Manifestantes fazem ato pró-Assange em frente à embaixada do Equador |
Em
2010 o mundo foi surpreendido pela divulgação de uma série de documentos
comprobatórios de que muitos governos e autoridades dizem uma coisa e fazem
outra. A máscara caiu. Todos viram que o rei estava nu.
Por Frei Betto, na Adital
Reuters/ Olivia Harris
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O site WikiLeaks, monitorado
pelo australiano Julián Assange, publicou documentos secretos que deixaram
governos e autoridades envergonhados, sem argumentos para justificar tantos abusos
e imoralidades.
Maquiavel já havia afirmado, no
século 16, que a política tem pelo menos duas caras. A que se expõe aos olhos
do público e a que transita nos bastidores do poder.
Bush e Obama admitiam torturas
no Iraque, no Afeganistão e na base naval de Guantânamo, enquanto acusavam
Cuba, na Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, de maltratar
prisioneiros...
O WikiLeaks nada inventou.
Apenas se valeu se fontes fidedignas para coletar informações confidenciais, em
geral constrangedoras para governos e autoridades, e divulgá-las. Assim, o site
desempenhou importante papel pedagógico. Hoje, as autoridades devem pensar duas
vezes antes de dizer ou fazer o que as envergonhariam, caso caísse em domínio
público.
Apesar da saia justa, o cinismo
dos governos parece não ter cura. Em vez de admitirem seus erros e tramoias de
bastidores, preferem bancar a raposa da fábula de Esopo, divulgada por La
Fontaine. Já que as uvas não podem ser alcançadas, melhor alegar que estão
verdes...
Acusam Julián Assange – não de
mentir ou divulgar documentos falsos – mas de haver praticado estupro de
prostitutas, na Suécia.
Ora, com todo respeito à mais
antiga profissão do mundo, sabemos todos que prostitutas se entregam a quem
lhes paga. E por dinheiro – ou ameaça de extradição quando são estrangeiras -
algumas delas podem ser induzidas a fazer declarações inverídicas, como a
esdrúxula acusação de estupro.
Estupro?
Muito estranho, considerando
que relações com prostitutas muitas vezes parecem um estupro consentido. O
cliente paga pelo direito de usar e abusar de um corpo desprovido de
reciprocidade – sem afeto e libido. Daí a sensação de fraude que o acomete
quando deixa o prostíbulo. Perdeu o sêmen, o dinheiro... e não encontrou o que
procurava – amor.
De fato, governos e autoridades
denunciados pelo WikiLeaks é que estupraram a ética, a decência, a soberania
alheia, acordos e leis internacionais. Assange e seu site foram apenas o
veículo capaz de tornar mundialmente transparentes documentos contendo
informações mantidas sob rigoroso sigilo.
Punidos deveriam ser aqueles
que, à sombra do poder, conspiram contra os direitos humanos e a legislação
internacional. No mínimo, deveriam fazer autocrítica pública, admitir que
abusaram do poder e violaram princípios áureos, como foi o caso de ministros brasileiros
que se deixaram manipular pelo embaixador dos EUA, em Brasília.
Assange se encontra refugiado
na embaixada do Equador, em Londres. O governo de Rafael Correa já lhe concedeu
o direito de asilo no país latino-americano. Porém, o governo britânico, do
alto de sua majestática prepotência, ameaça prendê-lo caso ele saia da
embaixada a caminho do aeroporto, onde embarcaria para Quito.
Nem a ditadura brasileira na
Operação Condor chegou a tanto em relação a centenas de perseguidos refugiados
em embaixadas de países do Cone Sul. Por isso, a OEA, indignada, convocou uma
reunião de seus associados para tratar do caso Assange. Este teme ser preso ao
deixar a embaixada e entregue ao governo sueco que, em seguida, o poria em mãos
dos EUA, que o acusam de espionagem – crime punido, pelas leis estadunidenses,
inclusive com a pena de morte.
Assange não se nega a
comparecer perante a Justiça sueca e responder pela acusação de estupro. Teme
apenas ser vítima de uma cilada diplomática e acabar em mãos do governo mais
desmoralizado pelo WikiLeaks – o que ocupa a Casa Branca.
O caso Assange já prestou
inestimável serviço à moralidade global: demonstrou que, debaixo do sol, não há
segredos invioláveis. Como diz o evangelho de Lucas (12, 2 e 3) "nada há
encoberto que se não venha a descobrir; nem oculto, que se não venha a saber.
Por isso o que dissestes nas trevas, à luz será ouvido; o que falastes ao
ouvido no interior da casa, será proclamado dos telhados”.
*Frei Betto é escritor, autor
de "A obra do Artista – uma visão holística do Universo” (José Olympio),
entre outros livros. www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.
Fonte: Portal
Vermelho
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