João Ricardo Penteado
No esforço para restaurar verdade sobre anos de chumbo,
documentário aborda luta estudantil no CRUSP e guerrilha efêmera em Ribeirão
Preto
Em meio ao início dos trabalhos
da Comissão da Verdade, a filmografia nacional sobre a ditadura militar está
prestes a ganhar nova contribuição. Dirigido por Marco Escrivão, o documentário
Memórias da Resistência vai trazer a história de ex-presos políticos que
participaram da resistência ao regime ditatorial que vigorou no Brasil entre
1964 e 1985. A expectativa de lançamento é para o fim do ano.
“O objetivo principal desse
trabalho é justamente manter bem viva a memória sobre esse momento histórico do
país e evitar que ele se repita algum dia”, diz Escrivão.
Na origem do documentário, um
fato bastante curioso. Em 2007, uma pilha de documentos antigos foi encontrada
por trabalhadores rurais em uma casa abandonada no meio de um canavial no
município de Jaborandi, interior de São Paulo. Um dos trabalhadores, que também
era estudante de História, reconheceu de imediato a relevância histórica dos
documentos. Tratava-se de material do DOPS (Delegacia de Ordem Política e
Social), um dos principais organismos de repressão política da Ditadura.
“Posteriormente, o Cleiton,
estudante de História, voltou à casa abandonada no canavial juntamente com um
professor de sua faculdade e eles recolheram todos os documentos que estavam
espalhados por lá. Tudo foi digitalizado e entregue ao Arquivo Público do
estado”, relembra Escrivão. Descobriu-se depois que a casa era de Tacito
Pinheiro Machado, um ex-delegado do DOPS.
Os documentos foram analisados
por membros do Instituto Práxis de Educação e Cultura, baseado em Franca-SP.
Entre eles, estava Tito Bellini, o professor de história que coletou os
documentos em primeira mão, e que decidiu encabeçar o projeto para a realização
de um documentário.
“O Tito inscreveu um projeto
para um edital de Mídias Livres do Ministério da Cultura em 2010. Em 2011 o
projeto foi aceito, e o Minc liberou 100 mil reais pra que fizéssemos, além do
documentário, seis boletins informativos, um livro e o site.”
A pilha encontrada no canavial
trazia fichas de presos políticos, envelopes de correspondências, relatórios, e
até um “Manual de Subversão e Contra-subversão”. A maior parte das fichas dizia
respeito a dois IPMs (Inquérito Policial Militar) em particular.
O primeiro é o IPM 114/69, que
tratava da atuação das Forças Armadas da Libertação Nacional (FALN), guerrilha
criada em meados de 1967 por dissidentes do PCB (Partido Comunista Brasileiro)
e que teve uma breve atuação na região de Ribeirão Preto-SP, até ser
desmantelada por agentes do regime.
O outro inquérito é o
IPM-CRUSP, que tratava da resistência política na moradia estudantil dos alunos
da USP (Universidade de São Paulo), outro grande polo de militantes contrários
à Ditadura.
São essas duas histórias que o
documentário vai contar.
“Entrevistamos no total doze
ex-presos políticos, ao longo de cinco meses. Eles contaram sobre a atuação na
resistência, o idealismo que compartilhavam, as torturas que sofreram”, fala
Escrivão.
Perguntado sobre como se sentiu
diante das histórias contadas, sobretudo dos relatos de torturas, Escrivão
respondeu confiante.
“De fato, a história mexeu um
pouco comigo e até aconteceu de ter pesadelos em algumas noites. Mas tenho em
mente que trabalhar nesse documentário, de certa forma, é continuar a luta que
essas pessoas travaram no passado, cumprindo um outro papel, o de resgate
histórico. E é esse sentimento, por exemplo, que me fez enfrentar 13 horas de
ônibus só para participar da primeira audiência pública da Comissão da Verdade
[ocorrida no dia 30 de agosto], onde pude divulgar o documentário”.
Fonte: Outras
Palavras
Nenhum comentário:
Postar um comentário