Yasser Arafat |
Relatório da equipe de investigadores suíços
apontou resquícios de polônio 210, numa quantidade 18 vezes superior à
considerada normal
Por Flávio Aguiar,
em Carta Maior
11 de novembro de 2013
Yasser
Arafat, o líder palestino de 75 anos, vivia em seu refúgio, transformado num
verdadeiro bunker em ruínas, em Ramallah, cercado por tropas israelenses. Em
outubro de 2004, depois de uma refeição, ele sentiu-se mal, com vômitos,
náuseas, dores e diarréia. O diagnóstico inicial foi de uma virose.
Entretanto
seu estado piorou rapidamente. Em consequência disto, ele foi retirado de lá
por um helicóptero e levado para um hospital militar francês, on de acabou
falecendo. Não foi feita uma autópsia então – o que foi um erro.
Naquela
época já especulou-se sobre a causa de sua morte. Teorias as mais díspares
foram levantadas: AIDS, leucemia, simplesmente velhice e outras – entre elas a
de envenenamento. Entre os suspeitos enfileiram-se os governos de Israel e
grupos palestinos rivais.
Em 2012
três equipes – uma russa, uma francesa e uma suíça – retiraram espécimes do seu
túmulo – restos de ossos, de tecido humano e amostras da terra sob o cadáver –
e recolheram objetos do morto, como sua escova de dentes e roupa de baixo.
O
primeiro relatório destas equipes – o da suíça – veio a público neste semana,
publicado pela Al Jazeera, depois de compartilha-lo com o britânico The
Guardian. Ele pode ser conferido neste endereço. São 108 páginas muito
detalhadas, com assinatura dos membros da equipe, do Centro Universitário de
Medicina Legal da Universidade de Lausanne. A conclusão objetiva do relatório é
a de que foram encontrados nos restos mortais do líder palestino e na terra sob
seu corpo resquícios de polônio 210, uma substância radioativa letal, numa
quantidade 18 vezes maior do que a normal. O resultado não surpreendeu, uma vez
que a mesma equipe já dissera ter encontrado resquícios elevados de polônio 210
nas roupas e outros objetos de Arafat.
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A
partir daí começam a entrar em cena os adjetivos e advérbios, para qualificar –
ou desqualificar – a afirmação. Ainda não se tem o relatório russo. Tem-se
apenas uma declaração de Vladimir Uibe, presidente da Federação Russa de
Medicina Biológica, declarando peremptariamente que não haveria indícios de
polônio nos restos de Arafat. Não se tem ainda o relatório dlos franceses –
que, de todos, será o mais complicado, porque na França, a pedido da viúva de
Arafat, existe uma investigação criminal sobre sua morte.
É óbvio
que os olhares se voltam para o governo de Israel e seus agentes secretos, como
os possíveis e até prováveis envenanadores do líder palestino.
Algumas
das declarações de representantes do governo, citadas na mídia internacional,
escolheram o caminho mais complicado ainda: desqualificar o relatório, a equipe
e a investigação, apontando-a como parte de uma “novela de tevê” (“soap opera”,
em inglês) ao invés de algo cientificamente sério. Aventaram até a
possibilidade da euipe suíça ser “parcial”, e que a única de fato independente
seria a francesa.
Uma
defesa mais apurada do governo israelense veio de mebros do governo de Ariel
Sharon, então o primeiro ministro em Tel Aviv, argumentando que Israel não
teria motivos para assassinar Arafat, na verdade, para esta visão, um ex-líder
isolado entre os palestinos. Comentários reproduzindo declarações do autor de
um livro sobre Arafat, Danny Rubinstein,
contestam o argumento: para ele nas semanas que antecederam a sua morte havia
seguidamente conversações no círculo próximo a Sharon sobre como “se livrar do
líder pelestino”. Mas os autores do arugumento e o governo israelense continuam
negando veementemente qualquer participação no episódio.
O
próprio relatório afirma que existem suficientes indícios para sustentar
“moderadamente” a tese de que Arafat possa ter sido envenenado por polônio 210.
Ao final, nas conclusões, o relatório organizar uma tabela com os indícios e os
argumentos pró e contra o envenamento. Os principais argumentos pró são os
sintomas apresentados por Arafat depois da refeição que parece ter sido o ponto
de partida da deterioração de seu estado, mais a presença dos resquícios da
substância letal. O principal argumento contrário é o da ausência de dois
sintomas característicos do envenenamento por radioatividade: queda de cabelo e
deterioração da medula óssea. Entretanto o próprio relatório diz que tais
sintomas são obrigatórios no caso de uma exposição externa material radiativo,
mas que poderiam não ocorrer numa ingestão do veneno, que é de ação
extremamente rápida e também de decomposição moderadamente rápida.
David
Barclay, expert britânico de medicina forense, citado em artigo de Angelique
Chrisafis (Guardian, 06/11/2013), alega que os indícios do relatório suíço são
mais conclusivos do que exprimem seus próprios comentários, dizendo que os
resquícios de polônio são como “um revólver fumegante”.
Algumas
coisas são absolutamente certas, no caso de ter de fato havido o envenenamento:
1) É
altamente improvável uma presença “natural” na residência de Arafat de tais
quantidades de polônio 210. Ninguém mais apresentou aqueles sintomas. Portanto,
se polônio houve, ele foi ingerido por Arafat, e só por ele.
2) Os
israelenses ao redor de Ramallah mantinham um controle rigoroso sobre tudo o
que entrava e saía da residência de Arafat: pessoas, objetos, comida, tudo.
Portanto, se o polônio chegou lá, ele passou através deles.
3) Das
duas uma: ou o polônio já veio de fora misturado em alguma comida dada a
Arafat, ou contou com a cumplicidade de alguém dentro da residência. Ambas
parecem possíveis.
Em
editorial (08/11/2013) o Guardian expressa a preocupação em nome de que os assassinatos deixem de ser moeda
comum e de troca entre as partes beligerantes na região.
Aguardam-se
os relatórios russo e francês, sendo que este último poderá instruir a
investigação criminal pedida também, no momento, pela Autoridade Palestina.
Este enredo, que nada tem de “soap opera”, vai continuar.
Para a
realização deste artigo consultaram-se as seguintes mídias: The Guardian, Der
Spiegel, Al Jazeera, New York Times, Haaretz e Jerusalem Post, além de outras
fontes citadas por estas.
Fonte: Outras
Palavras
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