Em 2012, o número de pessoas que morreram em alegados confrontos
com a polícia na Bahia é 58,9% maior que no ano passado. Para tentar conter
abusos, o Ministério da Justiça propõe o fim do registro de Auto de Resistência
Victor Uchôa
Mais de uma morte por dia. Na
média, este é o resultado dos Autos de Resistência (AR) na Bahia, de janeiro a
agosto deste ano. Em 244 dias, foram registrados 267 óbitos de pessoas
envolvidas em alegados confrontos com policiais.
O número é da Coordenação de
Documentação e Estatística Policial (Cedep), órgão da Secretaria da Segurança
Pública (SSP). A soma representa um crescimento de 58,9% nos casos de ‘resistência
seguida de morte’ em relação ao mesmo período do ano passado, quando morreram
168 pessoas. No total deste ano, foram 103 mortes na capital, 50 na Região
Metropolitana e 114 nas outras cidades do interior.
Se forem contabilizadas apenas
as mortes do primeiro semestre, a Bahia registrou 191 óbitos em AR, o que
corresponde a uma taxa de 2,73 mortes por cada 100 mil habitantes. No estado de
São Paulo, onde de janeiro a junho ocorreram 239 mortes, a taxa é de 1,16. Já
no estado do Rio de Janeiro, os dados apontam 214 mortes nos primeiro seis
meses do ano, chegando a uma taxa de 2,68.
Se levados em conta apenas os
números das capitais, a taxa de mortes em confronto com a polícia em Salvador,
no primeiro semestre, é de 5,77. Ao todo, o Cedep registrou 77 casos na capital
baiana. Em São Paulo, foram 147 mortes (taxa de 2,62), e na capital fluminense,
132 mortes (4,19).
Mesmo defendendo o AR como uma
forma de respaldar a ação policial, o secretário da Segurança Pública, Maurício
Barbosa, acha que todas as operações devem ser cautelosas.
“Não comemoramos nenhuma morte.
Antigamente, se bradava que bandido bom era bandido morto. Não existe mais
isso. Trabalhamos com a ideia de aproximação da comunidade”, afirmou Barbosa,
durante a inauguração da Base Comunitária de Segurança do Bairro da Paz.
Como os dados oficiais vão até
o fim de agosto, não levam em conta, por exemplo, a morte do adolescente
Rodrigo Santos Conceição, 15 anos, baleado por soldados da 1ª Companhia
Independente da Polícia Militar (CIPM) em Pernambués, no sábado passado.
Confrontos
Os policiais alegam que,
durante uma incursão em busca de assaltantes que vinham atuando na Avenida Luis
Eduardo Magalhães, foram recebidos a tiros por um grupo de cinco homens
armados. Houve tiroteio e o garoto acabou sendo baleado. De acordo com o
Departamento de Comunicação da polícia, com ele, foi apreendida uma pistola
380.
Quem conhecia o adolescente
conta uma versão diferente. “A polícia só chega atirando. No sábado, quando
Rodrigo se bateu com eles no beco, com medo, correu”, relata Simone Santos, mãe
da namorada do jovem e dona da casa de onde ele acabara de sair antes de ser
morto.
Quem completa sua fala é o pai
de Rodrigo. “Quando meu filho viu a PM, fez menção de correr, como todo mundo
que estava na rua, e atiraram nele. A arma, eles acharam aqui na rua. Foi
jogada por um dos que correram”, afirmou ao CORREIO o porteiro Ronaldo da
Conceição.
Revoltados, parentes e amigos
de Rodrigo realizaram um protesto em que fecharam a Avenida Luis Eduardo
Magalhães no domingo. Depois disso, a Polícia Militar instaurou um Inquérito
Policial Militar (IPM) para apurar se a morte de fato se deu depois de uma
‘resistência’ ou se o garoto foi executado.
Situação semelhante ocorreu no
dia 30 de julho, quando os jovens Alexandre Oliveira da Silva, 14, e Rafael
Muniz Barreto, 19, foram mortos por policiais da mesma 1ª CIPM e das Rondas Especiais
(Rondesp), também durante um alegado confronto, daquela vez na Saramandaia. Na
época, a família fechou a Avenida ACM em duas ocasiões. O IPM do caso, que
tinha prazo de 40 dias, ainda não foi concluído.
Levantamento realizado pelo
CORREIO mostra que, dos ARs cujas situações foram divulgadas pela polícia, o
que teve o maior número de mortes ocorreu em Barra da Estiva, no Sudoeste do
estado.
No dia 2 de fevereiro, seis
suspeitos de assaltos e homicídios na região foram mortos em confronto com
policiais civis e militares na zona rural da cidade.
