Hoje, 11 de junho de 2013
Jacob Gorender foi um dos mais
importantes historiadores marxista brasileiros. Jovem, lutou na II Guerra
mundial, na Itália, como integrante da Força Expedicionária Brasileira.
A trajetória de Jacob Gorender
se mistura a alguns dos principais acontecimentos do país no século 20. Membro
do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por quase três décadas e criador do
Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Gorender foi muito além da
militância prática: tornou-se um dos mais respeitados intelectuais da esquerda
brasileira. Em 20 de janeiro deste ano, Gorender completou 90 anos, marcados
por estudo, lutas políticas e uma vasta produção acadêmica. Em seus diversos
livros, artigos e ensaios, Gorender apresentou ideias até então inéditas sobre
o Brasil e sua formação socioeconômica.
Vida
Filho de imigrantes russos
judeus, Jacob Gorender nasceu em 20 de janeiro de 1923 em Salvador (BA), e sua
infância foi marcada por sérias dificuldades econômicas. Começou a trabalhar
aos 11 anos, dando aulas particulares e, aos 17, era arquivista em um jornal
chamado O Imparcial. Ingressou na faculdade de Direito em 1941 e, em meio a
atividades no movimento estudantil, travou contato com Mário Alves, que já
militava no Partido Comunista Brasileiro. No início de 1942, Gorender tornou-se
o mais novo membro do “Partidão”.
O interesse pela política veio
de casa. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2006, Gorender
contou ter sido infl uenciado pelas ideias do pai. “Meu pai, particularmente,
era um homem com ideias, digamos assim, esquerdistas. Não tinha formação
cultural elevada, não frequentou academias, era um homem muito simples. Mas
gostava de ler e, de certo modo, a sua posição influiu muito nas minhas
atitudes”, afirmou.
Em 1943, aos 20 anos, outra
decisão importante na vida do jovem: alistou-se como voluntário da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) para combater o nazi-fascismo na 2ª Guerra
Mundial. Ao retornar ao Brasil, em 1945, encontrou o Partido Comunista na
legalidade. Instalou-se por um período no Rio de Janeiro, onde conheceu Luís
Carlos Prestes. Depois de alguns meses, retornou a Salvador, onde decidiu
abandonar de vez a graduação em Direito. Com isso, passou a dedicar-se
integralmente à militância política, tornando-se membro do secretariado do Comitê
Municipal do PCB, em Salvador.
Em 1946, mudou-se novamente
para o Rio de Janeiro, onde integraria a redação do jornal Classe Operária,
órgão central do Partido Comunista. Em 1955, outra viagem internacional:
Gorender foi à União Soviética para participar de um curso da escola superior
do Partido Comunista soviético.
Ali, os estudantes tinham
lições de materialismo dialético, economia, política, história do movimento
operário mundial, dentre outros pontos. Gorender integrava uma turma com 50
brasileiros, coordenada por Maurício Grabois.
Gorender permaneceu na URSS por
dois anos e, ao retornar ao Brasil, seguiu com a militância no Comitê Central
do PCB – do qual se tornaria membro efetivo em 1960. Em 1964, com o golpe
militar, Gorender passou a atuar na clandestinidade.
Com a solidariedade dos amigos,
pode continuar com seus estudos. Valdizar Pinto do Carmo e sua companheira,
Sonia Irene do Carmo, haviam conhecido Gorender em 1960, durante um encontro de
estudantes militantes do PCB. Alunos da Universidade de São Paulo (USP), o
casal facilitava o acesso de Gorender aos livros. “Para dar apoio a ele,
levantávamos bibliografia sobre o período estudado e retirávamos das
bibliotecas os materiais que ele indicava”, recorda Valdizar.
A esta altura, conta o amigo,
Gorender estava interessado sobretudo na história do período colonial do
Brasil. O intelectual permaneceu no PCB até 1968, quando saiu da organização
para fundar o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), ao lado de
Mário Alves, Apolônio de Carvalho e outros comunistas.
Prisão
Em 1970, Gorender passou por
uma de suas experiências mais marcantes: foi preso em São Paulo por agentes do
Esquadrão da Morte, chefiado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, e levado ao
Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde foi torturado. O destino
de Gorender foi o presídio Tiradentes.
Nesse momento, tinha 47 anos,
muitos a mais que seus colegas de prisão – a maioria na casa dos 20. Ali,
passou a dedicar-se ainda mais aos livros. Quem o ajudou na missão foi sua
companheira, Idealina, que levava, nos dias de visita, as obras pedidas pelo
marido.
Graças a Gorender, a cela
tornou-se um ambiente de difusão de conhecimento, como conta o jornalista e
escritor Alipio Freire. “O Jacob sempre organizou debates para a gente na cela.
Ele começou com o hábito de incentivar os presos que tinham mais informação a
expô-la para os outros. Alguns ensinavam francês, outros história, era todo
tipo de conhecimento”, salienta.
Gorender em seguida organizou
um curso sobre história econômica do Brasil, ministrado todas as
segundas-feiras à noite em sua cela. A atividade era “concorrida” na cadeia,
como relembra o jornalista e artista plástico Sérgio Sister. “O Jacob era a
grande personalidade da cadeia. Nós aprendemos muito com ele”, afirma.
O curso sintetizava algumas das
ideias que Gorender defenderia em sua tese O Escravismo Colonial, que viria a
ser lançado em 1978 pela editora Ática.
Legado
Jacob foi libertado da prisão
cerca de dois anos depois, quando passou a se dedicar integralmente ao trabalho
de tradutor e a investigar a realidade brasileira. Uma das principais
qualidades do intelectual, para Sérgio Sister, era o rigor que dedicava aos
seus objetos de estudo.
“O Jacob é uma das figuras da
esquerda brasileira que sempre exigiu rigor no estudo e na apreciação das
questões. Ele tinha muita preocupação com o conhecimento da realidade
brasileira, em não deixar a coisa no ‘chute’ ou no romantismo”, destaca.
Por questões de saúde, Jacob
Gorender não pôde conversar com a reportagem do Brasil de Fato. No entanto, os
amigos e companheiros de militância ressaltam a importância do pensador para
suas trajetórias e seu papel como educador.
“O Jacob é um dos caras mais
sérios e lúcidos para analisar a realidade brasileira e os nossos problemas
como militantes comunistas, o que queremos para nós mesmos e para a sociedade
brasileira. Ele foi muito importante para aquela geração, para quebrar alguns
mitos da verdade absoluta de sempre”, diz Alipio Freire.
Autodidata, Jacob Gorender
permaneceu à margem do campo acadêmico durante muitas décadas. Somente em 1994,
aos 71 anos, seu mérito foi reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). (BF)
Fonte: Molina.Blogspot
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