Ademir Schetini Júnior*
10 de setembro de 2013
11 de setembro, um número
marcante. Em 2001, o Ocidente assistira do alto de suas poltronas, dos seus
sofás, das cadeiras dos bares, dos salões de beleza, nas vitrines das lojas de
eletrodomésticos visto por quem dirigir-se-ia ao trabalho ou pelo moleque
sentando no paralelepípedo esperando um pedaço de bolo de quem fosse ao
trabalho, algo que, ainda então, faz-se emblemático. O mundo – ou pelo menos
assim se disse – ficaria estupefato. Quem estaria por trás do atentado às
Torres Gêmeas, noticiado como uma das maiores opugnações de todos os tempos? De
um lado, tem-se os teóricos da «conspiração» e os do «subjacente terrorismo oriental»
em contraste com os defensores da inocência-democrática americana (sic).
Lembro-me de ouvir naquela manhã em que voltava da aula de matemática que
estaríamos ao pé da III Guerra Mundial.
Para constar, precedia a 11 de
setembro de 1968 – «o ano que não terminou» – outro revés, desta feita nas
bancas brasileiras: mas não precisamos citá-lo além da nota – Veja: 33 anos
após o lançamento, a revista destacaria a vulnerabilidade «americana»,
apostando na subsequente «guerra ao terror» por conta do ataque supracitado.
Entretanto, cabe aqui outro 11
de setembro. Na manhã chuvosa de 1973, o presidente do Chile receberia
telefonema convocando-o, urgentemente, ao Palácio de La Moneda, no centro de
Santiago, porque pairavam rumores de bombardeio. Alarme verdadeiro. Na ocasião,
as bombas eram lançadas em nome da «liberdade», da «proteção à democracia», da
terapia do «câncer marxista». Eufemismos à parte, as bombas iam em nome do
general don Augusto Pinochet Ugarte, comandante em chefe das forças armadas e
braço direito do presidente. O sobrenome dos que lançavam-nas, porém, se
ocultara.
Bem, dois os países que se
destacavam no pós II Guerra, nas Américas, enquanto outros tantos já haviam
lançado mão das botas, quer dizer, se adornado com vestimenta militar, mas,
além de tudo, haviam se revestido de poder político-militar. Entre os dois
países, Cuba, como se sabe, em revolução (que os teóricos chamam de armada)
desde 1959, e o Chile, cujo presidenciável havia sido eleito democraticamente
(ou seja, nas urnas), em 1970, em processo revolucionário (pacífico, conforme
os teóricos). Neste caso, por revolucionário entenda-se sobretudo a
nacionalização das matérias-primas, aos limites impostos às empresas
norte-americanas atuantes no país, a superação dos déficits sanitário,
habitacional, nutricional, a mudança no sistema tributário e na estrutura
agrária, a divisão equânime dos bens materiais, o investimento na educação
escolar e o incentivo às artes: música, teatro, arpillera, gravura, cerâmica,
literatura. Comum o fato de ambos os países, Cuba e Chile, postularem a
alternativa antiimperialista testa a testa com os Estados Unidos da América
(amiúde cognominados «americanos»).
Pois bem, mal os niños chilenos
sentirem o sabor do leite, já era hora de os latifundiários tomarem posse de
incontáveis vacas. Mal as muchachas saborearem o saber das letras, os coturnos
pisariam solos universitários e enquadrariam a função docente. Calaram a boca,
indiretamente, por censura, de uma Violeta Parra (quem gerou a popular Gracias
a la Vida) e, diretamente, por envenenamento, de um Pablo Neruda (combatente de
guerra). Maior agonia sofrera um passarinho morto «a pedradas» no Estádio
Nacional do Chile diante de dez mil presos-políticos: aqui jaz um Victor Jara
(ele deveria ser mais conhecido). A fotografia que acompanha o texto
corresponde àqueles dias.
