Ao investigar impotência de Obama diante de WallStreet e guinada
ultraconservadora dos republicanos, Krugman dispara: país entrou em crise com a
democracia
Por Paul Krugman e Robin
Wells,
Do New York Review of
Books
Tradução: Hugo
Albuquerque
28/08/2012.
Na primavera de 2012, a
campanha de Obama decidiu ir atrás da história de seu oponente, Mitt Romney, na
Bain Capital, uma firma de administração de fundos privados [private equity]
que se especializou em assumir o controle de empresas e multiplicar o capital
de seus investidores – às vezes, promovendo seu crescimento, mas frequentemente
às custas dos seus trabalhadores. Na verdade, houve vários casos em que a Bain
conseguiu lucrar mesmo quando as empresas adquiridas foram à falência.
Havia razões política claras
para tal atitude. O próprio senador Ted Keneddy havia suscitado, com sucesso, a
história dos trabalhadores arruinados pela Bain, em sua campanha contra Ronney
em Massachussetes, em 1994. Além disso, o único discurso possível para Romney,
na atual disputa pela presidência, é sua afirmação de que pode, como um homem
de negócios bem- sucedido, consertar a economia. Fazia todo o sentido apontar
as muitas sombras que pairam sobre a história de negócios de Romney – e fisar
que o que é bom para a Bain, definitivamente não serve aos Estados Unidos.
No entanto, enquanto
escrevíamos este artigo, dois políticos destacados do Partido Democrata minaram
a estratégia. Primeiro, Cory Booker, o prefeito de Newark, descreveu os ataques
ao private equity como “repugnantes”. Depois, ninguém menos do que Bill Clinton
apressou-se a descrever a história de Romney como “legítima”, acrescentando:
“Não acho que devemos ficar na posição em que dizer: ‘este é um trabalho ruim’,
ou ‘este é um bom trabalho’”. (Mais tarde, ele apareceu ao lado de Obama e
disse que uma presidência de Romney seria “calamitosa”).
O está acontecendo? A resposta
atinge o centro das decepções — políticas e econômicas – com o governo Obama.
Quando o presidente foi eleito,
em 2008, muitos progressistas esperavam uma repetição do New Deal. A situação
econômica era, afinal, muito semelhante. Como em 1930, um sistema financeiro
descontrolado levou primeiro a excesso de endividamento privado; e, em seguida,
a uma crise financeira. A contração econômica que se seguiu (e persiste até
hoje), embora não tão severa quanto a Grande Depressão, mantém uma semelhança
óbvia com a do século passado. Por que as políticas deveriam seguir um script
semelhante?
Mas, embora a economia de hoje
mantenha forte semelhança com a dos anos 1930, o cenário político não a
acompanha — pois nem os democratas, nem os republicanos são o que eram outrora.
Ao chegar à presidência com Obama, boa parte do Partido Democrata foi quase
capturada pelos interesses financeiros que levaram à crise. Como mostraram os
incidentes com Booker e Clinton, parte do partido permanece nesta condição.
Enquanto isso, os republicanos tornaram-se extremistas a um ponto que nunca se
imaginou, três gerações atrás. A oposição radical que Obama tem enfrentado em
questões econômicas contrasta com o fato de que a maioria dos republicanos no
Congresso votou a favor, e não contra, a principal conquista de Roosevelt: a
lei instituiu a Seguridade Social nos EUA, em 1935.
Essas mudanças nos partidos
políticos dos EUA explicam o motivo de não ter havido um segundo New Deal; e
por que a resposta política à crise econômica prolongada tem sido tão
inadequada. A captura parcial do Partido Democrata por Wall Street e o efeito
de distorção que ela produziu na política são os temas centrais do livro de
Noam Scheiber, The Escape Artists: How Obama’s Team Fumbled the Recovery [algo
como “Os Escapistas: Como a equipe de Obama se atrapalhou na recuperação”], uma
visão, a partir de dentro, das ações da equipe econômica de Obama, desde os
primeiros dias transição presidencial até o final de 2011.
Scheiber começa tratando da
influência que Wall Street exerceu sobre o conjunto da equipe econômica. Em suas
primeiras páginas, ele conta como a campanha de Obama apoiava-se nos conselhos
políticos de “acadêmicos obscuros, radicais sem muitos vínculos e burocratas
ultrapassados” – a exemplo de Austan Goolsbee, um jovem professor de economia
da Universidade de Chicago, e Paul Volcker, o octogenário embora ainda vigoroso
ex-presidente do Federal Reserve [o equivalente americano do Banco Central –
Nota da tradução]. Porém, em setembro de 2008, um outro grupo havia se formado
e começou a disputar influência. Era composto por endinheirados de dentro do
mercado. A maioria deles tinha trabalhado para o ex-secretário do Tesouro
[equivalente ao ministro da Fazenda no Brasil – nota da tradução] de Clinton,
Robert Rubin — que foi sócio da Goldman Sachs antes de integrar o governo de
Bill Clinton e, após sair, tornou-se diretor, conselheiro e depois presidente
do Citigroup. Eram os rubinistas.
