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segunda-feira, 11 de junho de 2012

As mulheres e os noventa anos do comunismo no Brasil - Primeira parte


Por Augusto Buonicore* e Fernando Garcia**

O subtítulo dado por Maria Elena Bernardes à biografia da comunista Laura Brandão foi “a invisibilidade na política”. De fato, existe uma dívida da historiografia brasileira em relação à história da participação das mulheres nas lutas sociais em nosso país no século XX, especialmente sobre o papel desempenhado pelas militantes comunistas.
Neste livro somos informados sobre a primeira mulher que ingressou no Partido Comunista do Brasil, ainda no ano da sua fundação. Chamava-se Rosa de Bittencourt, “uma operária que desde os sete anos trabalhava numa fábrica de linhas, em Petrópolis, Rio de Janeiro, tornou-se uma combativa líder sindical, participou das lutas do Bloco Operário Camponês (BOC). Vendia o jornal A Classe Operária de porta em porta e gabava-se em declarar-se comunista. Em 1930, Rosa foi delegada no Congresso Mundial da Mulher, na URSS, onde representou a mulher trabalhadora brasileira”, afirmou Maria Elena. Esta referência foi encontrada numa anotação feita por Eloísa Prestes, a partir de informação prestada por Astrojildo Pereira, depositada no Arquivo Edgard Leuenroth – Unicamp.
A única comunista que conseguiu certo destaque na história brasileira foi Olga Benário (foto). Mesmo assim, num primeiro momento, foi mais conhecida como mulher do Cavaleiro da Esperança. Só posteriormente lhe foi dada a dimensão devida, enquanto liderança comunista e revolucionária. No Brasil, coube à biografia escrita por Fernando Moraes esse mérito. O livro Olga foi um sucesso de crítica e de público, conseguindo ir às telas brasileiras com o mesmo êxito. Contudo, ela não teve participação orgânica no interior do Partido Comunista do Brasil, então PCB.