Dentre os mortos estavam os
irmãos gêmeos Amilton e Ailton Santos Caíres, além do pai da dupla, Eulálio dos
Santos. Amilton era o “Dez de Ouro” do Baralho do Crime da SSP, que aponta os
bandidos mais procurados do estado.
Mais
mortes
Em Salvador, no dia 27 de
março, houve um caso de resistência que terminou em seis mortes, mas dois
suspeitos de assaltarem a empresa Barramar, em Pirajá, morreram depois de
caírem em uma vala na BR-324 durante perseguição policial. Mais quatro
integrantes do bando foram mortos em confronto com a polícia, depois de serem
encurralados no Engenho Velho da Federação.
No ano, quatro confrontos
resultaram em cinco mortes. Dia 30 de janeiro, em Salinas da Margarida, suspeitos
de assalto a banco foram mortos em confronto. Em 3 de maio, bandidos que
tentavam assaltar uma empresa do CIA também morreram num tiroteio.
Em 1º de junho, um bando foi
surpreendido ao tentar sequestrar um empresário em Itinga e todos acabaram mortos.
Por fim, no dia 2 de agosto, em Ubaíra, suspeitos de assalto a banco também
morreram em alegado confronto.
ONU
recomenda fim da PM no Brasil
Na última sabatina a que o
Brasil se submeteu no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (ONU), em maio, a entidade recomendou a extinção da Polícia Militar.
Esta é uma das 170 sugestões presentes no relatório do Exame Periódico
Universal (EPU) do Brasil, avaliação pela qual passam todos os países membros
da ONU. A recomendação pela extinção da PM, feita pela Dinamarca, se baseou na
análise de casos de Auto de Resistência que foram comprovados como execuções.
O relatório indica o fim do
“sistema separado de Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes para
reduzir a incidência de execuções extrajudiciais (assassinatos)”. Já a Espanha
solicitou ao Brasil a “revisão dos programas de formação em Direitos Humanos
para as forças de segurança”. Na sabatina, a Austrália sugeriu ao país o
incentivo para que mais estados desenvolvam programas como o da Unidade de
Polícia Pacificadora (UPP), do Rio de Janeiro.
Na Bahia, desde 2011, o governo
vem implantando as Bases Comunitárias de Segurança, que teve a sétima unidade
inaugurada no dia 13 deste mês, no Bairro da Paz, em Salvador. A previsão é que
mais duas sejam entregues nos próximos dias: depois de amanhã, em Itabuna, e
dia 27, em Feira de Santana.
Congresso
vai discutir fim do registro de 'Resistência'
Para tentar diminuir a sensação
de impunidade que cerca os casos de autos de resistência (AR), o Ministério da
Justiça (MJ) elaborou uma proposta que prevê a mudança na forma como as mortes
são registradas.
Baseado no fato de que o AR nem
é previsto no Código Penal, o secretário de Assuntos Legislativos do MJ,
Marivaldo Pereira, defende o fim do registro de “resistências seguidas de
morte” nas delegacias. “O policial relata o AR e na maioria dos casos fica por
isso mesmo, porque se parte do princípio que ele agiu em legítima defesa. Não é
apurado como deve ser. É um mecanismo muitas vezes usado por uma minoria de
maus policiais para esconder seus excessos”, argumenta.
A proposta do MJ se somou a
discussões que vinham ocorrendo no Congresso Nacional e culminou num projeto de
lei (PL) suprapartidário que o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) pretende
protocolar hoje. Além do fim do registro de AR com óbito, o PL prevê que em
casos de “morte violenta ocorrida em ações de agentes do Estado, o laudo será elaborado
em até dez dias e encaminhado imediatamente à autoridade policial, ao órgão
correicional, ao Ministério Público e à família da vítima”.
O PL apresenta ainda normas
para a perícia e para a investigação que, em tese, já deveriam ser cumpridas.
“Queremos obrigar a investigação. O número de mortes causadas pela polícia está
crescendo e muitos policiais se escondem atrás do AR para cometer crimes”, diz
Teixeira.
Para o titular da pasta da SSP
na Bahia, Maurício Barbosa, a possível mudança é “um absurdo”. “O policial se
expõe. Qual o respaldo que ele terá em sua ação se eu partir do princípio de
que todo AR é um homicídio como outro qualquer?”, diz Barbosa, defendendo a
investigação e a punição para eventuais abusos.
Sua posição é defendida pelo
coronel Alfredo Castro, comandante-geral da PM baiana. Para o oficial, o que
não pode ocorrer é se levar em conta apenas a versão do policial. “Tem que
apurar tudo e no final, se for preciso, expulsa o policial”, conclui.
Fonte: Correio
24 Horas
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