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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Vândalos são eles

André Forastieri
19/6/2013

Se dependesse das autoridades, protesto seria sempre ordeiro. Uma turminha bem comportada, carregando cartazes bem-feitinhos, dando voltas sem fim em algum lugar que não atrapalhe o trânsito ― num Sambódromo, ou quem sabe em um autódromo. Para participar, seria preciso se inscrever, apresentar RG, CPF, serviço militar quitado, Imposto de Renda, atestado de bom comportamento, e não ter antecedentes criminais. Vamos ser bem claros: protesto pacífico não serve pra muita coisa. A polícia não bate. A imprensa não dá espaço. Os governantes não dão bola. Protesto não é pra ser pacífico. Protesto é pra incomodar. Protesto é para questionar a ordem. Nada questiona tão bem quanto um soco, um incêndio, uma pedrada na vidraça.

Em protestos como vêm acontecendo no Brasil, uma minoria bem ínfima é que está quebrando, e agora saqueando. É essa minoria que ocupa muito espaço na cobertura televisiva. Por uma ótima razão: rende boa TV. Televisão é imagem, e imagem de gente brigando, correndo, botando fogo e enfrentando a polícia é mais emocionante que imagem de gente caminhando calmamente (por isso é que tem tanto seriado policial, e nenhum sobre gente que gosta de caminhar). E essa minoria aumenta muito o poder de fogo do conjunto dos manifestantes ― queiram os pacifistas do movimento ou não.

Vamos separar, por um minuto, as depredações dos saques. Vimos grupos, e não tão ínfimos assim, que se dedicaram a apedrejar, pichar, quebrar as frentes da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o Palácio dos Bandeirantes e a prefeitura em São Paulo, e outros prédios públicos. São alvos absolutamente legítimos. A massa dos manifestantes, e praticamente todo mundo que acompanha o movimento, identifica governadores, prefeitos e a classe política como parte do problema, não da solução. São, nesse sentido, o inimigo. Estão sempre protegidos pela polícia, porque sabem que são alvos, e que merecem serem alvos. No limite, o governo sai matando de um lado, e os revoltosos saem matando do outro ― vide Síria.

Vamos seguir o mesmo raciocínio. Vimos outros alvos ontem, não-públicos. Quebraram agências de bancos. Os bancos são amigos ou inimigos da população? Quebraram McDonald's. De que lado você colocaria a rede de fast-food? Não deixaram Caco Barcellos trabalhar, botaram fogo em um carro da reportagem da TV Record. De que lado você põe a mídia, a seu lado ou contra você? A decisão é de cada um, e de cada um que está nos protestos. Uns são muito radicais, outros muito moderados. Quem decidir ir pro pau, vai sabendo que pode levar porrada e talvez, ir para a cadeia.

Nos últimos dias, ficou mais complicado decidir a quem você se opõe. Agora toda a imprensa está simpática (se bem que cobrindo muitíssimo mal, em geral), a PM está bem contida, os políticos aplaudem, tá todo mundo vendo "beleza" nos protestos, como disse o governador do Rio. Da boca pra fora, claro ― ninguém se mexeu um milímetro para atender as reivindicações dos manifestantes, pelo menos nas grandes cidades. Mas o bloco do "a favor" está crescendo, inchando até. Virou obrigação aplaudir. Todos os famosos apoiam, e se os famosos apoiam deve ser boa coisa, né?

Mas todo esse a favor para quando começa o pau. Todos aplaudem os protestos, e todos são unânimes em satanizar os baderneiros, os infiltrados, os vândalos. E mais ainda os que roubam. Saquear lojas atravessa uma fronteira muito importante. Na linha acima, é fácil entender porque alguns manifestantes muito radicalizados veem esses grandes magazines como templos do consumo, símbolos do capitalismo, e, portanto alvos válidos. Mas na hora que você sai correndo com uma TV, um celular ou um micro-ondas, que vai levar pra sua casa e usufruir, passa a ser visto como um ladrão comum.

Em um contexto de desobediência civil, é estratégia sólida dar um chega-pra-lá nas regras cotidianas do consumo, e dar uma banana para a lei. Na época da ditadura militar, guerrilheiros roubavam bancos e ricaços e, com o dinheiro, financiavam ações contra o regime. Não era roubo, era "expropriação", diziam. A presidente da república, Dilma Rousseff, colaborou em ações do gênero. Vi um senador na televisão dizendo que manifestações violentas são incompatíveis com o regime democrático. Os militares também garantiam que vivíamos em uma democracia nos anos 70. Democracia não é o que senador diz, é o que o povo sente.

(...) O Brasil não vive um cenário de transformação radical. Mas nosso País é muito violento, o tempo todo, e particularmente com os mais pobres. Violência do crime, e violência do Estado, que nos leva o dinheiro e nos dá tão pouco em troca. Não se trata de defender quem depreda e saqueia. Trata-se de ter consciência de que nossa paz é diariamente quebrada, que muitas empresas depredam o País cotidianamente, e que o poder público não nos protege. Donde que é ser muito ingênuo achar que todo protesto vai ser sempre pacífico e polido. É fácil pra classe média alta boazinha, que vive em condomínio, paga seguro saúde e escola, põe insulfilm no carro e depende muito menos do Estado, cobrar que todo mundo se comporte...

É preciso, também, descobrir outras maneiras de protestar. Não podemos ficar entre o quebra-quebra e esses passeios sem fim pela cidade, gritando palavras de ordem e "violência não". Desobediência civil ― e criativa ― é um dos melhores caminhos. Ainda mais se beneficiar diretamente a população que hoje não está nas ruas.


(...) Olha, eu sou o cara mais pacífico do mundo. Mas vamos botar a mão na consciência. O País atravessa uma turbulência que não tem precedentes na campanha pelo impeachment de Collor, ou pelas Diretas. É outro Brasil, outro mundo, são outros descontentamentos e anseios, são outros governantes e manifestantes. Quem protesta não enxerga hoje na tal sociedade civil quem o represente. Nem partidos, nem instituições. Os políticos que marcharam pelas diretas, e contra Collor, hoje estão no poder, e são amiguinhos dos herdeiros da ditadura, e do próprio Collor. É de se estranhar que tenha gente que quer quebrar tudo?

Fonte: Notícias.r7

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