Ricardo Antunes
NÃO
Um espectro ronda o Brasil: o
da terceirização total, não só das atividades-meio, como já existe, mas também
das atividades-fim, como propõe o projeto de lei nº 4.330, do deputado Sandro
Mabel (PMDB-GO).
Sua justificativa é singela:
"A empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na
melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço". Mas a
propositura é eivada de falácias, como vamos indicar neste espaço.
Primeira falácia: a
terceirização cria empregos. Como hoje temos aproximadamente 12 milhões de
terceirizados no Brasil, ela cumpriria papel de relevo na ampliação do mercado
de trabalho.
Mas esse argumento omite que os
terceirizados têm jornada de trabalho em média bem maior do que o conjunto dos
assalariados contratados sem tempo determinado.
Assim, o que ocorre é que onde
três trabalham com direitos e por tempo não determinado, aproximadamente dois
terceirizados acabam por realizar o mesmo trabalho, padecendo de maior
intensificação e jornadas mais longevas. Desse modo, em vez de efetivamente
empregar, a terceirização desemprega.
Segunda falácia: os
terceirizados percebem salários, assim devem agradecer pelo emprego que obtêm.
Mas esse argumento
"esquece" que os salários dos terceirizados são bem menores do que os
dos demais trabalhadores, especialmente os que estão na base da indústria e dos
serviços. O que as pesquisam mostram, quando realizadas com rigor científico, é
que os terceirizados trabalham mais e recebem menos.
Terceira falácia: os
terceirizados têm direitos. Esse argumento omite que é exatamente neste âmbito
das relações de trabalho que a burla e a fraude se expandem como praga. E
quanto mais na base da pirâmide estão os assalariados terceirizados, maiores
são as subtrações.
Bastaria dizer que, na Justiça
do Trabalho, há incontáveis casos de terceirizados que não conseguem nem sequer
localizar a empresa contratante, que não poucas vezes desaparece sem deixar
rastro.
Muitos terceirizados estão há
anos sem usufruir as férias, pois a contingência e a incerteza avassalam o seu
cotidiano.
E, vale lembrar, só uma minoria
consegue ir à Justiça do Trabalho, pois o terceirizado não tem nem tempo nem
recurso e quase sempre carece do apoio de sindicatos para fazê-lo. E sabemos
que, nos serviços, setor no qual se expande celeremente a terceirização, viceja
também a ampla informalidade e a alta rotatividade.
Quarta falácia: terceirizar é
bom, pois "especializa" e "qualifica" a empresa. Mas seria
bom explicar por que essas atividades terceirizadas são as que frequentam com
mais constância as listas de acidentes de trabalho. E mais: no serviço público,
elas não raro aumentam os custos, sendo fonte inimaginável de corrupção.
Bastaria lembrar as empresas
terceirizadas que fazem a coleta do lixo urbano. E a brutalidade sem limites
que é ver um trabalhador correr como louco atrás dos caminhões para manter as
"metas" e a "produtividade" na coleta privada dos lixos nas
cidades.
O essencial que o PL 4.330
tenta esconder, em meio a tantas falácias, é que a terceirização, especialmente
para os "de baixo" que não dispõem do capital cultural que sobra aos
estratos superiores, têm dois objetivos basais. Primeiro, reduzir salários,
diminuindo direitos. Segundo, e não menos importante: fragmentar e desorganizar
ainda mais a classe trabalhadora, agora convertida em classe
"colaboradora".
Se aprovado esse PL 4.330, ele
terá um efeito erosivo ainda maior na nossa já gigantesca falésia social.
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