Pelega?
Vinculada à CUT, associação
insiste em uma negociação da qual o governo já abandonou a mesa.
Andréia Bahia
Nos oito anos dos governos
Fernando Henrique Cardoso (1995–2002) os professores das universidades federais
fizeram oito greves. Uma a cada ano. Durante os governos Lula da Silva
(2003–2010), o Andes — hoje Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de
Ensino Superior e, na época, Associação Nacional dos Docentes do Ensino
Superior — organizou apenas uma paralisação nacional, em 2005. Na época, o
governo fez um acordo com a categoria, comprometendo-se a dar um aumento de
salário em três etapas, de 2006 a 2010. A partir de 2010, os docentes começaram
a discutir com o governo a necessidade de outro reajuste que viria recompor a
perda salarial de 16,3% do período. Essa negociação não foi cumprida, o que
levou a categoria a deflagrar a greve que teve início em 17 de maio.
A paralisação de 2005 provocou
a cisão do movimento sindical dos docentes federais. Na era Lula, os
professores ligados ao PT e ao governo petista passaram a ser contra o
movimento grevista como forma de luta. Optaram por não fazer uma oposição
frontal, considerando que o governo petista era, de qualquer forma, melhor que
o tucano. Foram voto vencido dentro do Andes, que defendeu uma posição de
autonomia em relação ao governo Lula. Os governistas decidiram, então, fundar o
Sindicato dos Professores do Ensino Superior Público Federal (Proifes), uma
entidade que nasceu no seio do próprio governo Lula. “O então ministro da
Educação, Tarso Genro, catapultou o grupo à mesa de negociações com o governo
antes mesmo de ele ser um sindicato”, lembra a presidente do Andes, Marina
Barbosa, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora.
A criação dessa segunda
representação sindical da categoria é fruto da cooptação dos movimentos
sindicais feita pelo governo Lula, avalia o professor Fernando Lacerda, da
Universidade Federal de Goiás (UFG). O ponto alto dessa cooptação foi a
indicação do presidente da CUT, Luiz Marinho, para titular do Ministério do
Trabalho, em 2005. “Os sindicatos ligados à CUT se tornaram correia de
transmissão do governo”, afirma o professor. A entidade deixou de agir com base
no interesse dos servidores públicos federais, mas avaliando apenas o desgaste
que as manifestações causariam ao governo petista.
Quem não concordava com essa
atitude pelega da CUT se uniu em outras entidades. “Houve várias rupturas
dentro dos movimentos sociais, na UNE, CUT, MST”, conta Lacerda. No caso dos
professores das universidades federais, foram os governistas, que vinham
perdendo eleições recorrentes, que saíram e criaram o Proifes. Segundo a presidente
do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg
Sindicato), Rosana Maria Ribeiro Borges, o Proifes surge a partir de um grupo
que “avaliou, na época, que a greve traz poucos ganhos e muitas perdas e só
atinge a graduação.”
O professor Cláudio Maia, do
Câmpus de Catalão, discorda. “Na história da categoria, grande parte das
conquistas, inclusive a preservação a universidade pública, se deu pela greve.”
Ele observa que há cinco anos as universidades federais não param. A Adufg é filiada
ao Proifes, apesar de, oficialmente, continuar vinculada ao Andes. “Tem uma
ligação orgânica com o PT e PCdoB”, afirma Lacerda. E leva esse vínculo
umbilical à mesa que negocia o futuro da categoria.
Para o professor Maurício Alves
da Silva, vice-presidente regional do Andes Planalto, cuja sede é em Goiânia, o
grupo que criou a segunda entidade o fez somente porque perdeu a eleição
interna. “E tudo indica que foi criado dentro do governo com uma proposta
alinhada ao governo.” Não há dúvidas de que o Proifes tem ligação profunda com
o PT e com o governo petista. Muitas dos professores que ocuparam cargos no
governo Lula compõem a direção nacional do Proifes. “Um exemplo é o professor
Gil Vicente, que ofereceu assessoria ao MEC para formular o novo plano de
carreira”, conta Fernando Lacerda. Além disso, o Proifes é filiado à CUT,
principal braço do governo no movimento sindical.
