É inaceitável a intenção do
governo de abdicar da consolidação da rede pública e apostar no avanço de
planos de saúde ineficientes.
LIGIA BAHIA*
LUIS EUGENIO PORTELA*
MÁRIO SCHEFFER*
O desmonte
final do Sistema Único de Saúde (SUS) vem sendo negociado a portas fechadas, em
encontros da presidente Dilma Rousseff com donos de planos de saúde, entre eles
financiadores da campanha presidencial de 2010 e sócios do capital estrangeiro,
que acaba de atracar faminto nesse mercado nacional.
Na
pauta, a chave da porta de um negócio bilionário, que são os planos de saúde
baratos no preço e medíocres na cobertura, sob encomenda para estratos de
trabalhadores em ascensão.
Adiantado
pela Folha ("Cotidiano", 27/2), o pacote de medidas que prevê redução
de impostos e subsídios para expandir a assistência médica suplementar é um
golpe contra o SUS ainda mais ardiloso que a decisão do governo de negar o
comprometimento de pelo menos 10% do Orçamento da União para a saúde.
A
proposta é uma extorsão. Cidadãos e empregadores, além de contribuir com
impostos, serão convocados a pagar novamente por um serviço ruim, que julgam
melhor que o oferecido pela rede pública, a que todos têm direito. Em nome da
limitada capacidade do SUS, o que se propõe é transferir recursos públicos para
fundos de investimentos privados.
O SUS é
uma reforma incompleta, pois o gasto público com saúde é insuficiente para um
sistema de cobertura universal e atendimento integral. Isso resulta em carência
de profissionais, baixa resolutividade da rede básica de serviços e péssimo
atendimento à população.
Nos
delírios de marqueteiros e empresários alçados pelo governo à condição de
formuladores de políticas, o plano de saúde surgiria como "miragem"
para a nova classe média, renderia a "marca" da gestão e muitos votos
em 2014.
Pois o
mercado que se quer expandir com empurrão do erário não é exatamente um oásis
no meio do SUS. Autorizados pela agência reguladora, proliferam planos de saúde
pobres para pobres, substitutivos "meia-boca" do que deveria ser
coberto pelo regime universal.
Na vida
real, são prazos de atendimento não cumpridos, poucos especialistas por causa
de honorários ridículos, número insuficiente de serviços diagnósticos e de leitos,
inclusive de UTI, negativas de tratamentos de câncer, de doenças cardíacas e
transtornos mentais, redes reduzidas que impedem o direito de escolha e geram
longas filas e imposição de barreiras de acesso, como triagens e autorizações
prévias.
Quem
tem plano de saúde conhece bem esse calvário.
Limitados
pelos contratos, dirigidos a jovens sadios e formalmente empregados, os planos
de saúde não aliviam nem desoneram o SUS, pois fogem da atenção mais cara e
qualificada. Não são adequados para assistir idosos e doentes crônicos, cada
vez mais numerosos. Assim, os serviços públicos funcionam como retaguarda, uma
espécie de resseguro da assistência suplementar excludente.
Nos
Estados Unidos, a reforma de Obama enquadra os planos privados e tenta colocar
nos trilhos o sistema mais caro e desigual do mundo. País de recursos escassos,
se delegar o futuro a quem visa o lucro com a doença, o Brasil seguirá é o
caminho da Colômbia, que vive um colapso na saúde.
É
inaceitável, em uma sociedade democrática, a intenção do governo de abdicar da
consolidação do SUS, de insistir no subfinanciamento público e apostar no
avanço de um modelo privado, estratificado, caro e ineficiente.
O
Movimento Sanitário, o Conselho Nacional de Saúde, o Congresso Nacional, o Ministério
Público e o Supremo Tribunal Federal precisam se manifestar sobre esse
despropósito inconstitucional.
LIGIA
BAHIA, 57, é professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal
do Rio de Janeiro.
LUIS
EUGENIO PORTELA, 49, é professor da Universidade Federal da Bahia e presidente
da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
MÁRIO
SCHEFFER, 46, é professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Fonte: Folha
de S.Paulo
Um comentário:
O SUS é uma porcaria, mas sem ele é pior ainda! Eu acho que é as classes mais baixas terão a mesma porcaria de serviço que tinham pelo SUS (ou até pior), só que agora vão pagar diretamente por ele.
Sobre os 10% do orçamento federal pra a saúde, se for pra retribuir o favor de quem ajudou o grupo que está no governo a se eleger e com isso contribuir com o financiamento das eleições de 2014, eles vão colocar é uns 20% nas mãos dos planos de saúde. Mas quando é pro SUS manda 3,98%.
O negócio agora é não adoecer, porque se for pra depender do SUS ou dos planos de saúde, o melhor serviço que vamos ter será o funerário.
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