As mulheres da primeira geração comunista
Embora fossem sub-representadas nas direções das organizações operárias – quer socialista quer anarquista –, as mulheres não foram elementos passivos diante da exploração e opressão patronal. Inúmeras e importantes greves operárias tiveram as mulheres como protagonistas. A de 1917 em São Paulo, por exemplo, começou no Cotonifício Crespi, onde a mão de obra era predominantemente feminina. Um dos símbolos mais fortes daquele movimento foi, justamente, a foto de uma mulher discursando numa das assembleias plebiscitárias ocorridas durante aqueles dias turbulentos. Um jornal paulista comentaria indignado: “Os agitadores tomaram conta do Brás, paralisando toda vida comercial e industrial, assaltando veículos (...). Um bando de mocinhas, infelizes operárias de fábricas, tomou conta de três bondes”.
Contudo, entre os 9 delegados que fundaram o PC do Brasil – e os seus 73 membros iniciais – não existia nenhuma mulher. Os dois congressos seguintes também não conheceriam a participação feminina. Este fenômeno, é claro, não se restringia aos comunistas, era um problema crônico das organizações sociais e políticas brasileiras daquela época. No Brasil as mulheres não tinham direito ao voto e eram desprovidas de vários direitos civis.
A primeira comunista a ter certa projeção – embora alguns afirmem que nunca tenha se filiado ao PCB – foi Laura Brandão (foto). Poetisa, conhecida nos salões literários da antiga capital da República. Como seu companheiro, Octavio Brandão, ela também passou pelas fileiras do anarquismo. Mais tarde, colaborou na criação e na redação do jornal A Classe Operária, órgão oficial do PC do Brasil. Ela gostava de dizer que tinha quatro filhas: “Sáttva, Vólia, Dionysa e A Classe Operária”. Envolveu-se no apoio a várias greves operárias e nas campanhas eleitorais dos comunistas. Exilada com toda a família depois da Revolução de 1930, foi locutora da Rádio Moscou e acabou morrendo na URSS durante a ocupação alemã àquele país.
No Programa mínimo apresentado pelo Bloco Operário – frente de esquerda criada pelos comunistas em janeiro de 1927 – constava: implantação do voto feminino, proteção efetiva às mulheres operárias, licença remunerada às operárias grávidas de 60 dias antes e 60 dias depois do parto. Reivindicações que estavam longe de ser incorporadas pelos partidos das classes dominantes.
Em 22 de julho de 1928, o Bloco Operário e Camponês (BOC) criou o Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras. Brandão afirmou que esta foi “a primeira associação de massas femininas surgida no Brasil, sob a influência do PCB”. Estranhamente, ele diz que seus fundadores foram Minervino de Oliveira, Octávio Brandão, Joaquim Nepomuceno... e Laura Brandão.
Apesar do “vício de origem”, além de Laura, podemos constatar a presença de mulheres como Isaura Casemiro Nepomuceno, Rosa Bittencourt, Erecina Borges de Lacerda, Sylvia Carini, Margarida Pereira e Maria Lopes. Conhecemos todos esses nomes porque na apuração dos votos da eleição para intendentes (vereadores) do Rio de Janeiro, em novembro de 1928, todas elas foram presas e conduzidas à Polícia Central – os jornais deram grande destaque na época.
Entre seus objetivos do Comitê Eleitoral das Mulheres Trabalhadoras estavam: a conquista de um maior número de aderentes entre “as operárias, as domésticas, as mulheres que vivem do próprio trabalho”; a luta pelo sufrágio feminino e para colocar no Parlamento “mulheres pobres que saibam defender os interesses das mulheres trabalhadoras de todo o Brasil”. As mulheres tiveram uma participação destacada no processo eleitoral, embora não pudessem ser eleitoras ou candidatas.
Os vereadores comunistas, eleitos pelo BOC, Octávio Brandão e Minervino de Oliveira, se destacariam na defesa dos interesses femininos. Ao lado do Comitê das Mulheres trabalhadoras, se colocaram na linha de frente em apoio às telefonistas da Light, ameaçadas pela introdução de telefones automáticos que dispensam as funcionárias.
Uma representante desse comitê, Maria Lopes, faria parte da direção do BOC. Contudo, a única referência biográfica que Brandão nos dá é que ela era “esposa do operário metalúrgico José Vicente Lopes”. Possivelmente, seja a mesma Maria Lopes, conhecida líder operária nos primeiros anos do século XX. Em 1906 este nome aparece assinando um manifesto às trabalhadoras de São Paulo, publicado no jornal anarquista A Terra Livre, no qual são denunciadas as péssimas condições de trabalho das operárias têxteis.
Após a eleição, a organização mudaria o nome passando a se chamar Comitê das Mulheres Trabalhadoras, perdendo assim o seu caráter fundamentalmente eleitoral. “O Comitê das Mulheres Trabalhadoras, nas palavras de Brandão, fez trabalho importante nas portas das fábricas e oficinas, nos bairros operários e subúrbios pobres. Pela primeira vez no Brasil, em 1928, em nome do Bloco Operário e Camponês, simples mulheres do povo fizeram discursos aos operários, chamando-os à organização e à luta. Entre elas, Maria Lopes e Isaura Nepomuceno”. Lembramos apenas que as mulheres já haviam se destacado, inclusive, como oradoras, em várias manifestações operárias nas duas primeiras décadas daquele século.
Criaram-se Comitês de Mulheres no Rio de Janeiro e em Niterói – pretendendo que se espalhassem por outros recantos do país. Estas entidades pioneiras se envolveram numa campanha para criar comitês femininos, especialmente nas fábricas têxteis, e estiveram por trás da formação da sessão feminina da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), criada em 1929. Essas pioneiras tiveram de vencer enormes dificuldades, bem maiores que as enfrentadas pelos homens.
A mesma repressão da qual foi vítima o BOC – e os sindicatos comunistas – se abateu sobre o Comitê das Mulheres Trabalhadoras. Um relatório feito um ano após sua fundação nos dá conta de que a sede da entidade foi invadida três vezes e várias de suas militantes presas e humilhadas.
Em fevereiro de 1930, alguns meses antes da revolução, uma circular do Comitê Central pede para que durante a mobilização do 8 de março de 1930 se levantem as reivindicações “imediatas e especiais” das mulheres: salário igual para trabalho igual; dia de 6 horas; repouso pago dois meses antes e dois meses depois do parto; proteção ao trabalho feminino; creches junto aos locais de trabalho; licença para amamentar os filhos de meia hora, cada três horas; direito de voto e direitos de família iguais ao dos homens. Conclama a “aproveitar toda a agitação para chamar às fileiras do Partido, da Juventude e de suas organizações auxiliares, as companheiras que melhor se revelarem”.
Mas, quantas mulheres existiam no Partido Comunista do Brasil naqueles primeiros anos? Uma carta do responsável pelo trabalho de mulheres do Comitê Central endereçada às camaradas da Sessão Feminina da Comissão Executiva da Internacional Comunista, assinada simplesmente por Francisco, dá conta de que existiriam 20 mulheres filiadas ao Partido até 31 de agosto de 1929.
Possivelmente esse número se refira apenas ao Rio de Janeiro, pois no começo da referida carta, Francisco diz: “limitamo-nos, por enquanto, a vos informar o trabalho realizado na região do Rio de Janeiro, fornecendo-vos um relatório mais minucioso, logo que nos chegue às mãos dados sobre as outras regiões”. Em novembro, o Comitê Central, reatualizando os dados, afirma existir 50 mulheres. Segundo ele, isso representaria menos de 3% do total de militantes. Assim, podemos constatar o quanto era pequena a participação feminina no interior do Partido Comunista naqueles primeiros anos.
Mesmo os Comitês das Mulheres, que eram para ser entidades de massa, tinham dificuldades em agregar novas aderentes. O Comitê de Niterói tinha 60 membros, a maioria delas têxteis. Existia um comitê na cidade de Caruaru (PE) com 73 filiadas. Apesar de limitada, podemos dizer que esta foi a principal iniciativa visando a organizar as mulheres, especialmente as mulheres trabalhadoras, até aquele momento.
Em 28 de setembro de 1929 uma nova carta, assinada por Francisco, endereçada à Seção Feminina da IC, afirmava que “não havia nenhuma mulher no CC, pois ao tempo da escolha deste, no 2º Congresso, não existiam mulheres dentro do Partido”. Com certeza, estava se referindo ao 3º Congresso, realizado entre dezembro de 1928 e janeiro de 1929, que elegeu aquele Comitê Central. Deste, como dos anteriores, não havia participado nenhuma delegada. Tudo indica que, ao contrário do que afirmava o dirigente comunista, já existiam algumas mulheres militando nas bases partidárias.
Numa ata de reunião do Comitê Central Restrito – datada de 24 de novembro de 1929 –, Oswaldo, da comissão de trabalho entre as mulheres, fala da existência da camarada Elsa, que atuava na frente do trabalho feminino e teria muitas tarefas. Ela deveria ser uma das participantes daquela reunião, mas ausentou-se dando uma justificativa. Ficamos sem saber se era uma convidada da reunião ou membro efetivo do CC.

Para continuar a ler a matéria, clicar Fundação Maurício Grabois
* Augusto Buonicore é historiador e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois, autor do livro Marxismo, história e revolução burguesa: encontros e desencontros.
** Fernando Garcia é historiador e responsável pelo Centro de Documentação e Memória (CDM) da Fundação Maurício Grabois.

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