”,
além de Laura, podemos constatar a presença de mulheres como Isaura Casemiro
Nepomuceno, Rosa Bittencourt, Erecina Borges de Lacerda, Sylvia Carini,
Margarida Pereira e Maria Lopes. Conhecemos todos esses nomes porque na
apuração dos votos da eleição para intendentes (vereadores) do Rio de Janeiro,
em novembro de 1928, todas elas foram presas e conduzidas à Polícia Central –
os jornais deram grande destaque na época.
Entre seus objetivos do Comitê
Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras estavam: a conquista de um maior número de
aderentes entre “as operárias, as domésticas, as mulheres que vivem do próprio
trabalho”; a luta pelo sufrágio feminino e para colocar no Parlamento “mulheres
pobres que saibam defender os interesses das mulheres trabalhadoras de todo o
Brasil”. As mulheres tiveram uma participação destacada no processo eleitoral,
embora não pudessem ser eleitoras ou candidatas.
Os vereadores comunistas,
eleitos pelo BOC, Octávio Brandão e Minervino de Oliveira, se destacariam na
defesa dos interesses femininos. Ao lado do Comitê das Mulheres trabalhadoras,
se colocaram na linha de frente em apoio às telefonistas da Light, ameaçadas
pela introdução de telefones automáticos que dispensam as funcionárias.
Uma representante desse comitê,
Maria Lopes, faria parte da direção do BOC. Contudo, a única referência
biográfica que Brandão nos dá é que ela era “esposa do operário metalúrgico
José Vicente Lopes”. Possivelmente, seja a mesma Maria Lopes, conhecida líder
operária nos primeiros anos do século XX. Em 1906 este nome aparece assinando
um manifesto às trabalhadoras de São Paulo, publicado no jornal anarquista A
Terra Livre, no qual são denunciadas as péssimas condições de trabalho das operárias
têxteis.
Após a eleição, a organização
mudaria o nome passando a se chamar Comitê das Mulheres Trabalhadoras, perdendo
assim o seu caráter fundamentalmente eleitoral. “O Comitê das Mulheres
Trabalhadoras, nas palavras de Brandão, fez trabalho importante nas portas das
fábricas e oficinas, nos bairros operários e subúrbios pobres. Pela primeira
vez no Brasil, em 1928, em nome do Bloco Operário e Camponês, simples mulheres
do povo fizeram discursos aos operários, chamando-os à organização e à luta.
Entre elas, Maria Lopes e Isaura Nepomuceno”. Lembramos apenas que as mulheres
já haviam se destacado, inclusive, como oradoras, em várias manifestações
operárias nas duas primeiras décadas daquele século.
Criaram-se Comitês de Mulheres
no Rio de Janeiro e em Niterói – pretendendo que se espalhassem por outros
recantos do país. Estas entidades pioneiras se envolveram numa campanha para
criar comitês femininos, especialmente nas fábricas têxteis, e estiveram por
trás da formação da sessão feminina da Confederação Geral dos Trabalhadores
(CGT), criada em 1929. Essas pioneiras tiveram de vencer enormes dificuldades,
bem maiores que as enfrentadas pelos homens.
A mesma repressão da qual foi
vítima o BOC – e os sindicatos comunistas – se abateu sobre o Comitê das
Mulheres Trabalhadoras. Um relatório feito um ano após sua fundação nos dá
conta de que a sede da entidade foi invadida três vezes e várias de suas militantes
presas e humilhadas.
Em fevereiro de 1930, alguns
meses antes da revolução, uma circular do Comitê Central pede para que durante
a mobilização do 8 de março de 1930 se levantem as reivindicações “imediatas e
especiais” das mulheres: salário igual para trabalho igual; dia de 6 horas;
repouso pago dois meses antes e dois meses depois do parto; proteção ao
trabalho feminino; creches junto aos locais de trabalho; licença para amamentar
os filhos de meia hora, cada três horas; direito de voto e direitos de família
iguais ao dos homens. Conclama a “aproveitar toda a agitação para chamar às
fileiras do Partido, da Juventude e de suas organizações auxiliares, as
companheiras que melhor se revelarem”.
Mas, quantas mulheres existiam
no Partido Comunista do Brasil naqueles primeiros anos? Uma carta do
responsável pelo trabalho de mulheres do Comitê Central endereçada às camaradas
da Sessão Feminina da Comissão Executiva da Internacional Comunista, assinada
simplesmente por Francisco, dá conta de que existiriam 20 mulheres filiadas ao
Partido até 31 de agosto de 1929.
Possivelmente esse número se
refira apenas ao Rio de Janeiro, pois no começo da referida carta, Francisco
diz: “limitamo-nos, por enquanto, a vos informar o trabalho realizado na região
do Rio de Janeiro, fornecendo-vos um relatório mais minucioso, logo que nos
chegue às mãos dados sobre as outras regiões”. Em novembro, o Comitê Central,
reatualizando os dados, afirma existir 50 mulheres. Segundo ele, isso
representaria menos de 3% do total de militantes. Assim, podemos constatar o
quanto era pequena a participação feminina no interior do Partido Comunista
naqueles primeiros anos.
Mesmo os Comitês das Mulheres,
que eram para ser entidades de massa, tinham dificuldades em agregar novas
aderentes. O Comitê de Niterói tinha 60 membros, a maioria delas têxteis.
Existia um comitê na cidade de Caruaru (PE) com 73 filiadas. Apesar de
limitada, podemos dizer que esta foi a principal iniciativa visando a organizar
as mulheres, especialmente as mulheres trabalhadoras, até aquele momento.
Em 28 de setembro de 1929 uma
nova carta, assinada por Francisco, endereçada à Seção Feminina da IC, afirmava
que “não havia nenhuma mulher no CC, pois ao tempo da escolha deste, no 2º
Congresso, não existiam mulheres dentro do Partido”. Com certeza, estava se
referindo ao 3º Congresso, realizado entre dezembro de 1928 e janeiro de 1929,
que elegeu aquele Comitê Central. Deste, como dos anteriores, não havia
participado nenhuma delegada. Tudo indica que, ao contrário do que afirmava o
dirigente comunista, já existiam algumas mulheres militando nas bases
partidárias.
Numa ata de reunião do Comitê
Central Restrito – datada de 24 de novembro de 1929 –, Oswaldo, da comissão de
trabalho entre as mulheres, fala da existência da camarada Elsa, que atuava na
frente do trabalho feminino e teria muitas tarefas. Ela deveria ser uma das
participantes daquela reunião, mas ausentou-se dando uma justificativa. Ficamos
sem saber se era uma convidada da reunião ou membro efetivo do CC.
Para continuar a ler a matéria,
clicar Fundação
Maurício Grabois
* Augusto Buonicore é
historiador e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois, autor do livro
Marxismo, história e revolução burguesa: encontros e desencontros.
** Fernando Garcia é
historiador e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM) da
Fundação Maurício Grabois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário