A defesa dos réus entra na fase final. Ministros começam a votar ainda esta semana Foto: Midiacom |
Mauro Santayana
O mundo não acabará neste
agosto, nem o Brasil entrará em crise, qualquer que venha a ser o resultado do
julgamento a que se dedicará o STF no mês que se inicia quarta-feira. Tampouco
se esperam grandes surpresas. Ainda que mantenham a necessária discrição – e se
registre, que neste caso, não conhecemos ainda manifestações intempestivas de
alguns julgadores – é plausível supor que os magistrados já estejam com seu
veredicto em mente. O relatório é deles conhecido, e o texto do revisor foi
distribuído, houve bastante tempo, até mesmo para redigir os votos. O que vai
ocorrer, nas demoradas sessões do julgamento, é o necessário rito, para que se
cumpra o devido processo legal. Apesar disso, não é de se desprezar a hipótese
de que surjam novas provas e contraprovas, em benefício, ou desfavor, dos réus.
A importância maior desse
julgamento está nas reflexões políticas e jurídicas que ele provocará.
Admitamos, como é provável, que os argumentos maiores da defesa – de que se
tratava de um financiamento, a posteriori de campanha eleitoral – venham a ser
admitidos pela alta corte, o que reduziria bastante a punição dos responsáveis.
O sistema eleitoral nas democracias modernas – e não só no Brasil, mas no mundo
inteiro – é deformado pela influência notória do poder econômico. Há um mercado
do voto, como há um mercado da fé, e um mercado da informação. Uma campanha
eleitoral é empreendimento complexo, que exige a presença de ideólogos e
profissionais de propaganda; de ativistas pagos; de impressos e da produção de
programas de rádio e televisão; de logística de transporte e de distribuição de
recursos e de pessoal. Em resumo: é preciso dinheiro, e muito dinheiro.
Esse é um dos paradoxos da
democracia moderna: sem dinheiro, não há o exercício do voto; com ele, e no
volume exigido, a legitimidade do sufrágio é posta em dúvida. Esse é um dos
argumentos de filosofia política contra o sistema capitalista, em que o poder
do Estado é visto como um bem de mercado, que pode ser ocupado pelos que pagam
mais. E não só os indivíduos os que adquirem esse poder: mais do que eles são
os grupos de interesse comum, como os banqueiros, os grandes proprietários
rurais, as confissões religiosas, as poderosas corporações econômicas,
nacionais e multinacionais. Isso, quando não há a interferência direta de
governos estrangeiros, como sempre ocorre e ocorreu despudoradamente com a ação
do IBAD, nas eleições de 1960 e 1962.
Sempre houve o financiamento
privado das campanhas, mas, nesse problema, como em todos os outros, funcionam
as leis dialéticas: a quantidade altera a qualidade. No passado, a maior parte
dos políticos se valia dos recursos privados de terceiros com alguma discrição,
e, alguns com constrangimento e pudor. É certo que desonestos sempre houve,
corruptos nunca faltaram, desde o governo de Tomé de Sousa até os tempos
recentes. Mas, com notável diferença, os candidatos, em sua imensa maioria,
quase nunca usavam dinheiro de campanha para seu proveito pessoal.
Em muitos casos, feita a
contabilidade final do pleito, destinavam as poucas sobras a instituições de
caridade, e, em caso contrário, arcavam com os saldos a pagar, sacrificando os
bens de família. Hoje, como frequentemente se denuncia, uma campanha eleitoral
pode ser um meio de enriquecimento, como qualquer outro. Essa situação perverte
todos os setores do Estado, com o superfaturamento das obras públicas, a
corrupção de servidores de todos os escalões. Os cidadãos, no entanto, já
demonstram sua reação contra essa perversão da vida social, como revelam
movimentos vitoriosos, entre eles a iniciativa da Lei da Ficha Limpa.
A inteligência política é
convocada a encontrar sistema de financiamento público de campanha, de forma
justa e democrática, a fim de que todos os candidatos tenham a mesma
oportunidade de dizer o que pretendem e pedir o voto dos cidadãos. Não é fácil
impedir a distorção do processo eleitoral, mas é preciso construir legislação
que reduza, se não for possível elimina-la, a influência do poder econômico no
processo político.
Estamos em um mundo que se
encasula no desencanto e na angústia com relação ao futuro. Há, porém, uma
promessa de justiça, na articulação de movimentos de protesto, no mundo
inteiro, contra a ditadura mundial do sistema financeiro que, de acordo com a
confissão de alguns culpados, se tornou uma quadrilha mundial de gangsters, ou
de “banksters”.
Esse termo preciso foi criado
para identificar os banqueiros responsáveis pela Depressão dos anos 30, e está
sendo reutilizado agora. Não podemos esmorecer na reação dos oprimidos contra
essa nova tentativa de ditadura mundial.
Fonte: Carta Maior
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