Agentes afirmam que esquadrões de morte são organizados por policiais de “patente alta” e há envolvimento de políticos
Por Igor Carvalho
na Revista Fórum
23 de julho de 2013
Dois policiais militares foram
convidados a participar de grupos de extermínio que se organizam dentro da
Polícia Militar do Estado de São Paulo. Ao recusar o convite, passaram a ser
perseguidos dentro da corporação. P1 e P2, como serão chamados nessa matéria,
estão ameaçados de morte, sofrem com escalas desumanas de trabalho e seguem
isolados dos demais companheiros.
P1 e P2 aceitaram falar, sob
condição de anonimato, com Fórum. Foram necessários três encontros sem qualquer
entrevista gravada, apenas negociando. Somente na quarta reunião, em um local
reservado, no interior de São Paulo, os agentes decidiram falar. Foram mais de
três horas de entrevista, com acusações que revelam uma estrutura corrompida e
precária da Polícia Militar.Os agentes afirmam que os oficiais de “patente
alta” são responsáveis pela imagem ruim da corporação. Para P1 e P2, a
perseguição a cabos, soldados e sargentos é equivocada. Os assassinatos feitos por encomenda e o
envolvimento com comerciantes, para prestação de serviços de segurança, tem
aval de policiais de alta patente. “A coisa é grande, é gente grande, tem
político envolvido no meio.”
Os números mostram que ações
violentas fazem parte do cotidiano das polícias paulistas. De 2001 até 2011,
policiais em serviço ou em folga foram responsáveis pela morte de 6.809
pessoas, no estado de São Paulo. A cifra é quase o dobro do total de civis
mortos por agentes americanos em todos os estados dos EUA no mesmo período. Os
índices fizeram com que, em maio de 2012, o Conselho de Direitos Humanos da ONU
sugerisse ao Brasil a extinção da Polícia Militar.
Em 2012, 547 pessoas foram
assassinadas em confronto com a Polícia Militar no estado de São Paulo. Os
casos são registrados com o “auto de resistência seguida de morte”. “Está tão
na cara que não é verdade, que não tem mais quem acredite. Se os oficiais
inventarem esse teatro para se proteger nada acontece”, afirma P2, sobre os
autos. Além dos números oficiais, há uma quantidade grande de homicídios que
também podem ser responsabilidade degrupos de extermínio.
Confira a entrevista abaixo:
Existe grupo de extermínio
dentro da PM, no estado de São Paulo?
P1 - Sim, existe.
Como operam esses grupos?
P1 - Como posso falar? Existem
vários interesses que vem desse pessoal, dos comandantes, de querer algo em
troca. É muita autoridade que dão para eles. Ou seja, ele comanda uma área,
essa área é subordinada a ele, que é o chefe, passa atribuições, passa tais
serviços e coloca você para trabalhar para outras pessoas. É ele que vê para
onde a viatura vai ter que se deslocar, quem vê em quais comércios as viaturas
vão ficar. Se você for contra os ideais do comando, é colocado em um pelotão em
que vai ter que fazer alguns serviços desumanos, questão de horas de serviço, a
sua escala vai ser pior, é um jogo mental. As pessoas que fazem o que eles
[comandantes] querem, tem melhor escala, se tornam protegidos.
Fazer o que eles querem, é
participar de grupos de extermínio?
P1- Isso. Se for o caso, se for
chamado para isso. Se você vê alguma coisa e delatar, sua família e você vão
correr risco também.P2 - O que você quer saber é o seguinte: Tudo começa com os
oficiais, não com a gente aqui embaixo. São oficiais, grandões. Quem comanda
isso é gente de patente alta, todo mundo está enganado. Todo mundo só averigua
soldado, cabo, sargento e até um tenente, mas não é, é coronel, é capitão e
major. A coisa é grande, é gente grande, tem político envolvido no meio.
Que tipo de político está
envolvido no meio?
P2 - Você quer um exemplo? Na
minha unidade tem um sargento que é o capanga de um político, ele é o testa de
ferro dele. Esse cara se tornou o escalante na minha unidade, ele coloca a
viatura aonde quer. Se os caras vão fazer algum tipo de serviço sujo em
determinado local, ele tira a viatura dali e coloca em outro lugar.
“Se os caras”? Quem são os
“caras”?
P2 - Oficiais. Capitão e major.
Ou mesmo o político. Então, é isso que acontece, só gente grande. Se nós
fizermos algo, acabou pra gente, estamos numa situação de escravidão. Eu e o
colega [outro policial presente na entrevista] estamos numa situação de escravidão.
Estamos passando justamente o que você está perguntando, se a gente não
participa [grupos de extermínio], a gente não presta.
Vocês já participaram?
P2 - Não e não quero.
O que acontece com quem se
recusa a participar dos grupos de extermínio?
P2 - Sofre como estamos
sofrendo: tortura psicológica, escalas, eu fui trancado numa sala, fui trancado
por um sargento, porque estou afrontando um oficial, e ele é o braço direito
desse oficial.
Mas já te intimaram a
participar desses grupos?
P2 - Já. Você não tem noção do
que é isso aí, é uma máfia, pior do que o PCC. Você não tem noção do que é isso
aí por dentro.
Que tipos de interesses estão
por trás desses grupos?
P1 - Começa com uma coisa de
injustiça. Os policiais percebem que estão fazendo a coisa certa, mas os
bandidos estão sempre saindo pela porta da frente. Aí começa o seguinte, a
pessoa quer fazer justiça com a própria mão, aí a pessoa perde aquele ideal de
proteção à sociedade e passa a oferecer perigo. Tem o envolvimento com o
comércio, se torna um negócio, porque o cara tá precisando de um “serviço” e
falam “ah, tem um cara aí que faz”, aí o cara já matou 10, 12, 15, começa a se
tornar esse comércio de vidas.
Para continuar lendo a
entrevista, clicar Outras
Palavras
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