28/06/2013
Plebiscito é uma ferramenta
legal. Desde que usada em prol da dignidade e não contra ela. Ou seja, desde
que usada com parcimônia.
Porque, em uma democracia de
verdade, é respeitada a vontade da maioria, preservando-se a dignidade das
minorias. Ou seja, adotar simplesmente o que a massa quer não significa viver
em um país decente. Seja pelo conservadorismo da população, seja pelo fato de
que, quanto mais hipercodificado permanecer o assunto, mais fácil será
manipular o cidadão.
Se nos orientássemos pela vontade
da maioria, gays e lésbicas nunca teriam conquistado o direito a se unir.
Jovens com 16 e até 14 anos seriam mandados para a cadeia ao cometer crime. E,
dependendo da pesquisa de opinião, nem o direito ao aborto legal, em caso de
risco de vida da mãe ou estupro, existiria.
Ao mesmo tempo, até uma
estrelinha-do-mar com graves problemas de cognição percebe que os contrários à
ampliação do direito ao aborto e à legalização da eutanásia são os primeiros a
querer levar essas pautas a plebiscito. Sabem que nossa sociedade gosta de
tiranizar o útero alheio e que sofrimento no olhos dos outros é refresco e que,
portanto, seriam maioria.
Dito isso, que não é
recomendável que absolutamente tudo vá ao escrutínio da massa, o uso do
plebiscito também demanda um trabalho prévio de conscientização, em que o
cidadão saiba realmente o que está sendo decidido e as implicações de sua
decisão. O problema é que discursos vazios, cosmeticamente embalados pelos
competentes colegas da propaganda, instalam-se facilmente em corações e mentes.
Martelados nos intervalos da novela das 21h, acabam por encontrar ninho e por
lá ficar. Da mesma forma, apresentadores sensacionalistas que rosnam na TV,
empurram o povo para o lado sombrio da força, usando um discurso do medo.
E nem sempre uma curta campanha
de informação é suficiente para explicar todas facetas de determinado assunto
polêmico. Tive vontade de chorar ao ouvir “especialistas” explicando o que é
voto distrital, distrital misto e proporciona, no rádio, nos últimos dias. Pai,
perdoai, eles não sabem o que dizem.
O ideal seria que todos nós
tivéssemos, ao longo da vida, acesso à formação e informação de qualidade para
tomadas de decisão. Contudo, na falta disso, seria necessário um tempo razoável
para discutir com a população temas cabeludos como sistema eleitoral,
financiamento de campanha, coligações – coisa que o poder público não parece
muito interessado em conceder. Há parlamentares que defendem que 60 míseros
dias são suficientes para esclarecer a pauta. Ahã, Cláudia, senta lá… Estamos
falando de uma reforma política, não de pedir um sundae de morango no drive
thru.
Espero que esteja enganado,
contudo, do jeito que a coisa está se desenhando, será um show de horrores.
Não, não acho o povo incapaz de escolher com sabedoria. Mas são assuntos
complexos. Se o plebiscito sobre o desarmamento, que era simples, foi vítima de
bala perdida, imagina então colocando em pauta assuntos que nem os políticos
sabem explicar direito?
Tenho fé, é claro, que através
da tecnologia e do aumento do interesse da sociedade sobre os destinos de seu
país, conseguiremos desenvolver outros mecanismos de participação para além do
plebiscito. Lembrando que democracia direta não é algo que se ganha de uma hora
para outra, empacotada e pronta para consumo, mas é discutida, conquistada e
construída.
E se der certo, se a reforma
política sair mesmo via consulta popular, tenho uma lista de outras propostas
muito mais simples que poderiam ser postas em votação. Sei que tão difícil
quanto imaginar políticos que topem abrir mão de uma estrutura que hoje os
beneficia, é também um autoengano achar que eles poderiam contrariar poderosos,
grandes empresas e outros doadores de campanha. Mas me contento só com o debate
que isso iria gerar.
Você é favor que o teto do
salário de um vereador seja o mesmo que de um professor da rede pública?
Você é a favor de mudanças na
lei para impedir a reintegração de posse de terrenos ocupados por famílias que
não possuem absolutamente nada sem que, antes, seja garantida uma alternativa
de moradia decente a elas?
Você é a favor do fim da cela
especial para quem tem curso superior?
Você é a favor de que
propriedades rurais que, ilegalmente, ocupam territórios indígenas sejam
devolvidas aos povos que as reivindicam?
Você concorda que fazendas e
imóveis que sejam palco de trabalho escravo sejam confiscados sem direito à
indenização e destinadas aos mais pobres?
Você é a favor de que juízes
sejam expulsos do serviço público, perdendo o direito aos seus vencimentos, em vez
de receberem aposentadoria compulsória quando punidos por algum malfeito?
Você é a favor de veicularem o
último episódio da Caverna do Dragão?
Você é a favor de que exista um
limite máximo permitido para o tamanho de uma propriedade rural?
Você é a favor do fechamento
das empresas que foram envolvidas por seus diretores em casos de corrupção?
Você é a favor da redução da
jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de remuneração?
Você é a favor de sobretaxar
grandes fortunas?
Você é a favor do fim da
Polícia Militar no Brasil?
Fonte: Blogdo Sakamoto
Nenhum comentário:
Postar um comentário