Ilustração do Movimento doPasse Livre-SP |
por Lincoln Secco
especial para o Viomundo
As recentes manifestações de
junho do Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo surpreenderam os donos do
poder. Como a justiça da causa não podia ser questionada, as armas da crítica
voltaram-se contra a crítica das armas. E sendo assim, perderam.
Ainda que as armas não fossem
armas. Pneus incendiados, lixeiras como barricadas e milhares de pessoas
concentradas ainda não podem ameaçar nenhum grupo estabelecido no andar de
cima. Mas podem desmoralizá-lo. Diante disso a “crítica” dirigiu-se à turba, à
baderna, ao “trânsito”, aos arruaceiros e aos jovens filhos de papai.
Sem resultados, os críticos
descobriram os partidos. Assim, pelos jornais “sabemos” que certos partidos de
“extrema esquerda” dirigiam sorrateiramente o MPL. Nada mais falso. O MPL se
organiza horizontalmente, ao lado, acima (por vezes abaixo) dos partidos
políticos. Não é, portanto, uma frente de partidos. Decerto há nele militantes
de partidos. Nada mais esperado e justificado. Os partidos de esquerda,
revolucionários ou não, vivem sempre a expectativa de montar o cavalo já em
disparada.
Eis que a grande imprensa
lembrou o vandalismo. “Vândalos!”, berravam apresentadores transtornados nos
telejornais sensacionalistas. Em movimentos assim, é natural que haja ações
erradas, revoltas incontidas e gritos de ódio. A população que se movimenta não
o faz segundo a etiqueta de parlamentares de terno, gravata, seguranças e
jantares caros.
Uma ou outra vidraça se quebra
porque, ao contrário dos militares que batem, atiram balas de borracha e lançam
bombas de gás lacrimogêneo, os militantes das ruas ainda não se acostumaram a
mirar com precisão. Eles não dispõem de dinheiro, da polícia e das leis ao seu
lado. Mas segundo a contabilidade prática do movimento as lixeiras incendiadas
e os prejuízos ao tráfego poderão ser descontados tranquilamente dos bilhões
desviados dos cofres públicos nas licitações duvidosas de obras que visam
melhorar exatamente o tráfego.
Mas alto lá, proclama um
prefeito. O custo do passe livre o inviabiliza! É certo que poderíamos fazer
outra conta. A tarifa zero, proposta hoje por vários partidos piratas europeus,
foi pela primeira vez lançada pela própria prefeitura da cidade de São Paulo e
pelo atual partido do Governo. O Partido dos Trabalhadores propôs durante a
gestão de Luiza Erundina que a tarifa fosse paga por um imposto urbano
progressivo. Sem apoio na época de um movimento social organizado foi fácil
para a Câmara Municipal recusar.
Hoje desconheço os cálculos
políticos que os governos fazem para se opor ao passe livre. Sei que os
contábeis estão errados. E, provavelmente, os eleitorais também. Uma medida de
tal impacto talvez pudesse se tornar o maior “programa social” de um partido. A
economia com os gastos de cobrança e com a diminuição de automóveis nas ruas
compensaria mesmo a chamada classe média.
Além disso, a população poderia
se deslocar por vários serviços de saúde e educação desafogando os equipamentos
públicos mais procurados. E nem precisaríamos citar os ganhos para os que
frequentariam as escolas, bibliotecas, parques, praças, museus etc.
Confusos, finalmente os
“críticos” dizem que se trata de um movimento comunista, anarquista,
trotskista, punk, sindical, baderneiro… Mas sabemos que a finalidade do MPL não
se define previamente. Apesar da evidência do motivo imediato (a livre
locomoção urbana de todas as pessoas) e de ideais necessariamente vagos sobre
outra sociedade, ele se define apenas como um grupo que luta. Luta por nós.
*Pesquisador do Instituto
Cultural Lyndolpho Silva e professor de História Contemporânea da USP.
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