O último acordo assinado entre
a categoria e o governo, em 2010, já não foi acatado pelo Andes, que é
vinculado à CSP-Conlutas — Central Sindical e Popular. Mas a cisão não
enfraqueceu o Andes. A greve nacional que a entidade convocou, em 17 de maio,
teve a adesão imediata de 33 unidades e 47 das 63 universidades federais já
aderiram à paralisação. Até a Universidade Federal da Bahia, que é filiada ao
Proifes, se uniu ao movimento grevista. Em nota, os professores baianos
afirmaram que a direção do sindicato (Proifes) é “conciliadora e governista”.
A filiação da Adufg ao Proifes
é criticada por professores da universidade goiana. “Em uma reunião esvaziada,
a direção decidiu sair do Andes e se filiar ao Proifes, que é atrelado aos
interesses do governo”, conta a professora do Faculdade de Educação da UFG
Lucinéia Scremin Martins. Mas diferente da UFBA, a Adufg acompanhou a decisão
do sindicato nacional — visto como “pelego” — e não aderiu à greve. A decisão
provocou uma cisão no movimento sindical goiano. Os professores que são a favor
da paralisação se uniram no Fórum de Mobilização dos Professores da UFG,
“criado pelos professores descontentes com a representação sindical”, diz
Lucinéia.
Na avaliação desses
professores, a Adufg se nega a mobilizar a categoria e deixa os professores
desinformados sobre o debate. Lucinéia conta que os informativos da entidade
divulgam campanha da gripe ao invés de discutir a condição do professor. “A
massificação e precarização do ensino superior, o Reune (Programa de Apoio a
Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), e a
equiparação do salário com o Ministério de Ciência e Tecnologia não são temas
sobre os quais a Adufg nos informa”, diz a professora.
Na segunda-feira, 28, cerca de
50 professores do fórum se reuniram para discutir a situação da universidade em
Goiás, onde duas unidades, as de Catalão e Jataí, aderiram à greve. A reunião
foi uma preparação para a assembleia da Adufg, marcada para 6 de junho, na qual
será votado um indicativo de greve. O fórum reclama que o acordo assinado em
2011, que previa um reajuste de 4% a partir de março de 2012, foi cumprido
somente após o indicativo de greve, do dia 17 de maio, por meio de medida
provisória editada pelo governo federal, uma vez que o projeto de
reestruturação da carreira, que proporia aumento salarial efetivo e atendimento
da data-base anual, não foi concluído dentro do prazo previsto.
O governo abriu negociação com
os professores para discutir a reestruturação da carreira do docente federal em
agosto de 2010. O prazo para apresentação de uma proposta final era março deste
ano, mas nada foi apresentado. “O governo não quer negociar, está embromando, e
a Adufg insiste em negociar com o governo”, critica Lucinéia Scremin Martins.
A categoria diz acumular uma
perda de 16% de 2009 a julho de 2011, de acordo com os cálculos do Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Com o aumento
de 4% mais a incorporação das gratificações, o menor salário de um professor
universitário federal, sem nenhum titulo de pós-graduação - doutorado, mestrado
ou qualquer especialização - com uma jornada de 40 horas é de R$ 2.872,85. Um
professor com dedicação exclusiva e título de doutorado recebe um mínimo
superior a R$ 7 mil, segundo o MEC. Para
comparação, um promotor de Justiça e um juiz, em início de carreira, recebem R$
19.643,95.