Em pouco tempo, este grupo
substituiu inteiramente a equipe anterior. Por exemplo, a pessoa encarregada de
estudar possíveis contratações era Jason Furmam, economista de Washington que
dirigiu o Projeto Hamilton, um think tank de tendência neoliberal fundado por
Rubin e mantido por financistas simpatizantes do Partido Democrata. Mike Froman
– um auxiliar de Rubin durante seu mandato como secretário do Tesouro (e que o
acompanhara no Citigroup) — foi o chefe pessoal da equipe de transição formada
por Obama. Foi Froman quem indicou e apoiou, posteriormente, Larry Summers e
Tim Geithner como principais candidatos para o departamento do Tesouro.
Summers, economista de Harvard
e ex-subsecretário do Tesouro de Robert Rubin, (mais tarde, seu substituto como
secretário do Tesouro e também consultor de um fundo de hedge de Wall Street),
seria o principal assessor econômico de Obama, na condição de diretor do
Conselho Econômico Nacional. Geithner – que havia sido o braço direito de
Summers na secretaria do Tesouro de Clinton e, mais tarde, presidente do
Federal Reserve de Nova York – fora uma das três pessoas que agiram, no outono
de 2008, para salvar os maiores bancos do país, em termos muito favoráveis a
estes. Como Scheiber escreve: “Ao escalar Mike Froman como encarregado da
contratação, Obama escolheu para seu governo um staff composto por infiltrados
(do mercado financeiro) e gente do establishment”
O domínio dos rubinistas no
novo governo chocou muitos progressistas. Para muitos a revogação da Lei
Glass-Steagall, promovida por Bill Clinton e defendida por Robert Rubin (mas
contestada por Paul Volcker, presidente do FED), simbolizava as relações muito
amigáveis entre o governo Clinton e Wall Street, e ajudara a disparar a crise
financeira de 2008. A lei Glass-Steagall, datada da época da Grande Depressão,
proibia as instituições financeiras de manter contas bancárias garantidas pelo
Estado e, ao mesmo tempo, atuar nos mercados de derivativos. Ela não teria
impedido a implosão de 2008 em Wall Street. O incêndio teve como combustíveis
os níveis extraordinariamente elevados de alavancagem de bancos de investimento
como o Lehman e Merrill Lynch e a construção de imensos portfólios de hipotecas
de segunda linha, por instituições como o Bank of America. Mas os progressistas
estavam certos, ao lembrar que Wall Street fora perigosamente desregulada por
muito tempo, e que todo o país agora estava pagando por isso.
No entanto, o novo governo se
fez de surdo a estas preocupações. Como relata Scheiber, quando um senador
democrata protestou que a equipe liderada por Geithner e Summers tinha sido
muito simpática com Wall Street durante a década de 1990, Obama rejeitou as
preocupações, afirmando que “precisava de pessoas com quem pudesse contar em
uma crise. Além disso… eles tinham mudado”.
Foi algo como uma conspiração?
Não – como Scheiber explica, tudo foi menos intencional e mais complicados do
que parece. Por um lado, Obama tinha necessidade de ter mãos experientes
credibilidade imediata, em meio à pior crise financeira desde a Grande
Depressão. Por outro, pesou a inapetência do presidente por decisões politicas
fortes. Mas também é claro que a personalidade de Obama e seu temperamento
foram fundamentais para alinhar a sorte do presidente com a dos pupilos de
Rubin. Como Scheiber observa com correção, Obama e Tim Geithner têm, em comum,
infâncias similares como expatriados e um discreto estilo auto-depreciativo, que
os leva a evitar o conflito direto. Sem dúvida, a equipe econômica dos sonhos
de Obama deu-lhe a “afirmação intelectual” pela qual, observa Scheiber, “ele
suplicava.”
Mas essa equipe, que pode ter
dado a Obama afirmação intelectual, não lhe ofereceu deu conselhos muito bons.
No fim das contas, a resposta de Obama à crise financeira foi desequilibrada e
inadequada. Wall Street recebeu um resgate generoso, com poucas exigências de
contrapartidas; os trabalhadores e proprietários de imóveis hipotecados foram
abandonados, por planos impotentes de estímulo e redução das dívidas.
