Michael Townley |
No dia 4 de junho publicamos
aqui uma matéria que dava conta da morte de Pablo Neruda como sendo assassinato
por conta da ditadura de Pinochet (através da polícia política chilena, a DINA)
e da CIA. Leia clicando AQUI.
Hoje, Carta Maior publica uma reportagem que ressalta a matéria anterior e põe
mais lenha na fogueira ao analisar, também, fatos que vieram à tona no encalço
das denúncias acerca da morte de Neruda, juntando a mesma possibilidade de
envenenamento do ex-presidente do Brasil, Jango. Teria sido mais uma das mazelas das ditaduras militares latino-americanas a serviço do capital monopólico internacional. Vale a pena ler. (Almoço das Horas).
As suspeitas de envenenamento
ganharam mais força essa semana quando o ex-chofer de Pablo Neruda, Manuel
Anaya, declarou à agência italiana ANSA, que o possível responsável pela
intoxicação foi o agente Michael Townley (foto), que serviu a CIA estadunidense
e a DINA, o organismo de inteligência política da ditadura chilena, criado por
Manuel Contreras que adotou como um de seus modelos o SNI brasileiro.
Investigação sobre morte de João Goulart acompanha andamento do caso envolvendo
o Nobel de Literatura.
por Dario Pignotti (@DarioPignotti)
Brasília - Faltam informações
consistentes, até o momento, para responder de forma categórica a pergunta que
dá título a esta matéria. Há, isso sim, indícios sobre a suposta participação
de um agente da CIA, acusado dos atentados mais impactantes executados pela
Operação Condor, no envenenamento que teria matado o poete Pablo Neruda doze
dias depois do golpe de Estado de Augusto Pinochet, no Chile. “Estou tomando
conhecimento por seu intermédio desta denúncia contra esse agente
norte-americano que trabalhou na CIA (Michael Townley). Isso é importante para
nós, pode ser útil para nossa investigação sobre a morte do presidente João
Goulart, antes de fazer a exumação”, disse Nadine Borges, assessora da Comissão
da Verdade, em conversa com a Carta Maior.
“Townley esteve envolvido em
casos muito conhecidos da Condor. Se essa denúncia se confirmar, não podemos
tirar nenhuma conclusão apressada, mas seria outro sinal de que membros dessa
operação realmente utilizaram veneno como arma, o que nos traria um novo
elemento para esclarecer o que aconteceu com João Goulart”, acrescentou Nadine
Borges, que assessora “ad honorem” a coordenadora da Comissão da Verdade, Rosa
Cardoso, e é integrante da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro.
É bem conhecido – inclusive há
trabalhos historiográficos a respeito – o apoio do ditador Emilio Garrastazu
Médici ao golpe de Estado de Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973. O
jornal Folha de S.Paulo revelou meses atrás que seu sucessor, Ernesto Geisel,
entregou milhões de dólares à ditadura chilena, na forma de crédito, para a
compra de armas.
No dia 23 de setembro de 1973,
doze dias depois da derrubada do presidente Salvador Allende, morreu o poeta
Pablo Neruda, devido a um câncer de próstata, segundo a versão oficial que
começou a ser posta em dúvida oficialmente em abril, quando a justiça chilena
ordenou a abertura do caixão para que seus restos fossem estudados por vários
peritos, inclusive da Cruz Vermelha Internacional, ante a suspeita de que foi
intoxicado.
As suspeitas de envenenamento
ganharam mais força essa semana quando o ex-chofer de Neruda, Manuel Anaya,
declarou à agência italiana ANSA, que o possível responsável pela intoxicação
foi o agente Michael Townley, que serviu a CIA estadunidense e a DINA, o
organismo de inteligência política da ditadura chilena, criado por Manuel
Contreras que adotou como um de seus modelos o SNI brasileiro, em cuja escola
de repressores, a ESNI, estudaram possivelmente vários chilenos.
Se essa denúncia contra Townley
se confirmar, ocorrerá um giro copernicano na rede terrorista multinacional
Condor, ou pelo menos em um de seus capítulos ainda pouco explorados, o que
trata da eliminação bioquímica de opositores no Chile e, supostamente, em
vários países da região. Townley foi para a Condor o que Sergio Paranhos Fleury
foi para a repressão no Brasil: um paradigma do serial killer a serviço da
guerra sem fronteiras contra o comunismo real e o imaginado pelos generais sulamericanos.
Foi ele que assassinou em 1975, em Washington, o ex-chanceler chileno Orlando
Letelier, que participou, também em 1975, do atentado que feriu gravemente o
vice-presidente chileno Bernardo Leighton, em Roma, e que, poucos meses antes,
em 1974, executou em Buenos Aires o general Carlos Prats, exilado após a
chegada de Pinochet ao poder.
