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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Polícia baiana mata mais de um por dia; taxa é maior que em Rio e São Paulo

Em 2012, o número de pessoas que morreram em alegados confrontos com a polícia na Bahia é 58,9% maior que no ano passado. Para tentar conter abusos, o Ministério da Justiça propõe o fim do registro de Auto de Resistência
Victor Uchôa
Mais de uma morte por dia. Na média, este é o resultado dos Autos de Resistência (AR) na Bahia, de janeiro a agosto deste ano. Em 244 dias, foram registrados 267 óbitos de pessoas envolvidas em alegados confrontos com policiais.
O número é da Coordenação de Documentação e Estatística Policial (Cedep), órgão da Secretaria da Segurança Pública (SSP). A soma representa um crescimento de 58,9% nos casos de ‘resistência seguida de morte’ em relação ao mesmo período do ano passado, quando morreram 168 pessoas. No total deste ano, foram 103 mortes na capital, 50 na Região Metropolitana e 114 nas outras cidades do interior.
Se forem contabilizadas apenas as mortes do primeiro semestre, a Bahia registrou 191 óbitos em AR, o que corresponde a uma taxa de 2,73 mortes por cada 100 mil habitantes. No estado de São Paulo, onde de janeiro a junho ocorreram 239 mortes, a taxa é de 1,16. Já no estado do Rio de Janeiro, os dados apontam 214 mortes nos primeiro seis meses do ano, chegando a uma taxa de 2,68.
Se levados em conta apenas os números das capitais, a taxa de mortes em confronto com a polícia em Salvador, no primeiro semestre, é de 5,77. Ao todo, o Cedep registrou 77 casos na capital baiana. Em São Paulo, foram 147 mortes (taxa de 2,62), e na capital fluminense, 132 mortes (4,19).
Mesmo defendendo o AR como uma forma de respaldar a ação policial, o secretário da Segurança Pública, Maurício Barbosa, acha que todas as operações devem ser cautelosas.
“Não comemoramos nenhuma morte. Antigamente, se bradava que bandido bom era bandido morto. Não existe mais isso. Trabalhamos com a ideia de aproximação da comunidade”, afirmou Barbosa, durante a inauguração da Base Comunitária de Segurança do Bairro da Paz.
Como os dados oficiais vão até o fim de agosto, não levam em conta, por exemplo, a morte do adolescente Rodrigo Santos Conceição, 15 anos, baleado por soldados da 1ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM) em Pernambués, no sábado passado.

Confrontos
Os policiais alegam que, durante uma incursão em busca de assaltantes que vinham atuando na Avenida Luis Eduardo Magalhães, foram recebidos a tiros por um grupo de cinco homens armados. Houve tiroteio e o garoto acabou sendo baleado. De acordo com o Departamento de Comunicação da polícia, com ele, foi apreendida uma pistola 380.
Quem conhecia o adolescente conta uma versão diferente. “A polícia só chega atirando. No sábado, quando Rodrigo se bateu com eles no beco, com medo, correu”, relata Simone Santos, mãe da namorada do jovem e dona da casa de onde ele acabara de sair antes de ser morto.
Quem completa sua fala é o pai de Rodrigo. “Quando meu filho viu a PM, fez menção de correr, como todo mundo que estava na rua, e atiraram nele. A arma, eles acharam aqui na rua. Foi jogada por um dos que correram”, afirmou ao CORREIO o porteiro Ronaldo da Conceição.  
Revoltados, parentes e amigos de Rodrigo realizaram um protesto em que fecharam a Avenida Luis Eduardo Magalhães no domingo. Depois disso, a Polícia Militar instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar se a morte de fato se deu depois de uma ‘resistência’ ou se o garoto foi executado.
Situação semelhante ocorreu no dia 30 de julho, quando os jovens Alexandre Oliveira da Silva, 14, e Rafael Muniz Barreto, 19, foram mortos por policiais da mesma 1ª CIPM e das Rondas Especiais (Rondesp), também durante um alegado confronto, daquela vez na Saramandaia. Na época, a família fechou a Avenida ACM em duas ocasiões. O IPM do caso, que tinha prazo de 40 dias, ainda não foi concluído.   
Levantamento realizado pelo CORREIO mostra que, dos ARs cujas situações foram divulgadas pela polícia, o que teve o maior número de mortes ocorreu em Barra da Estiva, no Sudoeste do estado.
No dia 2 de fevereiro, seis suspeitos de assaltos e homicídios na região foram mortos em confronto com policiais civis e militares na zona rural da cidade.
Dentre os mortos estavam os irmãos gêmeos Amilton e Ailton Santos Caíres, além do pai da dupla, Eulálio dos Santos. Amilton era o “Dez de Ouro” do Baralho do Crime da SSP, que aponta os bandidos mais procurados do estado.   

