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diretores consagrados no mundo foram convidados para fazer um filme sobre a
tragédia. Uma ideia de Alain Brigand: 11 filmes de 11 minutos, 09 segundos e
uma imagem.
Em
2002, o produtor francês Alain Brigand concebeu a idéia de realizar um
longa-metragem em homenagem ao fatídico atentando de 11 de setembro que
culminou com a morte de cerca de três mil pessoas. A idéia se consistia em um
longa-metragem composto por 11 curta-metragens de 11 países diferentes e com 11
minutos, 9 segundos e 1 frame de duração, contando a repercussão do atentado
sob as mais diversas perspectivas. Para tanto, os cineastas selecionados foram
a iraniana Samira Makhmalbaf, o francês Claude Lelouch, o egipcío Youssef
Chahine, o bósnio Danis Tanovic, o burquinense Idrissa Ouedraogo, o britânico
Ken Loach, o mexicano Alejandro González Iñarritú, o israelense Amos Gitai, a
indiana Mira Nair, o americano Sean Penn e o japonês Shohei Imamura. O
resultado fica a seguir:
O
primeiro segmento é ambientado em uma olaria iraniana, onde os filhos dos
funcionários, em sua maioria refugiados afegãos, trabalham desde bem jovens para
ajudar os pais. Mas juntos com o trabalho, eles também estudam, ou pelo menos
deveriam estudar, visto que não é lá bem isso o que acontece. O segmento se
consiste essencialmente na professora tentando dizer para os alunos o que
aconteceu nos Estados Unidos, porém os alunos não sabem de absolutamente nada
sobre o ocorrido, nem ao menos sabem o que é uma torre ou um celular. Ao invés
de focar a trama em como a professora explicaria a situação aos alunos ou como
as crianças iranianas encaram tal fato, a diretora Samira Makhmalbaf prefere
colocar os alunos a discutir religião ou montar uma cena na ual uma professora que pretende
apenas fazer as crianças terem piedade das vítimas. Em nenhum momento a
professora explica o atentado em si, ela basicamente chega na sala dizendo que
a Terceira Guerra Mundial vai começar, depois tanta fazer um minuto de silêncio
em homenagem às vítimas e por fim leva os alunos ao pé da chaminé da olaria
para que elas pensem nas pessoas que morreram. Um curta ridículo, que
transborda um moralismo barato e um sensacionalismo absurdo. Prova da perda de
identidade da cineasta iraniana mediante a pressão imposta pela mídia no que
nós costumamos chamar de "imperialismo cultural".
O
segundo segmento é praticamente um trabalho de sonoplastia no qual Lelouch nos
leva à vida de uma surda-muda francesa que vive em Nova York com seu namorado,
um guia turístico para surdos-mudos. No dia 11 de setembro, o namorado vai
acompanhar um grupo em um passeio no World Trade Center enquanto a jovem fica
em casa, alienada do que está acontecendo por não escutar a televisão. A
limitação imposta pelo tema é driblada de uma maneira muito eficiente por
Lelouch, que consegue se destacar por momentos simples como a jovem escutando
piano através das vibrações do mesmo, ou então o ruído abafado do latido do
cachorro, o som do obturador da máquina fotográfica ou a magnífica tomada onde
a jovem escreve ao computador em segundo plano, enquanto que no primeiro plano
o destaque total fique a para a tv que transmite uma tragédia sem que ela
saiba. Embora inventido, o segmento ainda demonstra a pressão da temática e
acaba se mostrando um resultado pouco ágil. Mas pelo menos ainda é melhor que o
da iraniana...
O
terceiro segmento começa genial, com Youssef Chahine interpretando a si mesmo
realizando algumas filmagens em frente ao WTC. Logo, corta-se para uma coletiva
de imprensa no Líbano em 12 de setembro, onde ele alega ainda estar muito
abalado com o ocorrido no dia anterior e diz que "previu" o que iria
acontecer. Em seguida vemos o diretor sentado em um rochedo na beira do mar. A
câmera foca no mar quando dentre as ondas surge um homem de porte atlético,
peito desnudo e usando calças camufladas numa das cenas mais constrangedoras
que eu já tive o desprazer de assistir. Como se isso não fosse o bastante,
começa aí uma sucessão de bizarrices tais quais um jogo de vôlei com o nada,
diálogos ridículos sobre paranormalidade, uma panfletagem absurda de Chahine em
relação aos horrores criados pelos americanos, um homem-bomba que surge do nada
para justificar suas atitudes e um momento em que o diretor praticamente vira
para a câmera e diz "vocês americanos precisam repensar suas
atitudes". Um didatismo tão explícito, que o único sentimento capaz de
causar é a vergonha alheia.
