Rogério Castro*
Jornal do Brasil
07/09/2012
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
parece que agora pode descansar em paz. Após dois mandatos sob forte oposição
do PT, que o acusou de acobertar casos de corrupção e de levar a cabo
privatizações de empresas e serviços públicos, ele sabe agora que os seus
ex-oposicionistas – no poder – fizeram tudo aquilo que diziam censurar. E isso
– para os que irão registrar o momento presente do nosso país daqui a alguns
anos – já pode ser dado como certo. À exceção de ingênuos e mal-intencionados,
ninguém mais espera guinada ou mudança de rumo no PT. Destarte, a pergunta é: e
depois do PT, o que teremos?
É essa a principal disputa de
nossos dias. A saída estaria pela esquerda, ou pela direita? Qual o fardo que
fica para a esquerda brasileira após um decênio de governo petista? Pois bem. O
PT transitou até a sua chegada ao poder, em 2003, da defesa do socialismo até o
lema (último) da “ética na política”. Após os julgamentos e as recentes
condenações do STF sobre o escândalo do mensalão, essa – que talvez tenha sido
uma das últimas bandeiras empunhadas pelos petistas – já não pode mais ser
desfraldada. As privatizações alcunhadas de entreguistas outrora foram
“repaginadas” com nomenclaturas “suaves”, que mudam na forma mas não no
conteúdo. “O ‘demônio’ (das privatizações) não é tão mau assim”, teria se
reconfortado – com razão (pela ironia) – FHC. O projeto da esquerda, então,
teria sido reduzido a pó?
Vista do plano histórico, a
esquerda brasileira não pode ser reduzida ao PT. Ela não começa no ABC paulista
nem está fadada a acabar no banco dos réus (caso do mensalão). Não obstante a
confusão e o esfacelamento provocado pelo petismo, assim como o peso da
desconfiança e da frustração por ele causado, a nossa esquerda precisa sair da
crise que se abateu sobre ela revigorada. E revigorar-se aqui significa
desvencilhar-se de pseudomarxismos, desconstruir mitos, entender que o eixo
central da sociedade é o trabalho (e que isso tem implicações), tirar lições.
Ela tem que realmente se afirmar com mais firmeza do que antes para que possa
ter força para suplantar o petismo. É com este, hoje, que ela mede forças (no
campo da esquerda); e essa é a principal batalha que precisa ser travada para
que possamos adentrar num novo ciclo – sem mais a hegemonia do petismo.
Mas esse é um processo
contraditório. Salvador pode nos dá um bom exemplo. As eleições municipais que
se avizinham podem levar de volta ao poder a conhecida família Magalhães. O
petismo, que apoiou o primeiro dos dois mandatos consecutivos do inepto
prefeito atual, contabiliza em sua conta um forte desgaste do seu governador,
Jacques Wagner, pela repressão a movimentos grevistas, como o de professores. A
esquerda que disputa com o PT, no entanto, não conseguiu, até então, reunir as
forças necessárias para fazer frente aos dois projetos. E é esse o pior dos
riscos para ela. Não conseguir fechar o ciclo atual a tempo e passar para o
próximo sendo hegemônica, é o principal risco para a esquerda, pois, como nos
mostra Salvador, ao invés de um novo ciclo se iniciar, podemos ter um recomeço
(não um regresso) do velho – por conta da permanência da hegemonia petista no
campo da esquerda (agora na oposição).
E essa hegemonia é um dos
principais problemas para a recomposição. Embora esta dê sinais de um fenômeno
irreversível, nos dias de hoje tal hegemonia se constituiu num obstáculo a ser
inteiramente removido. Como disputam no interior de um mesmo campo, a
recomposição anda jungida à decomposição do petismo. Dessa forma, podemos
afirmar que, quando um se fortalece, o outro tende a desandar; ou seja, um se
nutre da fraqueza do outro. Só que no caso aqui em questão uma diferença se
interpõe: o fortalecimento da esquerda aumenta no aparente fortalecimento do
petismo. Isto é, para a recomposição avançar – mesmo que lentamente, mas num
ritmo regular – é melhor que o petismo esteja no poder (e a esquerda sozinha na
oposição – no flanco esquerdo) do que fora dele, na oposição – com o qual, caso
contrário, ela teria que disputar no interior do mesmo campo de oposição (vide
o possível caso de Salvador).
Se a nossa hipótese estiver
certa, os ventos tendem a soprar para a esquerda. Isso porque, segundo Frei
Betto, o PT estaria cada dia mais obcecado pela disputa do poder pelo poder. A
máquina de angariar votos na qual o partido havia se transformado poderia,
portanto – segundo nosso entendimento – voltar-se contra si própria; ou seja, o
seu fortalecimento significaria o avançar progressivo da sua autodestruição –
mas desde que a outra parte (a esquerda) não deixe de cumprir efetivamente o
papel que lhe cabe e passe a ocupar majoritariamente o seu campo natural de
atuação. Nesse cenário, portanto, o petismo passaria de vez para os anais da
história.
*Rogério Castro é doutorando em
Serviço Social pela UFRJ – rogeriocastrouesb@hotmail.com
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