“A dimensão coletiva da criminalização da
vida dos pobres que permanece”.
Foto: Reprodução.
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“As possibilidades estão aí nos
corpos e mentes jovens, potentes e indomáveis que tomaram as ruas e
reatualizaram a ideia de ação direta, a ideia maquiaveliana dos tumultos que
produzem boa ordem, dos conflitos que criam as instituições da liberdade”, ressalta
o jurista e cientista político
21/11/2013
Por Márcia Junges
Do IHU On-Line
“A criminalização dos
movimentos sociais é pura e simplesmente a continuidade dessa incapacidade das
elites brasileiras de aceitar a ação política que vem de baixo. Os primeiros
movimentos sociais criminalizados foram os quilombos e, assim como os
quilombolas eram caçados, hoje os dissidentes pobres também o são", afirma
o cientista político Adriano Pilatti, que concedeu entrevista pessoalmente à
IHU On-Line quando esteve na Unisinos a convite do IHU.
Segundo ele, "esses
meninos que tomaram as ruas do Rio de Janeiro e que não querem ser traficantes,
nem milicianos, nem policiais, mas também não querem ser “escravos remunerados”
em sórdidos ambientes de trabalho. Eles querem ser cidadãos e são satanizados
pura e simplesmente porque põem uma máscara no rosto, independentemente do que
fizerem ou deixarem de fazer. O que poucos sabem é que, para muitos deles, que
vivem em territórios onde os direitos civis não chegaram, territórios
controlados por milícias, traficantes, etc., a máscara é um recurso de
autodefesa sem o qual seriam perseguidos ao retornarem para casa, ou perderiam
seus empregos, porque muitos trabalham para os seus territórios de origem, onde
os direitos civis não chegaram. O enunciado ‘se usa máscara, então faz
vandalismo’ é falso”.
Em seu ponto de vista, essa criminalização não
é nada mais do que “a dimensão coletiva da criminalização da vida dos pobres
que permanece”. E dispara: “O regime militar não acabou nas periferias, mudou
apenas a cor do uniforme”. Pilatti critica a postura de inúmeros intelectuais
brasileiros, ressentidos e irritados porque não conseguem mais encaixar a
realidade em seus “joguinhos de armar conceituais”. Além disso, reflete que,
frente a um sistema de poder “que nega e trai a vida a todo instante, a virtude
fundamental é desobedecer, é duvidar do tirano, é rir do poder. É não aceitar
essa falsa majestade dos homens e mulheres de capa preta”.
Adriano Pilatti é graduado pela
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre
em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro -
PUC-Rio e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro - Iuperj, com pós-doutorado em Direito Público Romano pela
Universidade de Roma I - La Sapienza. Foi assessor parlamentar da Câmara dos
Deputados junto à Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Traduziu o livro
Poder Constituinte - Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade, de Antonio
Negri (Rio de Janeiro: DP&A, 2002). É autor do livro A Constituinte de
1987-1988 - Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo (Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008).
Ele proferiu a conferência A
Constituição no Supremo Tribunal Federal: a (des)construção da democracia
brasileiraem 02-10-2013, no Seminário Constituição 25 Anos: República,
Democracia e Cidadania, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Confira
a entrevista.
IHU On-Line - Quais são os
principais desafios e impasses da democracia no Brasil?
Adriano Pilatti –
Primeiramente, penso que é preciso superar a plurissecular tradição autoritária
não só do Estado como da sociedade brasileira. Nós nascemos, crescemos e
amadurecemos sob o signo do autoritarismo estatal e social, do autoritarismo de
Estado e de classe. Esses males de origem, para citar uma expressão do Manoel
Bomfin, ainda produzem efeitos terríveis na sociedade brasileira. Não
entendemos o padrão de violência policial que temos no Brasil sem lembrar que
tivemos 388 anos de escravismo e de domínio brutal sobre os corpos produtivos.
