Caso Libor: corrupção na alta finança internacional
02/08/2012
Immanuel Wallerstein descreve
mecanismo empregado por grandes bancos para manipular mercados e aponta
principal responsável: “é o sistema, estúpido”.
Por Immanuel Wallerstein
Tradução: Daniela Frabasile
Desde 4 de julho, os maiores
jornais do mundo contam que há um “escândalo” envolvendo algo chamado Libor.
Legisladores, dirigentes de bancos centrais e autoridades judiciais dizem o
mesmo. Antes disso, poucas pessoas, fora do grupo que se interessa por bancos,
tinha ouvido falar da Libor. De repente, nos disseram que os maiores bancos da
Grã-Bretanha, Estados Unidos, Suíça, Alemanha, França – e provavelmente um
grande número de outros países – estavam envolvidos em ações supostamente
“fraudulentas”.
Além disso, explicaram-nos que
não era questão de centavos. Derivativos financeiros de centenas de trilhões de
dólares oscilam de acordo com a taxa Libor. A acusação era de que os bancos a
“manipulavam”. As consequências não foram apenas lucros astronômicos: as
pessoas que fizeram hipotecas e empréstimos pagaram mais do que deveriam.
Resumindo: os bancos obtiveram lucros enormes às custas de outros, que perderam
rios de dinheiro.
Tudo isso suscitou muitas
questões. (1) Como foi possível? (2) Por que as autoridades reguladoras não
interromperam uma prática que, agora, dizem ser tão fraudulentas; ou seja: quem
sabia o quê e quando? E (3) alguma coisa pode ser feita para que isso não
aconteça novamente?
Vamos começar com a definição
da taxa Libor. É uma abreviação de London Interbank Offered Rate (Taxa
Interbancária Praticada em Londres). Não é muito antiga: a versão definitiva é
de 1986. Na época, a British Bankers Association (Associação dos Banqueiros
Britânicos) pediu que os “maiores bancos” compartilhassem informação diárias
sobre as taxas de juros que pagariam, se tomassem empréstimos de outros bancos.
Depois de eliminados os valores extremos, uma taxa média era determinada, e
modificada diariamente. A ideia era que, se os bancos se sentissem confiantes
sobre o estado da economia, a taxa seria mais baixa; se estivessem inseguros, a
taxa seria mais alta.
Quando a imprensa mundial
passou a usar palavra “escândalo” para falar sobre a taxa Libor, ficou claro
que o tema havia sido debatido muito antes, em ambientes menos visíveis. Parece
que o Wall Street Journal havia divulgado, em 28 de maio de 2008 (sim, em
2008!), um estudo sugerindo que alguns bancos estavam minimizando os custos dos
empréstimos. É claro, imediatamente apareceu gente dizendo que o estudo era
impreciso ou, se preciso, irrelevante. Análises acadêmicas subsequentes
sugeriram, portanto, que a acusação de manipulação dos custos era de fato
verdadeira.
A questão era que quando um
banco está lidando com US$ 50 trilhões em valores especulativos, uma pequena
sub-notificação de taxas gera imediatamente um aumento significativo nos
lucros. A tentação era óbvia. Acontece que, já no início de 2007, tanto o o
Federal Reserve Bank quanto o Bank of England (os bancos centrais dos EUA e do
Reino Unido) suspeitaram dessa sub-notificação. Nenhum fez muita coisa sobre o
assunto.
Agora nos dizem que essas taxas
não são nem confiáveis nem estáveis, mas meras “suposições”. Uma vez que o
Lehman Brothers entrou em colapso, os bancos ao redor do mundo pararam de
realizar empréstimos entre si. O New York Times diz, numa matéria de 19 de
julho de 2012: “Essa taxa não se baseia muito na realidade”. Em 2011, o
Departamento de Justiça dos Estados Unidos começou uma investigação criminal.
Graças a vazamentos, agora sabemos da troca de e-mails entre banqueiros,
falando alegremente sobre a sub-notificação das taxas, e encorajando o
processo. Por que não? Eles estavam ganhando muito dinheiro.
Em meio a tudo isso, o
Independent publicou uma matéria de duas páginas sobre os paraísos fiscais, e a
soma incrível de dinheiro que vai para esses lugares, proveniente dos países do
Sul global. Provavemente, o dinheiro retirado seria mais que suficiente para
financiar as transformações econômicas e redistribuições de renda necessárias
nestas nações. Ao contrário das manipulações da taxa Libor, os paraísos fiscais
são legais.
Então, onde está o escândalo?
As duas práticas – sub-notificação da taxa Libor e transferência de dinheiro
para os paraísos fiscais – são absolutamente normais, numa economia-mundo
capitalista. A finalidade do capitalismo, afinal de contas, é a acumulação de
capital. Quanto mais, melhor. Um capitalista que não maximiza os lucros, de uma
forma ou de outra, será eliminado do jogo, cedo ou tarde.
O papel dos estados nunca foi
controlar ou limitar essas práticas, mas fazer vistas grossas pelo maior tempo
possível. De vez em quando, as práticas – dos capitalistas e dos estados – são
momentaneamente expostas. Algumas pessoas são presas, ou forçadas a devolver o
lucro ilegal. E os políticos falam em reforma – tentando adotar, com máximo
alarde, o nível mais baixo de “reforma” que puderem.
Porém, isso não é um escândalo,
porque o que se chama de “escândalo” é, na verdade, o coração do sistema. Algum
dia isso irá mudar? Sim, claro. Um dia, o sistema não existirá mais. Claro que
isso abre outra questão. O próximo sistema será melhor? É possível, mas não é
certo.
Enquanto isso, chamar a
manipulação da Libor de escândalo é ocultar que se trata, na verdade, de mais
uma forma normal de acumular capital. Em 1992, James Carville, estrategista de
campanha de Bill Clinton, que então concorria à presidência dos Estados Unidos,
disse algo que ficou famoso: “é a economia, estúpido”. Frente aos chamados
escândalos, deveríamos dizer “é o sistema, estúpido”.
Fonte: Outras
Palavras
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