Marília Moschkovich
Na luta feminista, há muito
espaço para os homens. Mas alguns deles, tão convictos e extremados, querem…
indicar-nos o caminho!
Recebi recentemente algumas
críticas, ao aproximar a cultura de estupro das ideias um tanto filóginas – a
princípio – de autores conhecidos do atual jornalismo brasileiro. A filoginia
pode parecer contrária ao machismo, uma vez que coloca as mulheres como objeto
de admiração e amor. Se pensarmos um tiquinho, porém, é possível sacar de que
maneira a filoginia pode ser absolutamente machista, e como o pensamento do
machismo filógino compartilha as ideias mais básicas do que chamamos de
“cultura do estupro”.
Vamos pensar por etapas,
compreendendo essas definições todas. Vejam, o machismo é uma maneira de pensar
que coloca os homens como detentores do poder sobre as mulheres. Até aí,
imagino que não seja lá muito difícil entender, certo? Pois então; a filoginia
seria um grande amor generalizado pelas mulheres. Vocês já devem ter lido
textos como este, de Xico Sá, e este, de André Forastieri, que exaltam
qualidades das mulheres, nos elogiam e nos colocam numa posição quase de “seres
sagrados” – como são as vacas, para os hindus.
O cavalheirismo, por exemplo –
o homem pagar a conta da mulher num restaurante, quando saem como casal, ou
abrir a porta do carro para que ela entre, ou afastar e aproximar cadeiras à
mesa, etc – é uma confusa mistura dessas duas coisas. Tanto que a atitude é
sempre extremamente polêmica, quando as feministas entram na conversa. É desse
aparente conflito entre machismo e filoginia que surge a polêmica: amor e
admiração não seriam bons? Será que as feministas são mesmo umas mal-amadas?
É justamente esse suposto
conflito que precisamos desconstruir. A filoginia é em geral machista, mesmo
que o machismo não seja sempre filógino. Eu diria que este é apenas um dos
tipos de machismo que podemos identificar numa sociedade como a nossa: o
machismo filógino.
Os textos linkados no segundo
parágrafo são excelentes exemplos. Os machistas filóginos têm a plena convicção
de que estão fazendo um bem, ao definirem publicamente o que é certo, errado,
bom e ruim para as mulheres, e o que nós devemos ou não fazer. Usam seu
privilégio de homens, numa sociedade estruturalmente machista, com intenções a
princípio boas. Por exemplo, validar padrões estéticos diferentes dos mais
aceitos (como nos textos citados). Mas reforçam o machismo, porque entendem que
realmente teriam o poder de fazer essa validação. Nós mulheres, então, dependeríamos
de sua aceitação para nos aceitarmos.
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Além da heteronormatividade
escancarada nesse tipo de pensamento, também é possível notar que –
diferentemente do que qualquer feminismo possa jamais propor – o machismo
filógino está baseado em conferir aos homens poder sobre as mulheres. Quando um
homem qualquer defende que “as mulheres” façam, ou deixem de fazer, qualquer
coisa, simplesmente porque acha que é melhor, esse homem está necessariamente
sendo machista.
Isso não significa que não haja
espaço para homens na luta feminista. Significa apenas que eles precisam se
compreender nesta luta como coadjuvantes. Escutam, apoiam e adotam atitudes que
possam conferir mais poder às mulheres com quem convivem e menos a eles mesmos.
É só com uma vasta diminuição nas “chances de homens exercerem poder sobre
mulheres” (como diria Foucault, para quem o poder não é um bem que se pode
possuir) que ultrapassaremos, de vez, o machismo.
Por isso, caríssimos colunistas
supracitados, nós feministas dizemos com clareza: guardem para si mesmos suas
opiniões sobre as barrigas, bundas, magreza ou dobras de quaisquer mulheres.
Vocês não estão em posição de nos dizer como nós devemos ou podemos ser, ou
deixar de ser. Nem vocês, nem ninguém. A não ser que desejemos explicitamente
ser machistas. Eu (por enquanto) duvido que vocês queiram.
Fonte: Outras
Palavras
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