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domingo, 1 de dezembro de 2013

Ditadura militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade

Remoção da Favela da Praia do Pinto, Zona Sul do
Rio de Janeiro (década de 60) Crédito Arquivo Nacional/Correio da Manhã
Neste artigo, Mário Sergio Brum analisa as condições políticas e econômicas que possibilitaram a execução da política de remoção de favelas promovida pela Ditadura Militar instaurada em 1964, no então Estado da Guanabara, bem como o entendimento de como este plano seguia pressupostos estruturados na conjuntura democrática anterior, a partir da permanência do estigma de favelado como alguém marginal, ilegal e sem ‘direito à cidade’. Desse modo, a partir da consolidação do estigma a remoção das favelas passou a ser praticamente a única política de Estado para as favelas cariocas no período 1968-1973.

O artigo “Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade (1969-1973)”, de Mário Sérgio Brum, é um dos destaques do Dossiê: “Direito àCidade na Metrópole”, da Revista Cadernos Metrópole nº 28.

No começo do trabalho, Brum argumenta que na década de 1960, a política de segregação espacial da cidade promovida pelos governos Federal e da Guanabara tomou proporções inéditas, com a remoção de favelados das áreas centrais da cidade, particularmente na valorizada Zona Sul, e a consequente transferência desses para terrenos vazios na periferia, a algumas dezenas de quilômetros do centro da cidade e de seus antigos empregos. Esse período pode ser caracterizado como a “era das remoções”, quando foi implementada uma política sistemática de erradicação das favelas.

Esse período trouxe uma mudança drástica na relação entre Estado e favelas: a partir de 1969, no contexto ditatorial, a remoção, ameaça sempre presente na vida das favelas, pôde ser executada com força total, garantida por uma repressão nunca vista antes. O poder do voto, que anteriormente havia sido utilizado pelos favelados através de diversas estratégias de sobrevivência, estava bastante enfraquecido, e os favelados veriam drasticamente reduzidas suas margens de manobra para se contraporem aos interesses envolvidos na erradicação das favelas.

Ditadura Civil-Militar de 1964 e as favelas

Com o regime instaurado a partir do golpe ocorrido de 31 de março para 1 de abril de 1964, a ideia da remoção de favelas ganharia um ímpeto nunca tido antes. O “problema-favela” clamava, segundo autoridades e setores da sociedade, por uma solução urgente, tendo o número de habitante destas praticamente dobrado entre 1950 e 1960, passando de cerca de 170 mil moradores, correspondendo a 7,2% do total da população da cidade, para 335 mil, 10% da população total (Ribeiro e Lago, 1991), cifras que alarmavam os que viam a favela como uma infestação urbana que crescia sem controle.

Na imprensa, o crescimento das favelas é noticiado com certo alarde: “De Vigário Geral até a Barra da Tijuca, contudo, não há quem não saiba que as favelas estão crescendo” (Jornal do Brasil, 1968c). Num editorial do Jornal do Brasil por ocasião das chuvas de 1966, quando ocorreram deslizamentos e mortes em várias favelas do Rio de Janeiro, a defesa da remoção é veemente:

No ponto em que chegamos, não há no Rio qualquer outro problema que apresente tanta urgência em ser resolvido quanto as favelas (…). A extinção das favelas justifica a paralisação de todos os programas de embelezamento urbanístico da cidade, pois não há melhor forma de ressaltar o esforço de melhoria da Guanabara do que a eliminação do contraste brutal e injusto das favelas com o perfil dos edifícios e a linha da paisagem favorecida. (Jornal do Brasil, 1966).

Num documento do Governo da Guanabara, já sob a gestão de Negrão de Lima (1965-1971), em que o programa de remoções é apresentado, diz-se que ele é necessário para a cidade: “quando se libera das desoladoras favelas que se espalhavam já por 230 pontos diferentes e que, segundo os futurologistas, tendiam a abranger, nos próximos 30 anos mais de três milhões e meio de habitantes” (Governo da Guanabara, 1969).

A centralização política e administrativa do período da ditadura, por sua vez, traduziu-se numa maior disponibilidade de recursos técnicos e financeiros, propiciando as condições para a execução do propósito de ordenar o território urbano numa escala jamais vista.

Santos aponta que: O país tem enfim os recursos tecnológicos e financeiros para levar à prática as ideologias “ordenadoras” das cidades. Melhor ainda: existe uma força política concentrada e coerente que é potenciada exatamente por sua exclusividade discricionária e pelos meios materiais de ação que não existiam nas primeiras décadas do século [XX], por maiores que fossem as elaborações teóricas e as intenções decorrentes. (Santos, 1984)

Podemos comprovar a hipótese, narrada com certo orgulho, num material da CHISAM (Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana), autarquia do governo federal responsável pelo programa de remoções na Guanabara e Grande Rio, ao reproduzir uma reportagem do jornal Diário de Notícias:

Ninguém tem a menor dúvida – antes, tem a sólida experiência – de que, antes de 31 de março de 1964, tentar efetivamente a extinção das favelas, com a indispensável remoção dos favelados, seria obra praticamente impossível. E não só pelas dificuldades financeiras, na obtenção de novas moradias em que alojar os moradores das favelas; principalmente, pela reação organizada, não tanto pelos favelados, mas sobretudo pelos que tinham e têm grandes interesses na exploração desses infelizes conglomerados humanos. (Diário de Notícias, 1971, apud CHISAM, 1971)

Para ler o artigo completo “Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade (1969-1973)”, de Mário Sérgio Brum, acesse a Revista Cadernos Metrópolenº 28.


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