Sem embargo, a situação se
deflora quando saímos dos «ilustres» e partimos aos «apagados». A partir de 11
de setembro de 1973, perde-se o fio do novelo dos bordados das artesãs
arpilleras, que, portando agulhas afiadas, linhas coloridas e pedaços de panos,
retalhariam o novo enredo do país, mas, sem se renderem ante a face brutal que
acompanharia seus causticantes dias. Doía por sobreviverem e por perderem
entes, doía porque o índice inflacionário caía em suas costas e a contrapartida
corresponderia ao aumento em cinquenta por cento de desemprego, doía porque o
apito do toque de recolher noturno soava em seus ouvidos e porque foram-lhes
negado salvo-conduto, doía, entre tantos porquês, porque era proibido olvidar
os seus, era proibido esquecer as técnicas aplicadas em seus corpos, as aranhas
e os ratos introduzidos (vivos) na genitália, os choques elétricos, os abusos
sexuais, a violação do direito de ser gente, apenas. Sem quê nem por quê, a mãe
desesperada corria desesperante invocando o filho – desaparecido. Fosse
desentendedora do assunto político o desespero liberaria cargas elevadas de
adrenalina naquele sangue marcado por décadas afundadas na diabetes e a
aflição, evidentemente, aumentaria. Os dias que lhe restavam, naturalmente,
encurtariam. Seu nome era Maria Ester (1973), Carmen Margarita (1975), Mirta
Monica (1977), Iris Yolanda (1979), Maria Veronica (1981),Yolanda Hortensia
(1983), Paulina Alejandra (1985), Ester Angelica (1987), Claudia Marcela
(1989). Chamavam-se Lorena Del Pilar Escobar Lagos, Guadalupe Del Carmen
Chamorro Leiva, Clara Elena Canteros Torres, Mirta Monica Alonso, Marisol De
Las Mercedes Vera Linares, Iris Yolanda Vega Bizama, Emilia De Las Mercedes
Ulloa San Martin, Soledad Ester Torres Aguayo, Rosa Rivera Fierro, Sonia Del
Transito Rios Pacheco, Nilda Patricia Peña Solari, Maria Ester Bustamante
Llancamil... Mal se começou a entoar «la mujer de la pátria también», era hora
de silenciar o canto. Os ancentrais, os Mapuche, guardiões de tradições
seculares, foram desterrados, expropriados, genocizados: jorra sangue destas
veias abertas. Atônita, a viúva de Pablo Neruda indagara a surpresa causada na
primeira quinzena do novo regime. Perguntava-se: «como afugentar as recordações
desses dias tão sofridos? Como ignorar essa legião de mortos anônimos que, por
toda a parte, está sendo enterrada sem cruzes, sem flores, sem lágrimas?»
Finalmente chega 1990 – dois
anos após o plebiscito nacional «No» derrubar o general e os comparsas – e o
Estado vai conhecendo a desoficialização da ditadura. Segundo o ministro da
Educação, Harald Beyer, em 2012, abrindo parênteses, entre as expressões
idiomáticas «regime» e «ditadura» militar, a primeira expressão deveria ser
utilizada nos livros didáticos. Golpe certeiro no ensino fundamental. O gás
lacrimogêneo ainda sufocaria, 40 anos depois de instaurado o golpe militar e 23
após oficialmente encerrado, mães pais filhas filhos amigos dos mortos e
desaparecidos políticos que ensejassem as ruas como local de resgate da
memória.
Sobre o número emblemático, vejamos:
se somarmos o dia 31 de março ao ano 1964 correspondente ao golpe militar no
Brasil, obteremos 1995; e se repetirmos a operação com o 11 de setembro de 1973
do Chile, teremos o 1984. A subtração do produto do golpe brasileiro ao do
chileno, ou seja, 1995 - 1984, se apresentará como 11. Que o círculo se feche
por aqui.
Ficamos com a canção do Pablo
Milanés para dizer: QUE AMANHÃ NÃO SE REPITA!
* Artista e estudante do curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
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