No
quarto segmento, Danis Tanovic prefere dar mais destaque para as condições sociopolíticas
da Bósnia-Herzegóvina do que para os atentados em si. Situando seu filme em um
pequeno vilarejo habitado quase que inteiramente por mulheres, Tanovic
demonstra o sofrimento de um povo que vive sob conflitos constantes através de
um homem que está preso a uma cadeira de rodas devido ao fato de não possuir
suas duas pernas, provavelmente perdidas na guerra, e uma mãe uma filha, cujo
marido/pai está ausente, também por conta da guerra nos bálcãs. Se o retrato
social é no mínimo bom, embora peque ao exigir que se tenha um conhecimento prévio
da sociedade bósnia, o segmento desanda quando surge a necessidade de inserir o
evento-chave do filme em seu enredo. Durante o curta, em dois momentos são
citadas coisas que "acontecem todo dia 11" mas nada além disso.
Quando os habitantes do vilarejo recebem a notícia do que ocorreu, um
sentimento de choque se instala até o ponto em que é dito que ninguém
conseguirá fazer mais nada naquele dia. Como assim? Quer dizer que um evento
ocorrido a 10 mil quilômetros de distância vai parar a vida de um vilarejo que
absolutamente nada tem a ver com isso? Ah, olha aí o moralismo americano de
novo...
O
quinto segmento abre num mercado popular de Ouagadougou onde somos apresentados
onde um homem ouve no rádio a notícia do atentado. Logo, o foco passa desse
homem para seu filho, Adama, que 13 dias depois do atentado vende jornais para
sustentar a mãe doente, mesmo tendo que abandonar a escola para isso. Porém,
Adama encontra na rua o próprio Osama Bin Laden, aquele que estava nas capas
dos jornais que ele vendia. Logo, ele se junta a quatro amigos para capturar
Osama e conseguir a recompensa de 25 milhões de dólares. O interessante aqui
fica a cargo de três coisas. Primeiramente, não há o moralismo, o
sensacionalismo nem a pieguice dos outros segmentos, os personagens sabem
perfeitamente que os atentados não irão mudar suas vidas, e assim seguem
sofrendo como se nada tivesse acontecido. O segundo é o panorama que Idrissa
Ouedraogo traça da sociedade carente padrão de Burkina Faso. O terceiro
destaque fica a cargo da parte técnica, sobretudo a montagem, que ajuda a
conferir um certo tom lírico ao curta, digno das crianças que ele retrata.
Curioso o fato de o melhor segmento do filme até o momento vir de um dos países
mais pobres do mundo...
Porém,
o título de melhor curta do filme fica com a Burkina Faso por pouco tempo. Logo
após aquele, somos levados ao segmento britânico cuja direção ficou a cargo de
Ken Loach. Se alguns diretores como Claude Lelouch tiveram dificuldades em
desenvolver a temática conferida, Loach conseguiu trabalhá-la de uma maneira
digna de sua genialidade. Quando foi dada a ideia de se realizarem curtas sobre
o 11 de setembro, todos os diretores imediatamente focaram suas atenções nos
atentados de 2001. Todos, menos Loach, que viu aí uma brecha para explorar um
outro 11 de setembro, esse em 1973. O curta se consiste em uma carta,
direcionada aos parentes e amigos dos mortos em 2001, mas escrita por um
parente e amigo de mortos de 1973. Um chileno, que feito prisioneiro político,
foi obrigado a partir em exílio para a Inglaterra. Loach usa quase todo o seu
tempo entre imagens de arquivo para mostrar um 11 de setembro muito mais
sanguinário, cujos efeitos culminaram na morte de 30 mil chilenos. 11 de
setembro esse encomendado pelos americanos, que descontentes com o governo de
tendências comunistas de Salvador Allende, financiaram um golpe de estado para
que Augusto Pinochet assumisse o poder. Um curta tenso, impactante, e
desprovido de qualquer moralismo ou pieguice. Um curta genial.
Se o
filme começou terrivelmente mal, pode-se dizer que agora esse passa por uma
fase de altíssima qualidade. No segmento mexicano, o diretor Alejandro González
Iñarritú dispensa o enredo para fazer um curta praticamente sem imagens, onde a
tela preta é esporadicamente quebrada por imagens de pessoas que pularam do WTC
e imagens das torres indo ao chão. Ao fundo, um turbilhão de vozes, notícias de
rádio, testemunhos de pessoas que presenciaram a tragédia de perto, chamadas
telefônicas de vítimas que sabendo que vão morrer, ligam para seus entes
queridos para dizer que os ama. Se os dois curtas de alto nível que foram
apresentados até o momento, o burquinense e o britânico, possuem tal nível por
fugir da temática do terrorismo, o segmento mexicano merece respeito por sua
elevada qualidade, mesmo se focando inteiramente na tragédia. Uma possível
influência vanguardista Iñarritú apresenta aqui, e essa influência faz desses
11 minutos uma experiência na qual espectador está tão perdido quanto aqueles
que acompanhavam o desastre pela televisão. Simplesmente não se sabe o que está
acontecendo.