Não conseguimos entender a extrema dificuldade que tem o patronato brasileiro
de olhar para o trabalhador e ver nele um sujeito de direitos sem remontar,
igualmente, ao período escravista. A recente extensão dos direitos mínimos de
proteção ao trabalho às empregadas domésticas revelou bem o quanto a
mentalidade escravocrata está profundamente arraigada não apenas nas classes
dominantes, mas também nas classes médias e na pequena burguesia.
Demofobia
As representações dos sistemas
políticos representativos, dos sistemas eleitorais e partidos políticos estão
em crise em todo o mundo democrático, e isso remonta a um problema de origem,
porque originariamente a representação política moderna, tal como concebida nos
Estados Unidos no pensamento dos federalistas e na elaboração da Constituição
de 1787, foi pensada contra a democracia. Os federalistas diziam querer uma
república representativa na América para não ter democracia. A demofobia
explicava a necessidade de construir um sistema em que o povo, sobretudo os
pobres, os pequenos proprietários, os despossuídos e desvalidos não
exercitassem diretamente o poder. Essa era também a preocupação de Montesquieu
, o aristocrata que pensa em um regime de separação de poderes tanto para
superar o absolutismo monárquico quanto para prevenir a democracia e a
anarquia. Então a representação foi feita contra a democracia tanto na
Revolução Americana como na Revolução Francesa.
O que aconteceu é que, a partir
de 1848, com o ciclo de revoltas operárias que sacode toda a Europa e repercute
pelas áreas periféricas do mundo, a representação liberal burguesa, que era
oligárquica e foi concebida para ser oligárquica, para garantir o poder de
poucos e, sobretudo, o direito de propriedade, começa a se democratizar com as
lutas pelo sufrágio universal masculino, primeiro, porque a classe operária
também era machista, e depois com as outras minorias, as mulheres, as minorias
étnicas, as minorias religiosas e assim por diante.
Mal
necessário
Na verdade, a representação foi
se democratizando, mas esse processo tem um limite e isso explica o mal-estar.
“Fulano não me representa”, ou “sem partido” são expressões do mal-estar da
representação. Expressões equivalentes têm sido bradadas por jovens desobedientes
em Atenas, Roma, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Madri,Nova Iorque, Istambul e
assim por diante.
Justamente porque na combinação
de representação com desigualdade está o princípio de toda a corrupção. Se
alguém exerce poder em nosso nome em uma sociedade desigual, o princípio da
corrupção está estruturalmente instaurado. Então, o grande desafio da
democracia hoje é repensar as instituições, de certo modo salvar a
representação de si mesma, reduzir sua abstração, pois por muito tempo ainda
ela será necessária. Mas é necessária na estrita medida em que possa servir à
garantia da liberdade e dos direitos.
Hélio Pellegrino dizia que toda
instituição democrática é mal necessário, na medida em que sirva à consecução
de um bem. E o que se entende por bem na sociedade democrática? A liberdade, os
direitos, o respeito à diversidade. Então, essa é a medida de toda a
instituição, e o grande desafio da democracia hoje em todo o mundo é justamente
fazer que com as instituições que servem à liberdade, à igualdade e aos
direitos se deixem contagiar pelos movimentos que vêm de baixo, na sua
diversidade, na sua multiplicidade.
Direita e esquerda continuam
existindo, porque enquanto houver opressores oprimidos e exploradores
explorados haverá direita e esquerda. Mas as posições de direita e esquerda
variam conforme as questões. Uma instituição que, por exemplo, na questão da
terra está à esquerda pode estar à direita na questão de costumes e vice-versa.
Portanto, o grande desafio é não buscar a melhor forma de governo, como é a
obsessão de todo pensamento político desde os gregos, mas buscar as melhores
formas de liberação da potência produtiva, criativa, afetiva das pessoas.
Para acessar a entrevista por
completo, clicar Brasil de Fato
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