O destino do governo Dilma ou o das mobilizações, depois da greve geral de 11 de julho?
Valerio Arcary*
Ahora, ya de viejo, vuelvo a los primeros amores: me
encanta Lenin por su empirismo. Porque en el fondo ese empirismo es, en
relación al proceso histórico, lo más dialéctico que hay(...) Me adelanto a
decir, entonces, una comprobación metodológica: un sano empirismo, un sano
hálito empírico es lo más dialéctico que hay. Porque, de hecho, este sano
empirismo de Lenin es: "Dejemos que los hechos se produzcan, [que] las
revoluciones [se produzcan], y después hacemos las teorías". Y no como
creo que es más o menos el enfoque de Trotsky: "Hacemos teorías de cómo va
a ser una revolución para todo el siglo". (...)¿Qué quiere decir
"sano empirismo"? ¿Qué hubiera dicho Lenin? Lenin hubiera dicho:
"Soy medio empírico. ¿Por qué no vemos [qué pasa]?; después vemos, ajustamos
[la teoría] a la realidad; Y la realidad inmediata para [elaborar] política
inmediata; la realidad más general para [elaborar] teoría más general. Por eso
en el problema teórico siempre es un poco tardío. Lenin es uno de los últimos
en escribir sobre el imperialismo, pero después redondea [el tema]
Nahuel Moreno
Ao
contrário do que pensam aqueles que ainda oferecem o seu apoio crítico ao PT e
seu governo, o que está em disputa no Brasil, depois das Jornadas de Junho, não
é o destino do governo Dilma, mas o destino das mobilizações que nasceram do
mal estar social. O governo Dilma, dez anos depois da eleição de Lula em 2002,
não oferece razão alguma para qualquer dúvida. Não tem preocupação maior, senão
recuperar o mais rápido possível a estabilidade das instituições. O que mais
teme o governo é a amplitude da greve geral de 11 de julho. O que está em
disputa é qual será a dimensão da entrada da classe trabalhadora em cena. E
quais serão as repercussões da greve geral na consciência de milhões de jovens
que foram às ruas.
Alguns
intelectuais de esquerda, chocados pela presença de algo próximo a dois milhões
nas ruas, em revolta popular de massa radicalizada, ou seja, muito mais do que
protestos, se interrogam, perplexos, por quê? O que foi, talvez, mais perturbador
nas Jornadas de Junho, para aqueles que apoiam o governo de coalizão liderado
pelo PT, foi o repúdio indiferenciado a todos os governos, não distinguindo
Haddad ou Dilma, de Alckmin do PSDB, ou Sérgio Cabral do PMDB, entre outros.
Pela primeira vez, governos dirigidos pelo PT foram ridicularizados,
denunciados, escrachados nas ruas em manifestações de massas, numa escala
diferente de todas as que desfilaram nos últimos dez anos. A insolência, a
irreverência, e a fúria da juventude deixou a intelectualidade próxima ao
governo assombrada.
O
sentimento antipartidário que irrompeu nas ruas nas Jornadas de Junho é um
fenômeno complexo, portanto, como tudo que existe, contraditório. Atingiu,
impiedosamente, o PT. E, ainda que com menos intensidade, até os partidos que
se posicionam como oposição de esquerda aos governos do PT. Muitos na esquerda
se perguntaram se as massas juvenis não estariam sendo manipuladas pela direita
para desestabilizar o governo Dilma, e preparar a volta do PSDB e seus aliados
ao poder. A propaganda petista do “nunca antes na história deste país”, depois
de dez anos de repetição, fez estragos na consciência crítica da militância de
esquerda, especialmente, entre os ativistas do movimento da classe trabalhadora
organizada.
Admitir
que é contraditório, porém, não é suficiente. Qualquer análise tem o desafio de
compreender uma dinâmica. De onde vem? Para onde vai? Uma análise sólida não
tem compromisso senão com a compreensão da realidade. Análises não podem ser
instrumentais. Precisam ser o mais rigorosas possível. Que aqueles que saíram
às ruas não são reacionários é evidente.
Acontece
que o mais complexo modelo teórico sempre será imperfeito e insuficiente para
abarcar as muitas e imprevisíveis combinações históricas concretas. A teoria da
revolução está sempre em processo de atualização. O marxismo tinha previsto,
por exemplo, que o proletariado seria o sujeito social da revolução
anticapitalista. Em consequência tinha prognosticado que os países
industrializados de forma pioneira seriam o cenário das primeiras revoluções
socialistas vitoriosas. Entretanto, um dos paradoxos históricos mais perturbadores,
foi que os trabalhadores só tenham conquistado o poder num país central até
hoje, e ainda assim de forma efêmera, na França, durante os dias da Comuna de
Paris em 1871, no que poderíamos dizer que foi uma “contramão” da época
histórica, porque o capitalismo ainda estava longe de ter esgotado suas
possibilidades de desenvolvimento na escala internacional. E a maioria das
revoluções anticapitalistas vitoriosas tiveram como sujeitos sociais outras
classes. Somente na Rússia Czarista a classe trabalhadora foi o sujeito da
derrota do capital. Foi nestas circunstâncias que a teoria da revolução foi reelaborada
por Lenin e Trotsky.
