Immanuel Wallerstein especula sobre as raízes da
“crise estrutural do capitalismo” – e a dura disputa pelas alternativas
Por Immanuel Wallerstein
Tradução: Antonio Martins
17/08/2012
A maior parte dos políticos e
dos “especialistas” tem um costume arraigado de prometer tempos melhores à
frente, desde que suas políticas sejam adotadas. As dificuldades econômicas
globais que vivemos não são exceção, neste quesito. Seja nas discussões sobre o
desemprego nos Estados Unidos, os custos alarmantes de financiamento da dívida
pública na Europa ou os índices de crescimento subitamente em declínio, na
Índia, China e Brasil, expressões de otimismo a médio prazo permanecem na ordem
do dia.
Mas e se não houver motivos
para elas? De vez em quando, emerge um pouco de honestidade. Em 7/8, Andrew
Ross Sorkin publicou um artigo no New York Times em que oferecia “uma
explicação mais direta sobre por que os investidores deixaram as bolsas de
valores: elas tornaram-se uma aposta perdedora. Há toda uma geração de
investidores que nunca ganhou muito”. Três dias depois, James Mackintosh
escreveu algo semelhante no Financial Times: os economistas estão começando a
admitir que a Grande Recessão atingiu permanentemente o crescimento… Os
investidores estão mais pessimistas”. E, ainda mais importante, o New York
Times publicou, em 14/8, reportagem sobre o custo crescente de negociações mais
rápidas. Em meio ao artigo, podia-se ler: “[Os investidores] estão
desconcertados por um mercado que não ofereceu quase retorno algum na última
década, devido às bolhas especulativas e à instabilidade da economia global.
Quando se constata que muito
poucos concentraram montanhas incríveis de dinheiro, pergunta-se: como o
mercado de ações pode ter se tornado “perdedor”? Durante muito tempo, o
pensamento básico sobre os investimentos afirmava que, a longo prazo, o ganho
com ações, corrigido pela inflação, era alto – em especial, mais alto que o dos
papéis do Estado (bônus). Esta era a recompensa pelos riscos derivados da
grande volatilidade, a curto e médio prazo, das ações. Os cálculos variam, mas
em geral admite-se que, no século passado, o retorno das ações foi bem mais
alto que o dos bônus, desde, é claro, que a aplicação fosse mantida.
Não se leva tanto em conta que,
no mesmo período de um século, os lucros das ações corresponderam mais ou menos
a duas vezes o aumento do PIB – algo que levou alguns analistas a falar num
“efeito Ponzi”. Ocorre que os maravilhosos ganhos com ações ocorreram, em
grande parte, no período a partir do início dos anos 1970, a era do que é
chamado de globalização, neoliberalismo e ou financeirização.
Mas o que ocorreu de fato,
neste período? Deveríamos notar, de início, que o período pós-1970 seguiu-se à
época de maior crescimento (por larga margem) na produção, produtividade e
mais-valia global, na história do economia-mundo capitalista. É por isso que os
franceses chamam este período de trente glorieuses – os trinta anos (1943-1973)
gloriosos. Em minha linguagem analítica, foi uma fase A do ciclo Kondratieff.
Quem possuía ações neste período deu-se, de fato, muito bem. Assim como os
empresários em geral, os trabalhadores assalariados e os governos, no que diz
respeito às receitas. Parecia que o capitalismo, como sistema-mundo, teria um
poderoso impulso, após a Grande Depressão e as destruições maciças da II Guerra
Mundial.
Porém, tempos tão bons não
duraram para sempre, nem poderiam. Por um motivo: a expansão da economia-mundo
baseou-se em alguns quase-monopólios, nas chamadas indústrias-líderes. Duraram
até serem solapados por competidores que conseguiram, finalmente, entrar no
mercado mundial. Competição mais acirrada reduziu os preços (sua virtude), mas
também a lucratividade (seu vício). A economia-mundo mergulhou numa longa estagnação
nos trinta ou quarenta anos inglórios seguintes (1970s – 2012 e além). Este
período foi marcado por endividamento crescente (de quase todo mundo),
desemprego global em alta e retirada de muitos investidores (talvez a maior
parte) para os títulos do Tesouro dos Estados Unidos.
Tais papéis são seguros, ou
pelo menos mais seguros, mas não muito lucrativos, exceto para um grupo cada
vez menor de bancos e hedge funds que
manipularam as operações financeiras em todo o mundo – sem produzir valor
algum. Isso nos trouxe aonde estamos: um mundo incrivelmente polarizado, com os
salários reais muito abaixo de seus picos nos anos 1970 (mas ainda acima de
seus pisos, nos 1940) e as receitas estatais significativamente rebaixadas,
também. Uma sequência de “crises da dívida” empobreceu uma sequência de zonas
do sistema-mundo. Como resultado, o que chamamos de demanda efetiva contraiu-se
em toda parte. É ao que Sorkin se referia, quando afirmou que o mercado de
ações já não é atrativo, como fonte de lucros para acumular capital.
O núcleo do dilema tem a ver
com as contradições centrais do sistema. O que maximiza os ganhos, a curto
prazo, para os produtores mais eficientes (margens de lucro ampliadas), oprime
os compradores, a longo prazo. À medida que mais populações e zonas integram-se
completamente à economia-mundo, há cada vez menos margem para “ajustes” ou
“renovações” – e cada vez mais escolhas impossíveis para investidores,
consumidores e governos.
Lembremos que a taxa de
retorno, no século passado, foi o dobro do aumento do PIB. Isso poderia se
repetir? É difícil de imaginar – tanto para mim, quanto para a maior parte dos
investidores potenciais no mercado. Isso gera as restrições com que nos
deparamos todos os dias nos Estados Unidos, Europa e, breve, nas “economias
emergentes”. O endividamento é alto demais para se sustentar.
Por isso, temos, por um lado,
um apelo político poderoso à “austeridade”. Ela significa, na prática, eliminar
direitos (como aposentadorias, qualidade da assistência médica, gastos com
educação) e reduzir o papel dos governos na garantia de tais direitos. Porém,
se a maioria das pessoas tiver menos, elas gastarão obviamente menos – e quem
vende encontrará menos compradores – ou seja, menor demanda efetiva. Portanto,
a produção será ainda menos lucrativa (reduzindo os ganhos com ações); e os
governos, ainda mais pobres.
É um círculo vicioso e não há
saída fácil aceitável. Pode significar que não há saída alguma. É algo que
alguns de nós chamamos crise estrutural da economia-mundo capitalista. Produz
flutuações caóticas (e selvagens) quando o sistema chega a encruzilhadas, e
surgem lutas duríssimas sobre que sistema deveria substituir aquele sob o qual
vivemos.
Os políticos e “especialistas”
preferem não enfrentar esta realidade e as escolhas que ela impõe. Mesmo um realista,
como Sorkin, termina sua análise expressando a esperança que que a economia
terá “um impulso”; e a sociedade, “fé a longo prazo”. Se você pensa que será
suficiente, posso me oferecer para vender-lhe a Ponte de Brooklin.
Fonte: Outras
Palavras
Um comentário:
Belíssima análise. Faltou apenas as credenciais do autor.
Ferdinand M. da Silva
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