45 anos depois, jornalista Cid Benjamin, autor do livro Gracias a la vida: Memórias de um militante, descreve o contexto e analisa as consequências do AI-5
Vivian Virissimo,
do Rio de Janeiro
17/12/2013
No dia 13 de dezembro,
completou- se 45 anos de um dos capítulos mais sombrios da recente história do
país: a edição do Ato Institucional número 5, o AI-5, que vigorou por uma
década durante a ditadura militar.
Para analisar o instrumento que
deu amplos poderes aos militares, o Brasil de Fato entrevistou o jornalista Cid
Benjamin, autor do livro Gracias a la vida: Memórias de um militante. Cid lutou
contra a ditadura e foi barbaramente torturado enquanto esteve preso em 1970.
Brasil de Fato – No livro, você
fala que o AI-5 tornou a repressão escancarada. Onde você estava e como era o
contexto da época quando esse ato passou a vigorar?
Cid Benjamin – O AI-5 foi
editado em dezembro de 1968. O endurecimento da ditadura era um processo que já
se previa. Em um dado momento, foi votado na Câmara o pedido que a ditadura
tinha feito para que houvesse licença para processar o deputado Márcio Moreira
Alves. Ele tinha feito um discurso bobo, perto do 7 de setembro, conclamando as
mocinhas a não dançarem com os cadetes, por conta da ditadura militar. Como a
Câmara não deu licença para que o deputado fosse processado, isso foi tomado
como pretexto para a edição do AI- 5 que já vinha sendo preparado e aconteceria
de qualquer forma. Eu estava na rua, semiclandestino, ainda não tinha começado
a fazer ações armadas. Nossas primeiras ações foram em fevereiro do ano
seguinte, mas já estava fazendo treinamento com armas quando houve a
confirmação do AI-5. Não foi surpresa, era algo que já vinha se delineando, já
era esperado esse fechamento maior da ditadura. Mas os termos não eram
conhecidos.
O que mudou com o AI-5?
Diferentemente dos quatro atos
anteriores, ele não tinha prazo para acabar. Os outros duravam 30, 60 dias etc.
Eles permitiam uma série de medidas como a censura à imprensa, cassação de
mandatos, demissão de funcionários públicos... Já o AI-5 ampliou o leque de
arbitrariedades. Ele permitiu uma limpa no Judiciário, que até então estava
sendo poupado, e proibiu a concessão de habeas corpus para acusados de crimes
políticos. Isso significava, na verdade, a luz verde para a tortura. Porque a
pessoa era presa e ficava incomunicável na mão dos carcereiros pelo tempo que
eles quisessem. Quando fui preso, por exemplo, em abril de 1970, a minha prisão
só foi legalizada 20 dias depois. Eu poderia ter morrido e desaparecido nesse
período inicial de torturas e não havia nenhum registro oficial. Esse contexto
permaneceu até o último dia do governo Geisel, 31 de setembro de 1978.
O que o AI-5 revela sobre
governos militares?
Ele instrumentalizou a ditadura
para o ápice do autoritarismo. Ele deu todos os poderes. Nada poderia ser
contestado. Como o Judiciário, a imprensa e o Congresso estavam cada vez mais
castrados, o clima de medo se instituiu de forma muito grande. Qualquer
denúncia de um vizinho, de um professor ou de um aluno poderia levar à prisão
do denunciado com as consequências mais variadas. Garantias legais foram
inteiramente suprimidas. Quando entrei pela primeira vez na principal sala de
torturas do Doi-Codi no Rio, haviam dois
cartazes rústicos, feitos a mão com os dizeres: “Aqui advogado só entra preso”
e “Aqui é o lugar que filho chora e a mãe não vê”. As torturas que já
aconteciam ganharam outro patamar. O AI-5 significou, entre outras coisas, o
sinal verde para que a tortura se transformasse em uma política de Estado.
Quarenta e cinco anos depois
qual é a herança do AI-5 para a sociedade brasileira?
É a pior possível. Regimes
autoritários tendem a embrutecer o país. Em todos os sentidos, não só no plano
intelectual, como no plano das relações sociais e políticas. Estou convencido
de que se não tivesse havido o AI-5 e, portanto, a tortura não tivesse sido uma
política de Estado desenvolvida tão amplamente, casos como o pedreiro Amarildo
não acontecessem tanto no país.
Você acha que a tendência é que
a Comissão da Verdade seja encerrada sem ter acesso aos arquivos da ditadura?
Acho um risco grave. Mas mesmo
assim se pode avançar muito. Embora o avanço substancial fosse com o acesso a
esses arquivos. Falta disposição para criar um barulho com as Forças Armadas.
Afinal, a presidência da República é a comandante das Forças Armadas. Não vejo
a presidenta peitando os militares e exigindo esses arquivos dando um soco na
mesa.
Fonte: Brasil de Fato
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