Lincoln Secco*
"(...) O fato é que jovens
sem a cultura política tradicional resolveram deixar a ideologia da espera.
Tratados a pão e tijolo, enjaulados em terminais horrendos como o do Parque Dom
Pedro, submetidos a infinitas baldeações, eles perderam o medo. Descobriram que
não é a esperança que vence o medo. Mas a raiva (...)"
A imagem de um coronel da PM
paulista agredido chocou a imprensa. Deixemos de lado o fato estranho: numa
corporação militar não é comum que justamente o oficial de máxima patente fosse
deixado sozinho em meio a manifestantes que não costumam ser bem tratados por
seus soldados.
A presidente da República,
movida pelas pesquisas de opinião, logo se declarou contra os
"vândalos". A Folha de São Paulo já tinha uma pesquisa pronta para
revelar que 95% dos paulistanos são contra os Black blocs. Mas o mesmo jornal
não explica como a esmagadora maioria da população pode se posicionar sobre
aquilo que ninguém sabe o que é!
Afinal, a grande imprensa
costuma mostrar o "vandalismo" como um ato irracional. Por que,
afinal, alguém ataca caixas de banco? Um articulista da Folha de São Paulo
sugeriu covardemente o uso do exército contra manifestantes! Já o Governador
paulista, sempre movido pelo feixe para onde convergem suas idéias, pede que as
leis sejam mais duras para agressores de policiais. Ele sequer tem o pejo de
violar o artigo 5 da Constituição. Não somos todos iguais perante a lei? Sobre
a desmilitarização da polícia nem uma palavra, afinal é uma obra da ditadura
tão intocável quanto os torturadores ainda soltos por aí.
Depois dos confrontos do
terminal Parque Dom Pedro em São Paulo foram 78 os jovens encarcerados. Segundo
relato de um apoiador dos manifestantes, "na delegacia da Mooca havia um
advogado do grupo dos ativistas com uma marca de tiro de borracha no abdômen,
uma mãe rockeira orgulhosa do filho, pais moradores da Cohab e duas meninas da
USP, combativas, e muito gratas pela nossa presença inútil por ali, que era
basicamente para afastar os olhares repugnantes dos PMs rodeando no entorno
como cães impunes.
Mais surpreendente foi o caso
de um garoto que chegou de madrugada procurando o irmão que estava preso por
formação de quadrilha. Detalhe: estavam passeando em São Paulo, vieram de
Curitiba (portanto formaram a "quadrilha" em poucas horas).
O fato é que jovens sem a
cultura política tradicional resolveram deixar a ideologia da espera. Tratados
a pão e tijolo, enjaulados em terminais horrendos como o do Parque Dom Pedro,
submetidos a infinitas baldeações, eles perderam o medo. Descobriram que não é
a esperança que vence o medo. Mas a raiva.
Se algum articulista já esperou
de madrugada a saída do 1178 na Praça do Correio; depois chegou ao seu bairro e
levou a milésima batida policial, engoliu a seco, chutou tudo o que viu pela
frente e foi dormir chorando de raiva, deve só imaginar o que sente a juventude
mascarada.
O velho Mao disse certa vez:
uma Revolução "não pode ser assim tão refinada, calma e delicada , tão
branda, tão afável e cortês, comedida e generosa".
Não vivemos nenhuma revolução até
porque a ação dos blocos negros está muito longe da violência revolucionária,
especialmente num país com as taxas de homicídio do Brasil. Só a PM mata mais
gente do que alguns países em guerra declarada.
Excessos? Sem dúvida. Não
advogo aqui tudo o que se faz sob a tática dos blocos negros. Acredito que nem
eles. Quando uma esquerda revolucionária retomar seu lugar nas ruas, talvez
eles voltem para o fundo das periferias de onde saíram e deixem a direita e a
esquerda aliviadas.
Para os que têm dúvidas como
eu, repetiria o que me disse um colega há muitos anos numa greve: "eles
estão errados, mas se a repressão está do outro lado, eu não tenho dúvida.
Estarei sempre do lado de cá”.
* Professor de História da
Universidade de S. Paulo.
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