Mais mortes
Em Salvador, no dia 27 de março, houve um caso de resistência que terminou em seis mortes, mas dois suspeitos de assaltarem a empresa Barramar, em Pirajá, morreram depois de caírem em uma vala na BR-324 durante perseguição policial. Mais quatro integrantes do bando foram mortos em confronto com a polícia, depois de serem encurralados no Engenho Velho da Federação.   
No ano, quatro confrontos resultaram em cinco mortes. Dia 30 de janeiro, em Salinas da Margarida, suspeitos de assalto a banco foram mortos em confronto. Em 3 de maio, bandidos que tentavam assaltar uma empresa do CIA também morreram num tiroteio.
Em 1º de junho, um bando foi surpreendido ao tentar sequestrar um empresário em Itinga e todos acabaram mortos. Por fim, no dia 2 de agosto, em Ubaíra, suspeitos de assalto a banco também morreram em alegado confronto.

ONU recomenda fim da PM no Brasil
Na última sabatina a que o Brasil se submeteu no Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em maio, a entidade recomendou a extinção da Polícia Militar. Esta é uma das 170 sugestões presentes no relatório do Exame Periódico Universal (EPU) do Brasil, avaliação pela qual passam todos os países membros da ONU. A recomendação pela extinção da PM, feita pela Dinamarca, se baseou na análise de casos de Auto de Resistência que foram comprovados como execuções.
O relatório indica o fim do “sistema separado de Polícia Militar, aplicando medidas mais eficazes para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais (assassinatos)”. Já a Espanha solicitou ao Brasil a “revisão dos programas de formação em Direitos Humanos para as forças de segurança”. Na sabatina, a Austrália sugeriu ao país o incentivo para que mais estados desenvolvam programas como o da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), do Rio de Janeiro.
Na Bahia, desde 2011, o governo vem implantando as Bases Comunitárias de Segurança, que teve a sétima unidade inaugurada no dia 13 deste mês, no Bairro da Paz, em Salvador. A previsão é que mais duas sejam entregues nos próximos dias: depois de amanhã, em Itabuna, e dia 27, em Feira de Santana.

Congresso vai discutir fim do registro de 'Resistência'
Para tentar diminuir a sensação de impunidade que cerca os casos de autos de resistência (AR), o Ministério da Justiça (MJ) elaborou uma proposta que prevê a mudança na forma como as mortes são registradas.
Baseado no fato de que o AR nem é previsto no Código Penal, o secretário de Assuntos Legislativos do MJ, Marivaldo Pereira, defende o fim do registro de “resistências seguidas de morte” nas delegacias. “O policial relata o AR e na maioria dos casos fica por isso mesmo, porque se parte do princípio que ele agiu em legítima defesa. Não é apurado como deve ser. É um mecanismo muitas vezes usado por uma minoria de maus policiais para esconder seus excessos”, argumenta.
A proposta do MJ se somou a discussões que vinham ocorrendo no Congresso Nacional e culminou num projeto de lei (PL) suprapartidário que o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) pretende protocolar hoje. Além do fim do registro de AR com óbito, o PL prevê que em casos de “morte violenta ocorrida em ações de agentes do Estado, o laudo será elaborado em até dez dias e encaminhado imediatamente à autoridade policial, ao órgão correicional, ao Ministério Público e à família da vítima”.
O PL apresenta ainda normas para a perícia e para a investigação que, em tese, já deveriam ser cumpridas. “Queremos obrigar a investigação. O número de mortes causadas pela polícia está crescendo e muitos policiais se escondem atrás do AR para cometer crimes”, diz Teixeira.
Para o titular da pasta da SSP na Bahia, Maurício Barbosa, a possível mudança é “um absurdo”. “O policial se expõe. Qual o respaldo que ele terá em sua ação se eu partir do princípio de que todo AR é um homicídio como outro qualquer?”, diz Barbosa, defendendo a investigação e a punição para eventuais abusos.
Sua posição é defendida pelo coronel Alfredo Castro, comandante-geral da PM baiana. Para o oficial, o que não pode ocorrer é se levar em conta apenas a versão do policial. “Tem que apurar tudo e no final, se for preciso, expulsa o policial”, conclui.

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