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A Justiça de Córdoba condenou a três anos de prisão (que serão
cumpridos em trabalhos sociais) um latifundiário e o piloto de um avião que
fumigou plantações de soja numa região urbana. Dois componentes químicos –
endosulfán e glifosato – foram espalhados, em 2004 e 2008, nas plantações de
soja de Francisco Parra, vizinhas ao bairro de Ituzaingó, em Córdoba. Foi a
primeira vez que a Argentina condena o uso de glifosato, produzido pela
Monsanto. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno - Buenos
Aires
Buenos Aires - A Argentina é um
país de julgamentos. Agora mesmo estão sendo julgados antigos ditadores,
generais que ordenaram assassinatos e roubos de recém-nascidos, agentes das
forças armadas e da polícia que participaram do terrorismo de Estado durante a
ditadura cívico-militar que imperou entre 1976 e 1983. E, como se fosse pouco,
um ex-presidente, o frouxo e confuso Fernando de la Rúa (dezembro 1999-dezembro
2001), aquele que foi posto para fora por manifestações populares e escapou da
Casa Rosada pelo telhado, está no banco dos réus, acusado de subornar senadores
peronistas, de oposição, para que votassem a favor da nova legislação
trabalhista.
Com tanto vai-vem, com tanto
entra e sai de tribunais, uma sentença determinada por um tribunal de Córdoba,
a segunda província e a segunda maior cidade do país, abriu espaço e conquistou
atenções: num julgamento considerado histórico num país de julgamentos
históricos, a Justiça cordobesa condenou a três anos de prisão (que serão
cumpridos em trabalhos sociais) um latifundiário e o piloto de um avião que
fumigou plantações de soja numa região urbana. Dois componentes químicos –
endosulfán e glifosato – foram espalhados, em 2004 e 2008, nos inseticidas
fumigados pelo piloto Edgardo Pancello nas plantações de soja de Francisco
Parra, vizinhas ao bairro de Ituzaingó, em Córdoba.
Foi a primeira vez que a
Argentina condena o uso de glifosato, produzido pela multinacional envenenadora
Monsanto – a mesma que desenvolveu o ‘agente laranja’ utilizado pelos Estados
Unidos na guerra do Vietnã e produz sementes transgênicas utilizadas em vários
países, o Brasil inclusive.
É o resultado de uma luta de
dez anos dos moradores de Ituzaingó e de outras localidades argentinas, que
denunciam as conseqüências do uso do glifosato nos agrotóxicos produzidos pela
Monsanto e fumigados a torto e a direito país afora. O embriologista argentino
Andrés Carrasco, que há anos denuncia os altíssimos riscos de contaminação do
agrotóxico Roundup, fabricado pela Monsanto à base de glifosato, já havia
antecipado, à exaustão, o que o tribunal de Córdoba agora concluiu: quem usa
esse produto comete crime ambiental gravíssimo.
Contra todos os argumentos da
envenenadora multinacional, o tribunal de baseou em dados inquestionáveis: de
142 crianças moradoras de Ituzaingó que foram examinadas, 114 contêm
agroquímicos em seu organismo, e em altas quantidades. Foram constatados ainda
202 casos de câncer provocados pelo glifosato, dos quais 143 foram fatais num
lapso curtíssimo de tempo. Houve, em um ano, 272 abortos espontâneos. E dos
nascidos, 23 sofrem deformações congênitas. Moram em Ituzaingó pouco mais de
cinco mil pessoas, o que dá uma dimensão clara dos males sofridos.
A cada ano que passa cerca de
280 milhões de litros de Rondup – ou seja, de glifosato – são despejados nos
campos argentinos. São cerca de 18 milhões de hectares aspergidos ou fumigados
nas plantações de soja transgênica, que significam 99% de tudo que o país
produz. O mais brutal é que essa soja nasce de sementes geneticamente modificadas,
produzidas pela própria Montanto. O glifosato contido no Roundb destrói tudo –
menos a semente.
Ou seja, a multinacional do
veneno criou uma semente que é a única que resiste ao agrotóxico produzido pela
mesma indústria. Até agora, as denúncias de Andrés Carrasco, diretor do
Laboratório de Embriologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos
Aires, haviam esbarrado num muro aparentemente intransponível: em 1996, o
glifosato foi autorizado por lei na Argentina, durante o governo de Carlos
Menem.
Detalhe: a lei foi aprovada a
toque de caixa tomando como base estudos financiados pela própria Monsanto. Das
135 páginas do tal estudo, 108 estavam escritas em inglês. Sequer se deram o
trabalho de traduzi-las.
Há outras denúncias, há outros
processos. Também em Córdoba foram detectados casos assustadores na localidade
de Matabrigo, cercada de plantações de soja transgênica fumigadas com
glifosato.
O glifosato continua sendo
usado em campo aberto. Mas, na Argentina, já não poderá mais ser aplicado em
áreas próximas às zonas urbanas. Além de abrir jurisprudência no país, a
sentença do tribunal cordobês abre um precedente importante para milhares de
processos em andamento em toda a América Latina.
Aqui no Brasil, nada muda. O
veneno continua sendo um dos motores principais do agronegócio. Em nosso país,
o volume de pesticidas e agrotóxicos utilizados no campo é mais de três vezes
superior ao da Argentina. Somos campeões mundiais de veneno, e tudo continua
igual. A Monsanto continua, impávida, envenenando o dia a dia de milhões de
brasileiros.
Aliás, e por falar em Monsanto:
alguém se preocupou em saber como anda a questão da soja transgênica semeada no
Paraguai e fumigada ou aspergida com glifosato? Ou seja, alguém se preocupou em
saber até onde a reforma agrária defendida pelo deposto presidente Fernando
Lugo afetaria os interesses da Monsanto no país?
Fonte: Carta
Maior
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