Os professores do fórum não
querem discutir apenas o salário. Eles não aceitam a mudança no regime de
recebimento de abono de insalubridade e periculosidade. Especificamente, o
fórum rejeita seis propostas da minuta do projeto apresentada pelo Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG): sobre o ingresso na carreira,
todos passam a ingressar como auxiliar, independente da titulação, o que
significa no mínimo 24 anos para alcançar o topo da carreira; quanto à
progressão, será por meio de avaliação por desempenho regulamentada pelo MEC,
desconsiderando a avaliação institucional e desrespeitando a autonomia
universitária; em relação à aposentadoria, os professores já aposentados foram
prejudicados, pois não há previsão de enquadramento na nova carreira; a
remuneração passara a ser feita em duas linhas, vencimento básico e remuneração
por titulação; manutenção da classe de titular separada do restante da
estrutura da carreira, o que significa prejuízos na aposentadoria e manutenção
de uma dupla carreira; e a criação da remuneração por projetos de pesquisa,
extensão e especialização administrados por órgãos das reitorias, o que fere
autonomia docente no desenvolvimento de projetos.
Na opinião os professores do
fórum, segundo uma carta endereçada aos docentes, a abertura de negociação “tem
se revelado como uma estratégia de protelar a questão, desmobilizar os
professores e definir de cima a baixo uma proposta de carreira que sela a precarização
do trabalho docente por meio de mecanismos mercantis e gerencialistas de
organização das atividades acadêmicas, da estrutura da carreira e da malha
salarial dos professores das IFES”.
A presidente da Adufg, Rosana
Maria Ribeiro Borges, concorda que as medidas propostas pelo governo prejudicam
os professores, mas considera que seria precipitado entrar em greve antes de
concluída a mesa de negociação, que segundo ela, atrasou devido à morte do
secretário de Recursos Humanos do MPOG, Duvanier Paiva Ferreira, em janeiro
deste ano. As entidades que faziam parte da mesa de negociação, Andes, Proifes
e Sinasefe, concordaram em prorrogar a data de 30 de março para 31 de maio. Mas
até mesmo a Adfug foi surpreendida com a mudança na forma de pagamento da insalubridade
e periculosidade, feita pelo governo por meio de medida provisória na primeira
semana de maio.
Com a mudança, o pagamento do
adicional que era feito com base nos porcentuais de 5%, 10% e 20% do salário
básico do professor, passou a ser pago em valores fixos de R$ 100, R$ 180 e R$
260. “Isso significa redução salarial e não foi discutido com a categoria”,
afirma a presidente da Adfug. Ela critica também as perdas que o professor terá
com a reforma da Previdência. Os que se aposentaram 2004 já deixaram de receber
salário integral e os que se aposentarem a partir de 2012 vão receber o teto da
previdência geral da iniciativa privada, R$ 3.916,20. “Para piorar a situação,
com a greve, o governo cancelou a ultima reunião da mesa de negociação, marcada
para 28 de maio, e suspendeu as negociações”, conta Rosana. Segundo ela, o
Proifes vai discutir a possibilidade de deflagrar greve agora em junho e há
também um indicativo de greve dos servidores públicos federais.
Em carta aos professores, de 29
de maio, a Adufg esclarece que, na assembleia de 16 de maio, os professores
aprovaram a convocação de uma nova plenária para o dia 6 de junho, para
apreciar um indicativo de greve a partir do dia 11. Diante do cancelamento da
reunião do grupo de trabalho que trata da reestruturação da carreira do
docente, que ocorreria no dia 28, a Adufg concluiu que “no pano de fundo do
cancelamento está a posição do governo de não negociar com categorias em greve.
Um duro golpe nas entidades que compunham a mesa de negociação e na democracia,
já que o movimento de greve é, constitucionalmente, legítimo e legal”. Segundo
a carta, se o cenário não mudasse, “indicaria um rompimento do GT por parte do
governo”.
É provável, portanto, que a
Adufg abandone a orientação do sindicato governista e entre em greve a partir
de 11 de junho. A paralisação deve ser
longa. Os professores estão se preparando para uma greve de no mínimo quatro
meses.
Fonte: Jornal
Opção
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