É da
natureza da discussão teórica a produção de conceitos e ideias como
instrumentos de interpretação da realidade, o que supõe a necessidade das
comparações e as generalizações. Não se pode realizar trabalho teórico sem o
esforço de caracterizações e conceituações.
Na
análise da realidade, no entanto, é preciso muito cuidado para não deixarmos
nossas preferências teóricas nos cegarem. A teoria deve estar sempre em
processo de verificação. O autoengano é uma armadilha poderosa. Assim como o narcisismo
é uma doença infantil intelectual, o autoengano é uma doença infantil do
narcisismo. Que bom quando pensamos ver confirmadas nossas hipóteses!
A
construção de conhecimento sério, todavia, exige profunda humildade. Em outras
palavras, combater a superficialidade, as generalizações rápidas, portanto,
enxergar a situação concreta. Isso significa uma atitude crítica em relação às
nossas hipóteses, a disposição de corrigi-las, a percepção de que a realidade é
sempre mais surpreendente que os prognósticos que foram feitos, que o
conhecimento é uma construção coletiva, que a polêmica ajuda o esclarecimento,
que a luta de ideias deve ser feita com respeito pelas hipóteses e argumentos
contrários, e muito mais. Exige, portanto, teoria e método.
Ainda
que tenha se manifestado de forma explosiva nas ruas nas Jornadas de Junho, há
que recordar que irrupções de antipartidarismo já tinham vindo à tona várias
vezes nos últimos anos, e não pode ser considerado uma surpresa. O repúdio aos
partidos, que são desprezados como os instrumentos dos profissionais da
política não é novo. Tem uma dimensão positiva? Como tudo é relativo, é bom
lembrar que a ausência de direção é muito melhor que a presença de uma direção
burocrática. E superior, incomparavelmente mais avançado, que a liderança de
uma direção burguesa.
O
domínio dos monopólios sobre o regime democrático está na raiz da corrupção. E
a corrupção pessoal dos políticos profissionais está na raiz do ódio da
juventude. Esse processo de experiência, ainda que incompleto, porque
identifica mais o corrompido do que o corruptor, é progressivo. A luta contra a
corrupção, uma forma degenerada de controle político inerente ao capitalismo, é
uma luta progressiva.
Mas o
antipartidarismo tem, também, uma dimensão regressiva: a desconfiança de
qualquer instrumento de luta política pelo poder. A conclusão de que “os
partidos são todos iguais” é ligeira e ingênua. Para compreendermos o
apartidarismo, e o relativo apoliticismo, primeiro há que perceber que têm uma
dimensão internacional. São uma expressão da repulsa ao regime eleitoral
corrupto.
Mas a
ideia de que o “meu partido é o Brasil” e, portanto, que os partidos seriam,
não somente desnecessários, mas um obstáculo, é uma ideia de apelo simples,
porém, muito perigosa. O meu partido é o Brasil é uma forma de nacionalismo
apolítico, mas não é a antessala do fascismo, embora fascistas tenham se
aproveitado, conjunturalmente, do atraso na consciência que este grito de
guerra traduz.
Por
trás deste atraso, desta confusão, encontramos três ilusões. Primeiro, a ilusão
de que uma liderança individual incorruptível seria superior a lideranças
coletivas. Não surpreende, mas é muito grave, que a saída política mais popular
entre aqueles que foram às ruas em São Paulo, no dia 17 de junho, tenham sido
Joaquim Barbosa e Marina Silva. Ninguém, nem uma só pessoa, pode salvar o
Brasil. A busca de lideranças individuais salvadoras é uma fantasia apolítica.
O que nos remete ao pensamento mágico e à ilusão da liderança individual
incorruptível, indivíduos com capacidades, supostamente, fantásticas, a la Jânio Quadros, ou Fernando Collor. A luta de partidos, ou seja, instrumentos
coletivos de representação de interesses de classe, é incontornável nas
sociedades urbanas contemporâneas. Não deve existir mais lugar para caudilhos.
Vargas é o passado do Brasil capitalista ainda em transição para a
industrialização. À sua maneira, o lulismo, o caudilhismo carismático, foi uma
das consequências da degeneração do PT. Trocar um caudilho por outro seria
dramático, caminhar para trás.
Segundo
a ilusão de que existe uma solução técnica ideal para administrar a sociedade,
ou seja, a fantasia positivista da “ordem e progresso”. Como se não existissem
soluções técnicas as mais variadas, que respondem a diferentes interesses de
classe.
Terceiro,
e pior ainda, invertendo as relações entre causas e efeitos, a perigosa ilusão
de que o problema seria a corrupção dos partidos sobre o Estado, e não a
corrupção do capitalismo sobre os partidos.
O que
está em disputa, portanto, é a consciência de milhões que irão lutar no dia 11
de Julho. A CUT e o PT farão o que puderem para conter, desviar e bloquear o
caminho das mobilizações no dia seguinte. A tarefa da hora é abrir o caminho.
*Valério Arcary é historiador
formado pela PUC-SP, doutor em História Social pela USP, professor do CEFET-SP e dirigente
nacional do PSTU.
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