O
segmento israelense de Amos Gitai se consiste em um único plano-sequência
mostrando a equipe de resgate de um atentado terrorista que ocorreu em 11 de
setembro de 2001. Tal atentado que deixou vários mortos e feridos, se consistiu
em dois carros-bomba detonados na mais movimentada avenida de Tel Aviv. O curta
que começa acompanhando a equipe de resgate, logo muda o foco para uma
companhia televisiva que encontra problemas para passar a notícia, visto que a
emissora prefere noticiar o evento ocorrido nos Estados Unidos do que um
atentado ocorrido praticamente no quintal de casa. Amos Gitai critica dessa
forma o sensacionalismo que a mídia criou em cima de uma tragédia, se
utilizando dela para arrecadar audiências massivas. Em certo momento, a
repórter começa a listar uma série de eventos históricos que ocorreram em 11 de
setembro de diversos anos e ajudaram a moldar o mundo tal qual ele é hoje,
porém todos esses eventos parecem subjugados a algo que tomou proporções
maiores do que deveria. O que Amos Gitai questiona no seu segmento pode parecer
arriscado para a época, mas hoje, ao perguntar qual a verdadeira importância
histórica do fim do WTC, percebemos que tal evento foi realmente supervalorizado.
Menos de 10 anos depois, o mundo não sofre consequências diretas do atentado.
No nono
segmento, dirigido pela indiana Mira Nair, é apresentado um tipo diferente de
sofrimento causado pelo atentado. O foco da trama recai sobre uma família
muçulmana que reside em Nova York e tem de conviver com o preconceito dos
vizinhos que atribuem de maneira xenofóbica a todo um povo a responsabilidade pelos
milhares de vítimas. Quando um dos filhos não volta para casa, surge a suspeita
de que ele fora preso sob a acusação de ser um terrorista. Certamente Nair foi
a que melhor captou a ideia proposta pelo filme, mostrando exatamente como os
atentados causaram impacto na realidade de um determinado povo, mas ainda fica
a intenção de que falta algo, sobretudo após a conclusão que diminui a carga
social que o curta possuía.
O penúltimo
segmento conta a história de um viúvo interpretado por Ernest Borgnine que
passa os dias trancado em seu pequeno e escuro apartamento, agonizando devido
ao fato de sua amada não estar mais lá. Tudo no curta, desde o enredo, passando
pela montagem, pela fotografia e pelo posicionamento das câmeras evoca a
inexperiência de Sean Penn atrás das câmeras. Aqui, Penn é uma criança que
ganhou um brinquedo novo, e agora vai explorar esse brinquedo até descobrir
todas as suas funções. O tom experimental que sobrecarrega a obra pode até ser
incômodo, mas a cena em que a primeira das torres desaba, permitindo que pela
primeira vez a luz chegue àquele apartamento e que as flores de sua esposa
finalmente desabrochem, conferindo ao velho um euforia contagiante, compensa
todo o amadorismo na direção. Sean Penn consegue se livrar do patriotismo que
se espera para o segmento americano e faz o mais ousado dos curtas, no qual o
atentado pode ser interpretado até como sendo algo positivo na minúscula
realidade daquele apartamento. A outra face de uma tragédia.
No
último segmento, Shohei Imamura nos leva ao Japão do pós-Segunda Guerra, onde
um ex-soldado retorna para seu vilarejo pensando ser uma cobra. Imamura nos
mostra uma figura que de tão afetada pelos horrores da guerra, se envergonha de
sua condição de ser humano ao ponto extremo de preferir ser um réptil do que
permanecer como um exemplar dessa espécie amaldiçoada. O que se vê aqui é uma
explicação feita por estrangeiros para americanos de porque todos os povos os
odeiam, afinal, foi o terror causado pelos americanos que destruiu a vida
daquele jovem e de todos naquele vilarejo. Imamura inverte a posição de vítima
que os Estados Unidos possuem durante todos os segmentos e mostra sua face mais
sombria. Uma excelente forma de se encerrar aquilo que deveria ser uma ode ao
povo americano.
Tal
como muitos filmes que viriam em seguida tais quais Cada um com seu Cinema e
Paris, Te Amo, 11 de Setembro tem a instabilidade que qualquer filme desse
estilo teria. Interessante ver visões tão distintas de um mesmo evento, mesmo
que para tanto tenhamos que conferir algumas atrocidades cinematográficas
(leia-se Irã e Egito). Esse filme não foi feito para ser avaliado como um todo,
mas sim com cada um de seus segmentos em separado. Embora alguns desses sejam
geniais, a sensação transmitida no final não é lá das melhores. Seria como se
tivesse assistido a uma propaganda de duas horas mostrando como os americanos
são injustiçados e sofredores... Injustiçados? Sofredores? Sei...
Fonte: O
mundo dos cinéfilos
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