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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

“O regime militar não acabou nas periferias. Mudou apenas a cor do uniforme”, diz Pilatti

“A dimensão coletiva da criminalização da
 vida dos pobres que permanece”. 
Foto: Reprodução.
“As possibilidades estão aí nos corpos e mentes jovens, potentes e indomáveis que tomaram as ruas e reatualizaram a ideia de ação direta, a ideia maquiaveliana dos tumultos que produzem boa ordem, dos conflitos que criam as instituições da liberdade”, ressalta o jurista e cientista político

21/11/2013
Por Márcia Junges
Do IHU On-Line

“A criminalização dos movimentos sociais é pura e simplesmente a continuidade dessa incapacidade das elites brasileiras de aceitar a ação política que vem de baixo. Os primeiros movimentos sociais criminalizados foram os quilombos e, assim como os quilombolas eram caçados, hoje os dissidentes pobres também o são", afirma o cientista político Adriano Pilatti, que concedeu entrevista pessoalmente à IHU On-Line quando esteve na Unisinos a convite do IHU.

Segundo ele, "esses meninos que tomaram as ruas do Rio de Janeiro e que não querem ser traficantes, nem milicianos, nem policiais, mas também não querem ser “escravos remunerados” em sórdidos ambientes de trabalho. Eles querem ser cidadãos e são satanizados pura e simplesmente porque põem uma máscara no rosto, independentemente do que fizerem ou deixarem de fazer. O que poucos sabem é que, para muitos deles, que vivem em territórios onde os direitos civis não chegaram, territórios controlados por milícias, traficantes, etc., a máscara é um recurso de autodefesa sem o qual seriam perseguidos ao retornarem para casa, ou perderiam seus empregos, porque muitos trabalham para os seus territórios de origem, onde os direitos civis não chegaram. O enunciado ‘se usa máscara, então faz vandalismo’ é falso”.

          
Em seu ponto de vista, essa criminalização não é nada mais do que “a dimensão coletiva da criminalização da vida dos pobres que permanece”. E dispara: “O regime militar não acabou nas periferias, mudou apenas a cor do uniforme”. Pilatti critica a postura de inúmeros intelectuais brasileiros, ressentidos e irritados porque não conseguem mais encaixar a realidade em seus “joguinhos de armar conceituais”. Além disso, reflete que, frente a um sistema de poder “que nega e trai a vida a todo instante, a virtude fundamental é desobedecer, é duvidar do tirano, é rir do poder. É não aceitar essa falsa majestade dos homens e mulheres de capa preta”.

Adriano Pilatti é graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, mestre em Ciências Jurídicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio e doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - Iuperj, com pós-doutorado em Direito Público Romano pela Universidade de Roma I - La Sapienza. Foi assessor parlamentar da Câmara dos Deputados junto à Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Traduziu o livro Poder Constituinte - Ensaio sobre as Alternativas da Modernidade, de Antonio Negri (Rio de Janeiro: DP&A, 2002). É autor do livro A Constituinte de 1987-1988 - Progressistas, Conservadores, Ordem Econômica e Regras do Jogo (Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008).

Ele proferiu a conferência A Constituição no Supremo Tribunal Federal: a (des)construção da democracia brasileiraem 02-10-2013, no Seminário Constituição 25 Anos: República, Democracia e Cidadania, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais são os principais desafios e impasses da democracia no Brasil?

Adriano Pilatti – Primeiramente, penso que é preciso superar a plurissecular tradição autoritária não só do Estado como da sociedade brasileira. Nós nascemos, crescemos e amadurecemos sob o signo do autoritarismo estatal e social, do autoritarismo de Estado e de classe. Esses males de origem, para citar uma expressão do Manoel Bomfin, ainda produzem efeitos terríveis na sociedade brasileira. Não entendemos o padrão de violência policial que temos no Brasil sem lembrar que tivemos 388 anos de escravismo e de domínio brutal sobre os corpos produtivos. Não conseguimos entender a extrema dificuldade que tem o patronato brasileiro de olhar para o trabalhador e ver nele um sujeito de direitos sem remontar, igualmente, ao período escravista. A recente extensão dos direitos mínimos de proteção ao trabalho às empregadas domésticas revelou bem o quanto a mentalidade escravocrata está profundamente arraigada não apenas nas classes dominantes, mas também nas classes médias e na pequena burguesia.

Demofobia

As representações dos sistemas políticos representativos, dos sistemas eleitorais e partidos políticos estão em crise em todo o mundo democrático, e isso remonta a um problema de origem, porque originariamente a representação política moderna, tal como concebida nos Estados Unidos no pensamento dos federalistas e na elaboração da Constituição de 1787, foi pensada contra a democracia. Os federalistas diziam querer uma república representativa na América para não ter democracia. A demofobia explicava a necessidade de construir um sistema em que o povo, sobretudo os pobres, os pequenos proprietários, os despossuídos e desvalidos não exercitassem diretamente o poder. Essa era também a preocupação de Montesquieu , o aristocrata que pensa em um regime de separação de poderes tanto para superar o absolutismo monárquico quanto para prevenir a democracia e a anarquia. Então a representação foi feita contra a democracia tanto na Revolução Americana como na Revolução Francesa.

O que aconteceu é que, a partir de 1848, com o ciclo de revoltas operárias que sacode toda a Europa e repercute pelas áreas periféricas do mundo, a representação liberal burguesa, que era oligárquica e foi concebida para ser oligárquica, para garantir o poder de poucos e, sobretudo, o direito de propriedade, começa a se democratizar com as lutas pelo sufrágio universal masculino, primeiro, porque a classe operária também era machista, e depois com as outras minorias, as mulheres, as minorias étnicas, as minorias religiosas e assim por diante.

Mal necessário

Na verdade, a representação foi se democratizando, mas esse processo tem um limite e isso explica o mal-estar. “Fulano não me representa”, ou “sem partido” são expressões do mal-estar da representação. Expressões equivalentes têm sido bradadas por jovens desobedientes em Atenas, Roma, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Madri,Nova Iorque, Istambul e assim por diante.

Justamente porque na combinação de representação com desigualdade está o princípio de toda a corrupção. Se alguém exerce poder em nosso nome em uma sociedade desigual, o princípio da corrupção está estruturalmente instaurado. Então, o grande desafio da democracia hoje é repensar as instituições, de certo modo salvar a representação de si mesma, reduzir sua abstração, pois por muito tempo ainda ela será necessária. Mas é necessária na estrita medida em que possa servir à garantia da liberdade e dos direitos.

Hélio Pellegrino dizia que toda instituição democrática é mal necessário, na medida em que sirva à consecução de um bem. E o que se entende por bem na sociedade democrática? A liberdade, os direitos, o respeito à diversidade. Então, essa é a medida de toda a instituição, e o grande desafio da democracia hoje em todo o mundo é justamente fazer que com as instituições que servem à liberdade, à igualdade e aos direitos se deixem contagiar pelos movimentos que vêm de baixo, na sua diversidade, na sua multiplicidade.

Direita e esquerda continuam existindo, porque enquanto houver opressores oprimidos e exploradores explorados haverá direita e esquerda. Mas as posições de direita e esquerda variam conforme as questões. Uma instituição que, por exemplo, na questão da terra está à esquerda pode estar à direita na questão de costumes e vice-versa. Portanto, o grande desafio é não buscar a melhor forma de governo, como é a obsessão de todo pensamento político desde os gregos, mas buscar as melhores formas de liberação da potência produtiva, criativa, afetiva das pessoas.


Para acessar a entrevista por completo, clicar Brasil de Fato

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