É verdade, nem todos os membros
da equipe agiram errado. Sabemos hoje que especialmente Christina Romer, uma
professora de Berkeley nomeada para chefiar o Conselho de Assessores Econômicos
de Obama, reivindicou, desde o início, um estímulo econômico muito maior que
proposto pelo governo. Mas Romer foi escanteada. Quem falava ao ouvido de Obama
era Larry Summers — uma pessoa que não tem vergonha em mostrar seu
brilhantismo. A princípio, isso poderia não fazer muita diferença. Enquanto
acadêmico, Summers defende perspectivas econômicas keynesianas não muito
diferentes das de Romer (ou das nossas). Mas, em vez de transmitir uma análise
econômica sóbria, ele tentou mostrar sua astúcia política antevendo o que o
Congresso estaria disposto a aceitar. Como resultado, deixou de defender a
causa de um estímulo econômico maior.
Mas é Tim Geithner, o
secretário do Tesouro de Obama, que aparece – ainda mais que o presidente –
como o elemento decisivo desta saga. Em contraste com Summers – retratado por
Scheiber como um rubinista flexível, disposto a alterar seus pontos de vista
diante de provas e convencido, em especial, de que os acionistas de bancos
socorridos podiam e devia pagar mais para os contribuintes – Geithner é
descrito como um rubinista doutrinário, que enxerga, como sua principal tarefa,
restaurar a confiança do mercado financeiro. Em sua cabeça, isso significa não
fazer nada que possa perturbar Wall Street.
Um pacote de socorro financeiro
era, sem dúvida, necessário. Mas Geithner atropelou Summers – e até mesmo Obama
– desenhando um resgate no qual: (I) os contribuintes assumiram todo o risco,
sem ganhar nada em troca; (II) as investidas especulativas do Goldman Sachs
contra a AIG [American International Group, que chegou a ser a maior seguradora
do mundo, faliu e foi resgatada pelo FED em 2008] foram honradas na íntegra e
validadas graças ao resgate da empresa pelo governo; e (III) o plano de
regulação dos mercados de derivativos foi, como disse um lobista, “o que o
próprio mercado gostaria de ter formulado”. Não houve, é claro, debate algum
sobre responsabilidade ou dolo, sequer uma insinuação de que os banqueiros
tinham feito algo errado, ao colocando a economia em tal situação. Isso, afina,
poderia “minar a confiança”…
Como Geithner conseguiu dominar
tão completamente as políticas econômicas? Em parte, graças sua habilidade como
articulador. Mesmo quando não podia ganhar uma disputa pelo argumento, ele o
fazia por outros meios. Muitas vezes, ele simplesmente esperava as pessoas
desistirem – foi sua tática com Rahm Emanuel, sabendo que a atenção maníaca
deste acabaria desviando-o para outro assunto. E, crucialmente, Geithner foi
autorizado pela falta de vontade de Obama em resolver impasses entre seus
assessores. Quando a opinião pública manifestou seu ódio diante do socorro aos
bancos, David Axelrod, Robert Gibbs, e Rahm Emanuel voltaram-se para Geithner e
insistiram com ele para que acionistas de bancos pagassem algum preço, pelo resgate
oferecido pelo governo ao setor bancário. Geithner simplesmente recusou-se a
ceder, argumentando de modo capcioso que os bancos já haviam pago um preço, por
serem forçados a levantar capital no mercado. Como Scheiber aponta com
precisão, esta fala ignorava o fato de que, ao respaldar os bancos durante sua
implosão autoinfligida, o governo norte-americano fornecera-lhes uma apólice de
seguro de bilhões de dólares. No final, Geithner ganhou.
Se Geithner foi o designer
ativo do plano de resgate de Wall Street, Obama foi o facilitador passivo da
intransigência do Partido Republicano. Scheiber descreve como, por inúmeras
vezes, a busca de soluções bipartidárias, por parte do presidente, deixou o
partido mais conservador em vantagem. Scheiber observa que “na mente de Obama,
‘partidário’ está igualado a ‘paroquial’, ou mesmo a ‘corrupto’”, o que o levou
a “fazer enormes concessões, antes mesmo que a negociação [sobre o estímulo à
economia] tivesse começado”. Também ressalta que o apetite do presidente para
ser aceito pelos dois partidos sempre foi “profundamente confuso” e que, ao
contrário da abordagem de Obama, “as pressões dos partidos podem muito bem
servir ao interesse público, quando não há outro caminho para passar a
legislação”.
O centrismo inato de Obama
levou-o a adotar a preocupação com o déficit orçamentário de Geithner e de
Peter Orszag (o chefe do Escritório de Orçamento e Gestão, outro protegido de
Rubin), desprezando os protestos verbais de Summers e Romer, para quem não era
o momento de se preocupar com déficits. Como resultado, Obama nunca compreendeu
que o estímulo econômico original foi suficiente. Esta posição deixou-o
emparedado quando se tornou claro – já no verão de 2010, ou mesmo antes — que
as medidas eram, na verdade, quase insignificantes.
