Autor do livro “Partido da Terra”, que expõe enorme presença dos
proprietários de terra nas instituições de poder, afirma: “latifundiários são
locomotiva do atraso no Brasil”
Por Alceu Luís Castilho
no blog do Sakamoto
Há, no Brasil, um sistema político
ruralista. Muito além do que se convencionou chamar de “bancada ruralista”.
Sim, a bancada existe, mas é apenas uma das expressões desse sistema. Dele
fazem parte histórias de um Brasil arcaico, não exatamente para exportação:
casos de trabalho escravo, de desmatamento, de ameaças a camponeses, a
indígenas. O Congresso Nacional apenas resume essas contradições, mas elas não
se limitam a ele.
Essas histórias têm assinatura
de políticos. A impressão digital desses senhores não se faz apenas a partir de
documentos impalpáveis, de burocracias distantes: mas também com terra, com
arame farpado. O poder se manifesta de modo concreto: territorialmente. Ele ocupa espaços múltiplos: das fazendas e
prefeituras até os corredores do Congresso e dos palácios. Passa pela
perpetuação de clãs e por um modo muito peculiar de multiplicar os bens rurais.
O livro mostra que os políticos
brasileiros possuem milhões de hectares sob controle direto. Sem falar de
outras dezenas de milhões que orbitam em torno desse poder. Eles são a
ponta-de-lança de uma lógica excludente, que tanto marca o Brasil:
desigualdade, terra para poucos. Um país que nem a reforma agrária fez. E vale
lembrar que a reforma agrária é um conjunto de ações que, muito longe de ser
revolucionário, fez parte da consolidação de regimes capitalistas tidos como
bem-sucedidos.
O sociólogo José de Souza
Martins consagrou a expressão “poder do atraso” para definir este país. Esse
atraso e esse poder têm os políticos como locomotiva. Por isso “Partido da
Terra” procura costurar as histórias de enriquecimento (a profusão de fazendas
milionárias, de cabeças de gado não declaradas), nem sempre legítimas, com
narrativas de um país violento: crimes ambientais, os biomas despedaçados, a
ação de aliciadores e jagunços.
Falta muito para alcançarmos a
transparência. O sistema eleitoral permite dados genéricos, declarações pela
metade. A justiça pouco pune os distraídos. Mas muitos mostram um certo prazer
em ostentar seus bens rurais. Quantos hectares possuem os políticos que já
foram acusados de trabalho escravo? Quantos são madeireiros? É o que cada
eleitor tem o direito de saber.
Os dados mostram que os
prefeitos do PSDB são os que têm mais hectares. Mais que os coronéis do PMDB e
do DEM. Entre os parlamentares não há surpresa: o PMDB lidera. Mas há
latifundiários no PT, no PDT, no PPS, no PSB, no PV. Por curiosidade, os
“filhos do MDB” possuem mais terras que os “filhos da Arena”. Que país se
desenha a partir desses dados?
Alguns desses senhores chegam a
declarar à Justiça Eleitoral “terras do Incra”, assentamentos, “terras da
União”. Há quem possua uma ilha. Outros possuem terras do tamanho de países. As
cabeças de gado aparecem às dezenas de milhares. E há as empresas: usinas, mineradoras,
frigoríficos, madeireiras, serrarias.
Caro leitor, quantos
madeireiros você conhece? Quantos pecuaristas estão em seu círculo de amizade?
Alguns? Nenhum? Por que tantos, então, chegam ao poder e nele se perpetuam? E o
que eles defendem na hora da votação? A Amazônia? Os indígenas? O livro
“Partido da Terra” se propõe a contar algumas dessas histórias – nem sempre
republicanas.
Fonte: Outras
Palavras
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