André Forastieri
19/6/2013
Se dependesse das autoridades,
protesto seria sempre ordeiro. Uma turminha bem comportada, carregando cartazes
bem-feitinhos, dando voltas sem fim em algum lugar que não atrapalhe o trânsito
― num Sambódromo, ou quem sabe em um autódromo. Para participar, seria preciso
se inscrever, apresentar RG, CPF, serviço militar quitado, Imposto de Renda,
atestado de bom comportamento, e não ter antecedentes criminais. Vamos ser bem
claros: protesto pacífico não serve pra muita coisa. A polícia não bate. A
imprensa não dá espaço. Os governantes não dão bola. Protesto não é pra ser
pacífico. Protesto é pra incomodar. Protesto é para questionar a ordem. Nada
questiona tão bem quanto um soco, um incêndio, uma pedrada na vidraça.
Em protestos como vêm
acontecendo no Brasil, uma minoria bem ínfima é que está quebrando, e agora
saqueando. É essa minoria que ocupa muito espaço na cobertura televisiva. Por
uma ótima razão: rende boa TV. Televisão é imagem, e imagem de gente brigando,
correndo, botando fogo e enfrentando a polícia é mais emocionante que imagem de
gente caminhando calmamente (por isso é que tem tanto seriado policial, e
nenhum sobre gente que gosta de caminhar). E essa minoria aumenta muito o poder
de fogo do conjunto dos manifestantes ― queiram os pacifistas do movimento ou
não.
Vamos separar, por um minuto,
as depredações dos saques. Vimos grupos, e não tão ínfimos assim, que se
dedicaram a apedrejar, pichar, quebrar as frentes da Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro, o Palácio dos Bandeirantes e a prefeitura em São Paulo, e
outros prédios públicos. São alvos absolutamente legítimos. A massa dos
manifestantes, e praticamente todo mundo que acompanha o movimento, identifica
governadores, prefeitos e a classe política como parte do problema, não da
solução. São, nesse sentido, o inimigo. Estão sempre protegidos pela polícia,
porque sabem que são alvos, e que merecem serem alvos. No limite, o governo sai
matando de um lado, e os revoltosos saem matando do outro ― vide Síria.
Vamos seguir o mesmo
raciocínio. Vimos outros alvos ontem, não-públicos. Quebraram agências de
bancos. Os bancos são amigos ou inimigos da população? Quebraram McDonald's. De
que lado você colocaria a rede de fast-food? Não deixaram Caco Barcellos
trabalhar, botaram fogo em um carro da reportagem da TV Record. De que lado
você põe a mídia, a seu lado ou contra você? A decisão é de cada um, e de cada
um que está nos protestos. Uns são muito radicais, outros muito moderados. Quem
decidir ir pro pau, vai sabendo que pode levar porrada e talvez, ir para a
cadeia.
Nos últimos dias, ficou mais
complicado decidir a quem você se opõe. Agora toda a imprensa está simpática
(se bem que cobrindo muitíssimo mal, em geral), a PM está bem contida, os
políticos aplaudem, tá todo mundo vendo "beleza" nos protestos, como
disse o governador do Rio. Da boca pra fora, claro ― ninguém se mexeu um
milímetro para atender as reivindicações dos manifestantes, pelo menos nas
grandes cidades. Mas o bloco do "a favor" está crescendo, inchando
até. Virou obrigação aplaudir. Todos os famosos apoiam, e se os famosos apoiam
deve ser boa coisa, né?
Mas todo esse a favor para
quando começa o pau. Todos aplaudem os protestos, e todos são unânimes em
satanizar os baderneiros, os infiltrados, os vândalos. E mais ainda os que
roubam. Saquear lojas atravessa uma fronteira muito importante. Na linha acima,
é fácil entender porque alguns manifestantes muito radicalizados veem esses
grandes magazines como templos do consumo, símbolos do capitalismo, e, portanto
alvos válidos. Mas na hora que você sai correndo com uma TV, um celular ou um micro-ondas,
que vai levar pra sua casa e usufruir, passa a ser visto como um ladrão comum.
Em um contexto de desobediência
civil, é estratégia sólida dar um chega-pra-lá nas regras cotidianas do
consumo, e dar uma banana para a lei. Na época da ditadura militar,
guerrilheiros roubavam bancos e ricaços e, com o dinheiro, financiavam ações
contra o regime. Não era roubo, era "expropriação", diziam. A
presidente da república, Dilma Rousseff, colaborou em ações do gênero. Vi um
senador na televisão dizendo que manifestações violentas são incompatíveis com
o regime democrático. Os militares também garantiam que vivíamos em uma
democracia nos anos 70. Democracia não é o que senador diz, é o que o povo
sente.
(...) O Brasil não vive um
cenário de transformação radical. Mas nosso País é muito violento, o tempo
todo, e particularmente com os mais pobres. Violência do crime, e violência do
Estado, que nos leva o dinheiro e nos dá tão pouco em troca. Não se trata de defender
quem depreda e saqueia. Trata-se de ter consciência de que nossa paz é
diariamente quebrada, que muitas empresas depredam o País cotidianamente, e que
o poder público não nos protege. Donde que é ser muito ingênuo achar que todo
protesto vai ser sempre pacífico e polido. É fácil pra classe média alta
boazinha, que vive em condomínio, paga seguro saúde e escola, põe insulfilm no
carro e depende muito menos do Estado, cobrar que todo mundo se comporte...
É preciso, também, descobrir
outras maneiras de protestar. Não podemos ficar entre o quebra-quebra e esses
passeios sem fim pela cidade, gritando palavras de ordem e "violência
não". Desobediência civil ― e criativa ― é um dos melhores caminhos. Ainda
mais se beneficiar diretamente a população que hoje não está nas ruas.
(...) Olha, eu sou o cara mais
pacífico do mundo. Mas vamos botar a mão na consciência. O País atravessa uma
turbulência que não tem precedentes na campanha pelo impeachment de Collor, ou
pelas Diretas. É outro Brasil, outro mundo, são outros descontentamentos e
anseios, são outros governantes e manifestantes. Quem protesta não enxerga hoje
na tal sociedade civil quem o represente. Nem partidos, nem instituições. Os
políticos que marcharam pelas diretas, e contra Collor, hoje estão no poder, e
são amiguinhos dos herdeiros da ditadura, e do próprio Collor. É de se
estranhar que tenha gente que quer quebrar tudo?
Fonte: Notícias.r7
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