A esse recorde terrorista se
somaria o até agora não provado crime contra Pablo Neruda, de acordo com a
declaração de seu assistente Araya, testemunha direta dos fatos. O motorista do
automóvel do Prêmio Nobel de Literatura foi quem o levou até a Clínica Santa
Maria, em Santiago do Chile, para tratar de uma estranha doença pouco antes de
falecer no dia 23 de setembro de 1973.
Ainda que a verdade ou
falsidade sobre a substância fatal que teria matado Neruda só será conhecida
com a conclusão dos exames do cadáver, pode-se assinalar que a acusação contra
Townley goza de verossimilhança dado os antecedentes criminais mencionados
acima (atentados contra Letelier, Leighton e Prats). Além disso, ele trabalhou
durante anos com o bioquímico Berríos, recrutado pela DINA chilena para
desenvolver o mortífero gás Sarín e outros compostos destinados a eliminar
inimigos da ditadura sem deixas rastros.
No prontuário “químico” de Townley
está a execução com substâncias mortíferas de dois peruanos, que ele utilizou
como cobaias para demonstrar a eficácia dos compostos elaborados em um
laboratório que funcionava em sua casa no bairro Lo Curro, em Santiago do
Chile, e estava subordinado à DINA.
A informação levantada por
jornalistas chilenos indicava que o centro de experimentação com armas químicas
da DINA começou a funcionar em 1975, ou seja, dois anos depois da morte de
Pablo Neruda, um dado a levar em conta já que reduziria a probabilidade de que
o escritor tenha sido assassinado por agentes do estado.
Mas, assim como a morte de
Pablo Neruda, ocorreu em 1973, antes de ter sido posto em marcha o Projeto
Andrea, e isso pode conspirar contra a ideia de assassinato, há outro suposto
magnicidio que ocorreu anos mais tarde, em 1982, quando morreu o ex-presidente
Eduardo Frei Montalva, que segundo um juiz chileno foi vítima de um
envenenamento durante uma internação precisamente na Clínica Santa Maria. O
provável assassinato de Frei, em 1982, é um antecedente a ser levado em conta,
quando se investiga o que ocorreu com João Goulart e seu estranho falecimento
em 1976, que seus familiares atribuem a um envenenamento por meio da inclusão
de fármacos contaminados junto aos remédios que tomava para uma enfermidade
cardíaca.
Entre Frei e Goulart há
semelhanças políticas: ambos eram, quando morreram, dirigentes políticos
centristas com capacidade de reunir o respaldo de amplos setores, da esquerda à
centro-direita, interessados em formar uma coalizão capaz de encurtar a
transição democrática, que era o que menos queriam Pinochet e Geisel, o que
permite suspeitar que ambos os ditadores tenham consentido ou instigado a
eliminação desses opositores civis.
“Nestas investigações é preciso
se mover com muito cuidado para evitar passos em falso”, recomenda Nadine
Borges durante a entrevista com Carta Maior. Logo depois de fazer essa
advertência, assinala que “diante das dúvidas e das provas que foram apagadas
pelo tempo nós consideramos que o correto é não restar nenhuma dúvida e
investigar. Por isso acreditamos que é preciso avançar o que for possível com
as investigações sobre o que ocorreu com Neruda e Goulart, e buscar se há
alguns paralelos, que me parecem podem existir, sem esquecer a informação que já
se tem sobre Frei”.
No plano prático é útil
incorporar a experiência acumulada no Chile, “por isso conversamos com peritos
da Cruz Vermelha Internacional que estiveram como observadores nos trabalhos de
abertura do caixão e primeiras manipulações com o corpo de Pablo Neruda; são
informações importantes para nós que podem ser aplicadas no trabalho de
exumação do presidente Goulart”.
Nadine Borges acompanhou a
doutora Rosa Cardoso e outros membros da Comissão da Verdade ao Rio Grande do
Sul, onde há uma semana receberam os citados especialistas da Cruz Vermelha
junto com peritos da Argentina e do Uruguai, experimentados em trabalhos com
corpos de vítimas das ditaduras dos seus países.
Para chegar à verdade sobre o
passado, assinala Borges, deve-se trabalhar tanto com as ferramentas técnicas
que aportam os especialistas forenses, como com a reconstrução histórica dos
fatos. “Pode acontecer que o avançado estado de decomposição do corpo do
presidente Goulart nos impeça de encontrar rastros que demonstrem que foi
envenenado, mas mesmo assim vale a pena fazer a exumação porque o que estamos
vendo com as suspeitas sobre Neruda é que o envenenamento pode ter sido uma
arma empregada pela operação Condor em uma escala maior do que a que
imaginávamos. Além disso, há vários elementos que nos indicam que o
ex-presidente Eduardo frei também morreu por causa de um envenenamento”.
Tradução: Marco Aurélio
Weissheimer
Fonte: Carta
Maior
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