O ponto mais baixo, no balanço
de Scheiber, foi participação inepta de Obama nas negociações de 2010 sobre o
destino dos cortes de tributos para os ricos, que haviam sido decretados no
governo Bush. A própria equipe econômica, profundamente preocupada porque “o
presidente estava ausente” do embate, passou a agir por conta própria. Foram
Geithner e o antigo braço direito político de Clinton, Gene Sperling, que
arrancaram concessões dos republicanos no acordo final, enquanto Obama ainda
procurava um consenso. Outra vítima desse período foi a busca real de qualquer
alívio da dívida para os proprietários de imóveis hipotecados. Por volta do
final de 2010, tanto Summers quanto Romer deixaram Washington frustrados.
O livro de Scheiber é,
portanto, uma história deprimente a respeito de quanto a influência de Wall
Street sobre os democratas livrou o sistema financeiro de pagar pelo caos que
provocou e evitar, de quebra uma regulamentação eficaz de sua atividade. Também
conta como Obama foi incapaz de confrontar os republicanos mais intransigentes.
Mas o que tornou este partido tão extremista? Este é, de diferentes maneiras, o
tema de dois outros livros recentes: Pity the Billionaire [algo como “Coitados
dos bilionários”] de Thomas Frank e The Age of Austerity [“A Era da
Austeridade”] de Thomas Edsall.
Frank concentra-se no que chama
de “algo único na história de movimentos sociais dos Estados Unidos: uma
conversão em massa para a teoria do livre mercado como resposta aos tempos
difíceis”. Trata-se de algo realmente notável. Afinal, por três décadas, antes
da crise financeira norte-americana, as políticas públicas e a política
institucional foram crescentemente dominadas pela ideologia do laissez-faire –
a crença de que os mercados (e os mercados financeiros, em particular) devem
ser autorizados a correr soltos. Depois, veio a queda inevitável. Mas, longe de
exigir um retorno a uma maior regulamentação, grande parte do eleitorado
norte-americano voltou-se para a visão de que a crise foi causada, em muito,
pela intervenção do Estado. Em consequência, este setor agrupou-se em torno de
políticos dispostos a mergulhar ainda mais fundo nas políticas que levaram à
crise.
Como isso aconteceu? A resposta
de Frank é que a causa foram os próprios resgates. Ao agir à la Geithner,
socorrendo os banqueiros sem rédeas e sem culpa, o governo Obama deixou grande
parte público norte-americano irritado e com a sensação – correta – de que
alguém estava fugindo com algo. A direita foi hábil em explorar essa sensação.
O famoso discurso de Rick Santelli da CNBC, em fevereiro de 2009 – que iniciou
o movimento Tea Party – foi uma denúncia do TARP, o resgate aos grandes bancos
aprovado nos últimos dias da administração Bush (embora uma enormidade de
eleitores acreditem que foi aprovado no governo Obama). É verdade que Santelli
dirigiu toda a sua ira para uma parte ínfima do TARP – a ajuda prevista aos
proprietários de imóveis em dificuldades, que, em grande parte, nunca se
materializou – evitando mencionar o socorro muito maior oferecido aos bancos.
Mas pelo menos ele estava culpando alguém, coisa que o governo Obama recusou-se
a fazer.
E na hora em que Obama começou,
timidamente, a sugerir que alguns banqueiros poderiam ter se comportado
relativamente mal, já era tarde demais. Todo o Partido Republicano (e grande
parte do eleitorado) já tinha aderido a uma narrativa na qual a crise financeira
de 2008 – que se seguiu a 14 anos de domínio da extrema-direita republicana no
Congresso e a oito anos nos quais os conservadores linha-dura controlaram todos
os três ramos do governo – foi causada… por excesso de intervenção do governo,
para ajudar os pobres e, especialmente, os não-brancos. Nas palavras de Frank:
O culpado, para variar, é o
governo…. Os funcionários forçaram os bancos a oferecer empréstimos especiais
para uma minoria de tomadores (…) e toda a crise financeira foi resultado da
interferência do governo.
Desse modo, a direita consegue
reposicionar-se como suposta inimiga do odiado “Big Business” – não porque ele
maneja negócios, mas porque seria “insuficientemente capitalista”. Não há
melhor prova da circulação deste ponto de vista, pontua Frank, que um artigo de
Paul Ryan [o vice-presidente na chapa de Mitt Rommey], na Forbes de 2009.
Intitulado “Abaixo o Big Business”, o texto exorta: “cabe ao povo americano –
inovadores e empreendedores, pequenos empresários… tomar uma atitude”.