Carlos Alberto Lungarzo
14 de março de 2013
Não é um segredo para ninguém o
fato de que a totalidade das hierarquias católicas são inimigas da
homossexualidade (alheia), condenam o aborto até de fetos anencefálicos (o
aborto voluntário é admitido por todos os países Europeus, salvo Espanha),
advogam pelo celibato sacerdotal, proíbem o sexo por prazer, consideram a
mulher um ser inferior, etc.
Inclusive o aborto e o
homoerotismo são criticados pela assim chamada “Teologia da Libertação”, tida
como minoria progressista da Igreja.
Tampouco é novidade a histórica
aliança de 1700 anos entre a Igreja e as grandes ordens de Cavalheiros e,
depois, dos exércitos regulares, o que culminou no século XX com o apoio ao
fascismo e a sua versão mais truculenta, o sangrento franquismo espanhol.
Dizer que o novo papa,
Francisco, compartilha esses valores seria uma redundância.
Mas há alguns “segredos” na
vida do pontífice que nem todos conhecem fora de seu país de origem. De fato,
quando ele foi proclamado Papa, milhões de pessoas no mundo devem ter comprado
um mapa para saber onde tinha nascido aquele homem de aspecto simpático e
humilde, e biótipo de italiano do Norte. É natural que alguns desses detalhes
não se conheçam.
Para os que desejem
informar-se, há numerosos artigos na Internet, e até alguns livros, cujo
conteúdo o próprio Francisco tentou rebater num contra-livro, só em 2010,
quando sua condição de um dos grandes favoritos (já insinuada em 2005, quando
ganhou o segundo lugar após Ratzinger) se tornou mais concreta.
O leitor encontrará também outros textos,
alguns escritos por organizações que assinam como católicas. Eventualmente,
como em todos os casos, alguns textos podem não ser 100% verídicos, mas eu não
estou fazendo uma acusação. Estou apenas informando de acusações feitas por
outros, e cabe ao leitor se perguntar: “Qual seria o interesse dessas pessoas
em criticar um humilde servidor de Deus?”
A Argentina voltou à
normalidade democrática em 1983 quando o então padre Bergoglio estava com 47
anos. Nessa época, o atual papa era reitor do Colégio Máximo San José (da
cidade de San Miguel), o maior seminário de formação de sacerdotes da Argentina
(1980-1986) após ter sido, entre 1973 e 1979, o principal chefe (dito, na gíria
eclesial, provincial) da poderosa e influente ordem dos jesuítas.
Sendo Argentina um país
absolutamente católico, sem qualquer miscigenação com religiões nativas como no
resto das Américas, e tendo como exceção apenas uma comunidade judia que sempre
padeceu perseguição (e alguns evangélicos e islâmicos), tudo o que faz a Igreja
foi sempre claramente percebido pelo resto da sociedade. Aliás, ainda hoje,
Argentina talvez seja o único país (não sei o que acontece atualmente na
Polônia, mas eventualmente poderia ser um de dois casos), em que a Igreja não
está separada do Estado. Por exemplo, o Estado paga um salário aos bispos (não
sei se Bergoglio o aceita ou o doa), mas já houve um conflito com o Vaticano
quando Nestor Kirchner quis tirar a mensalidade de uns 3.000 dólares a um bispo
que propôs que o ministro Gines, defensor da camisinha, devia ser linchado.
Em 1983, Jorge Bergoglio, uma
figura austera, silenciosa, alheia a chamar a atenção, não tinha nenhuma
influência política evidente, mas acumulava muita influência invisível. Ele
utilizou essa influência para tentar mostrar um rosto “moderno” da Igreja,
modificando a imagem desta como cúmplice qualificado e ativo dos genocídios e torturas
generalizadas, que foram comuns na Argentina muitas vezes.
Por que fez isto? Muito
simples. Apesar de ter mais de 90% de católicos e da mística medieval que
impregna quase todas as instituições da Argentina (pelo menos, até a última vez
que eu estive em meu país de origem), a Igreja ganhou um enorme número de
inimigos combatentes, muitos dos quais, de maneira paradoxal, continuavam se
considerando católicos.
Esses inimigos formavam um
grande grupo de pessoas que eram parentes, amigos ou conhecidos qualificados
dos desaparecidos pela ditadura de 1976. O número de mortos em tortura e depois
desaparecidos foi tradicionalmente fixado em 30.000 no ano de 1978, mas eu
acredito que o número total deve ser muito maior, provavelmente entre 35.000 e
42.000, tendo em conta que a ditadura continuou até 1983.
(Não é este o lugar para
justificar esta afirmação que surge de documentação dispersa, e de documentos
internacionais parcialmente desclassificados.)
Unidos aos parentes dos
1.200.000 exilados, refugiados e asilados pelo mundo (ou seja, 3% dos
habitantes do país nesse momento), os familiares e amigos dos desaparecidos
deviam somar algo como 6 milhões, o que significa 20% da população. Calculo
que, embora muitas pessoas não tivessem parentes nem amigos, é razoável
considerar que a média de afetos por cada exilado ou desaparecido seja de 5
pessoas.
Como é bem conhecido, a Igreja
Católica apoiou intensa e devotadamente os crimes da ditadura, não apenas
encobrindo ou justificando-os, mas também dando apoio psicológico e
propagandístico, colocando a seu serviço seu aparato internacional (incluída a
máfia italiana e o grupo P2), abençoando as máquinas de choque e os
instrumentos usados para mutilação, e até, em vários casos, aplicando tortura
com suas próprias mãos.
