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Muitas
das leis desrespeitadas em protestos e ocupações de terra não foram criadas
pelos que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que
estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está.
Leonardo Sakamoto,
Blog do Sakamoto
13/06/2013
Alguém acha que a realidade vai
mudar apenas com protestos on-line ou cartas enviadas ao administrador público
de plantão? Ou que a natureza de uma ocupação de terra, de uma retomada de um
território indígena ou de uma manifestação urbana não pressupõe um incômodo a
uma parcela da sociedade?
Fiquei bege ao ler propostas de
que manifestações populares em São Paulo passem a ser realizadas no Parque do
Ibirapuera ou no Sambódromo. Pelo amor das divindades da mitologia cristã, o
pessoal só pode estar de brincadeira! Desculpe quem tem nojo de gente, mas
protesto tem que mexer mesmo com a sociedade, senão não é protesto. Vira
desfile de blocos de descontentes, que nunca serão atendidos em suas
reivindicações porque deixam de existir simbolicamente. “Quesito: Importância
social. Sindicato dos Bancários, nota 10. Movimento Passe Livre, nota 10.
Movimento Cansei, nota 6,5.”
Parar a cidade, inverter o
campo, subverter a realidade. Ninguém faz isso para causar sofrimento aos
outros (“ah, mas tem as ambulâncias que ficam presas no trânsito” – faça-me um
favor e encontre um argumento decente, plis), mas para se fazer notado, criar
um incômodo que será resolvido a partir do momento em que o poder público resolver
levar a sério a questão.
Ser pacifista não significa
morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil
professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as
situações.
Rascunhei em outro texto essas
ideias, mas decidi dar prosseguimento a elas depois de ler os comentários de um
post que fiz, na semana passada, sobre os protestos contra o aumento das
passagens em São Paulo. É trágico como milhares de pessoas não entendem o que
está acontecendo e, tomando uma pequena parte pelo todo, resumem tudo a
“vandalismo”. Não defendo destruição de equipamentos públicos, por considerar
contraproducente ao próprio movimento, pela escassez de recursos públicos, por
outras razões que já listei aqui antes. Mas é impossível para os organizadores
de uma manifestação controlarem tudo o que acontece, ainda mais quando – não
raro – é a polícia que ataca primeiro.
E, acima de tudo, não compactuo
com uma vida bovina, de apanhar por anos do Estado, em todos os sentidos e,
ainda por cima, dar a outra face, engolindo as insatisfações junto com cerveja
e amendoim no sofá da sala.
Muitos detestam sem-terra,
sem-teto e povos indígenas. Abominam a ideia de que o direito à propriedade
privada e ao desenvolvimento econômico não são absolutos. Mas os direitos
humanos são interdependentes, indivisíveis e complementares. O que é mais
importante? Direito à propriedade ou à moradia? Não passar fome, locomover-se
livremente ou desfrutar da liberdade de expressão? Todos são iguais, nenhum é
mais importante que o outro. Intelectuais que pregam o contrário precisam
voltar para o banco da escola.
E direitos servem para garantir
a dignidade das pessoas, caso contrário, não são nada além de palavras bonitas
em um documento quarentão.
Leio reclamações da violência
das ocupações de terras – “um estupro à legalidade” – feitas por uma legião de
pés-descalços empunhando armas de destruição em massa, como enxadas, foices e
facões. Ou contra povos indígenas, cansados de passar fome e frio,
reivindicando territórios que historicamente foram deles, na maioria das vezes
com flechas, enxadas e paciência. Ou ainda manifestantes que exigem o direito
de ir e vir, tolhido pelo preço alto do transporte coletivo, e que resolvem ir
às ruas para mostrar sua indignação e pressionar para que o poder público recue
de decisões que desconsideram a dignidade da população. Todos eles são uns
vândalos.
Por que essa gente simplesmente não sofre em silêncio, né?
Caro amigo e cara amiga
jornalistas, falo com todas as letras: não existe observador independente. Você
vai influenciar a realidade e ser influenciado por ela. E vai tomar partido e,
se for honesto, deixará isso claro ao leitor. Sei que há colegas de profissão
que discordam, que dizem ser necessário buscar uma pretensa imparcialidade, mas
isso é só metade da história. Deve se buscar ouvir com decência todos os lados
de um fato para reconstruí-lo da melhor maneira possível. Afirmar que existe
isenção em uma cobertura jornalística de um conflito, contudo, só seria
possível se nos despíssemos de toda a humanidade.
Isso sem contar que tentar
manter-se alheio a reivindicações justas é, não raro, apoiar a manutenção de um
status quo de desigualdade e injustiça. Coisa que, por medo, preguiça, vontade
de agradar alguém ou pseudo-reconhecimento de classe, a gente faz muito bem.
Manifestações populares e
ocupações de terra e de imóveis vazios significam que os pequenos podem, sim,
vencer os grandes. E os rotos e rasgados são capazes de sobrepujar ricos e
poderosos. Por isso, o desespero inconsciente presente em muitas reclamações
sobre a violência inerente ou involuntária desses atos.
Muitas das leis desrespeitadas
em protestos e ocupações de terra não foram criadas pelos que sofrem em
decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estão na raiz do
problema e defendem regras para que tudo fique como está. Você pode fazer o omelete
que quiser, mas se quebrar os ovos vai preso.
Enquanto isso, mais um indígena
foi emboscado e morto a tiros no Mato Grosso do Sul. Mas tudo bem. Devia ser
apenas mais um vândalo, não um homem de bem.
Fonte: Brasil de
Fato
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