Remoção da Favela da Praia do Pinto, Zona Sul do Rio de Janeiro (década de 60) Crédito Arquivo Nacional/Correio da Manhã |
Neste artigo, Mário Sergio Brum
analisa as condições políticas e econômicas que possibilitaram a execução da
política de remoção de favelas promovida pela Ditadura Militar instaurada em
1964, no então Estado da Guanabara, bem como o entendimento de como este plano
seguia pressupostos estruturados na conjuntura democrática anterior, a partir
da permanência do estigma de favelado como alguém marginal, ilegal e sem
‘direito à cidade’. Desse modo, a partir da consolidação do estigma a remoção
das favelas passou a ser praticamente a única política de Estado para as
favelas cariocas no período 1968-1973.
O artigo “Ditadura
civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade
(1969-1973)”, de Mário Sérgio Brum, é um dos destaques do Dossiê: “Direito àCidade na Metrópole”, da Revista Cadernos Metrópole nº 28.
No começo do trabalho, Brum
argumenta que na década de 1960, a política de segregação espacial da cidade
promovida pelos governos Federal e da Guanabara tomou proporções inéditas, com
a remoção de favelados das áreas centrais da cidade, particularmente na
valorizada Zona Sul, e a consequente transferência desses para terrenos vazios
na periferia, a algumas dezenas de quilômetros do centro da cidade e de seus
antigos empregos. Esse período pode ser caracterizado como a “era das remoções”,
quando foi implementada uma política sistemática de erradicação das favelas.
Esse período trouxe uma mudança
drástica na relação entre Estado e favelas: a partir de 1969, no contexto
ditatorial, a remoção, ameaça sempre presente na vida das favelas, pôde ser
executada com força total, garantida por uma repressão nunca vista antes. O
poder do voto, que anteriormente havia sido utilizado pelos favelados através
de diversas estratégias de sobrevivência, estava bastante enfraquecido, e os
favelados veriam drasticamente reduzidas suas margens de manobra para se
contraporem aos interesses envolvidos na erradicação das favelas.
Ditadura Civil-Militar de 1964 e as favelas
Com o regime instaurado a
partir do golpe ocorrido de 31 de março para 1 de abril de 1964, a ideia da
remoção de favelas ganharia um ímpeto nunca tido antes. O “problema-favela”
clamava, segundo autoridades e setores da sociedade, por uma solução urgente,
tendo o número de habitante destas praticamente dobrado entre 1950 e 1960,
passando de cerca de 170 mil moradores, correspondendo a 7,2% do total da
população da cidade, para 335 mil, 10% da população total (Ribeiro e Lago,
1991), cifras que alarmavam os que viam a favela como uma infestação urbana que
crescia sem controle.
Na imprensa, o crescimento das
favelas é noticiado com certo alarde: “De Vigário Geral até a Barra da Tijuca,
contudo, não há quem não saiba que as favelas estão crescendo” (Jornal do
Brasil, 1968c). Num editorial do Jornal do Brasil por ocasião das chuvas de
1966, quando ocorreram deslizamentos e mortes em várias favelas do Rio de
Janeiro, a defesa da remoção é veemente:
No ponto em que chegamos, não
há no Rio qualquer outro problema que apresente tanta urgência em ser resolvido
quanto as favelas (…). A extinção das favelas justifica a paralisação de todos
os programas de embelezamento urbanístico da cidade, pois não há melhor forma
de ressaltar o esforço de melhoria da Guanabara do que a eliminação do
contraste brutal e injusto das favelas com o perfil dos edifícios e a linha da
paisagem favorecida. (Jornal do Brasil, 1966).
Num documento do Governo da
Guanabara, já sob a gestão de Negrão de Lima (1965-1971), em que o programa de
remoções é apresentado, diz-se que ele é necessário para a cidade: “quando se
libera das desoladoras favelas que se espalhavam já por 230 pontos diferentes e
que, segundo os futurologistas, tendiam a abranger, nos próximos 30 anos mais
de três milhões e meio de habitantes” (Governo da Guanabara, 1969).
A centralização política e
administrativa do período da ditadura, por sua vez, traduziu-se numa maior
disponibilidade de recursos técnicos e financeiros, propiciando as condições
para a execução do propósito de ordenar o território urbano numa escala jamais
vista.
Santos aponta que: O país tem
enfim os recursos tecnológicos e financeiros para levar à prática as ideologias
“ordenadoras” das cidades. Melhor ainda: existe uma força política concentrada
e coerente que é potenciada exatamente por sua exclusividade discricionária e
pelos meios materiais de ação que não existiam nas primeiras décadas do século
[XX], por maiores que fossem as elaborações teóricas e as intenções
decorrentes. (Santos, 1984)
Podemos comprovar a hipótese,
narrada com certo orgulho, num material da CHISAM (Coordenação de Habitação de
Interesse Social da Área Metropolitana), autarquia do governo federal
responsável pelo programa de remoções na Guanabara e Grande Rio, ao reproduzir
uma reportagem do jornal Diário de Notícias:
Ninguém tem a menor dúvida –
antes, tem a sólida experiência – de que, antes de 31 de março de 1964, tentar
efetivamente a extinção das favelas, com a indispensável remoção dos favelados,
seria obra praticamente impossível. E não só pelas dificuldades financeiras, na
obtenção de novas moradias em que alojar os moradores das favelas;
principalmente, pela reação organizada, não tanto pelos favelados, mas
sobretudo pelos que tinham e têm grandes interesses na exploração desses
infelizes conglomerados humanos. (Diário de Notícias, 1971, apud CHISAM, 1971)
Para ler o artigo completo
“Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a
cidade (1969-1973)”, de Mário Sérgio Brum, acesse a Revista Cadernos Metrópolenº 28.
Fonte: Observatório
das Metrópolis
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