Há pelo menos 40 livros em
espanhol e pelo menos 15 em inglês, dedicados de maneira total ou parcial à
cumplicidade da Igreja Católica com os crimes de Estado na Argentina nos anos
1976-1983, e milhares de páginas de Internet.
De todos os casos de católicos
aliados da ditadura, o mais espantoso é o do padre Christian Wernich, condenado
em 2007 a prisão perpétua. Os que sobreviveram a seu sacerdócio afirmam que, de
todos os torturadores civis e militares, ninguém era tão temido como o santo
confessor. Ele chamava “fazer a barba” a passar a máquina elétrica, mas esta
não era a máquina de barbear, mas de aplicar choque.
Com seu estilo discreto,
Bergoglio tentou jogar um manto de esquecimento nos fatos protagonizados por
uma das mais poderosas e compactas igrejas do planeta, num dos países mais
católicos do mundo, junto com a Polônia e a Irlanda. Não sabemos se ele
conseguiu refrear a saída de fieis da Igreja, já que no ano 2000, menos de 10%
do país assistia regularmente a missa. Mas, ele fez grandes esforços e até
permitiu a jornalistas estrangeiros que redigissem biografias sobre ele, e
escreveu sua própria versão de sua vida, tentando refutar algumas dúzias de
testemunhos que o acusavam de ter participado ativamente na ditadura. Ele fez
um trabalho similar ao de Pio XII, quando, depois da guerra, tentou disfarçar,
sem nenhum sucesso, a estreita colaboração do Vaticano com o nazismo.
Mas, antes de 1983, como era a
relação de Francisco com a ditadura?
Jesuítas e Crianças
Como em muitos outros países,
uma minoria de padres apoiou a causa dos direitos humanos e teve certa
militância no que foi chamado “Teologia da Libertação”.
Dois deles foram os jesuítas
Orlando Dorio and Francisco Jalic que propagavam uma visão social do
cristianismo em favelas e bairros populares. Estes padres foram capturados
pelos esquadrões da morte dos militares e submetidos a tortura, mas conseguiram
sobreviver. Enquanto Jalic se fechou num mosteiro alemão e nunca mais falou de
seu passado (e possivelmente, nunca voltou a Argentina), Dorio acusou
explicitamente a Bergoglio, que era a máxima autoridade de jesuítas, de ter
negado proteção, e ter permitido que ele fosse capturado.
Em vários dos links citados,
especialmente no editado pela UNISINOS, há numerosos detalhes que descrevem, em
total, uma quantidade apreciável de testemunhas. Embora a mídia brasileira
tenha ignorado estas afirmações e diga que são simples conjecturas, um número
tal de testemunhas seria possivelmente aceito por um tribunal penal.
Bergoglio usou por duas vezes
os privilégios de não acatar as decisões da justiça, privilégio que a Argentina
concede aos bispos, que têm um fórum privilegiado equivalente ao dos deputados,
senadores e presidentes. Em função disso, recusou dar depoimento aos tribunais
que julgaram os crimes contra a humanidade na época da ditadura.
Bergoglio aceitou, porém,
comparecer a uma terceira intimação, quando a pressão dos milhares de vítimas
se tornou muito intensa.
Segundo a advogada Myriam
Bregman que trabalha em direitos humanos, as afirmações de Bergoglio, quando
aceitou ir aos tribunais, mostram que ele e outros padres eram coniventes com
os atos praticados pela ditadura. Ele, porém, não foi indiciado, também com
base na “falta” de provas.
Em 1977, a família De la Cuadra
- formada por ativos defensores do direitos humanos (cuja matriarca Licha,
1915-2008, foi condecorada pelos governos democráticos posteriores à ditadura)
- teve sequestrados cinco de seus membros, dos quais apenas um reapareceu muito
depois.
O padre Bergoglio se recusou a
indagar onde eles estavam e até a ajudar a procurar uma criança recém nascida,
filha de uma das mulheres desaparecidas.
Em algumas ocasiões, o Santo
Padre não pode refutar que a ditadura argentina tinha feito numerosas
atrocidades, mas argumentou que isso foi uma resposta provocada pela esquerda,
que, segundo ele, também teria usado o terror. Este infame argumento, como
todos sabem, foi fortemente repudiado em todos os países que tiveram ditaduras
recentemente.
Durante o governo de Néstor
Kirchner e, após, o de sua esposa, Cristina Fernández, o atual papa, mantendo
seu estilo “sutil” aproveitou para criticar muitas vezes ao governo (que, como
o governo brasileiro, subiu ao poder pelo voto popular), o acusando de
ditatorial, de gerar o caos, de defender pessoas de vida sexual “abominável”,
etc.
Com seu estilo aparentemente
moderado, Bergoglio teve certo sucesso onde outros padres, que pregaram abertamente
a tortura e o genocídio dos ateus e marxistas, fracassaram. Com efeito, apesar
de ser unanimemente repudiado pelos defensores de direitos humanos, inclusive
os católicos, ele nunca foi processado, como aconteceu com o padre Wernich, e
até conseguiu forjar uma máscara de tolerância.
Os interessados podem ver, entre outros muitos, os seguintes links:
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