Cristina Indio do Brasil
Agência Brasil
17.09.2013
Rio de Janeiro - O golpe de 1964 no Brasil teve apoio de
parcelas importantes das igrejas. Esta foi uma das conclusões da segunda série
de depoimentos, hoje (17), durante audiência pública da Comissão Nacional da
Verdade (CNV) e da Comissão Estadual da Verdade, na sede Caixa de Assistência
dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (Caarj), no prédio da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) Seccional Rio de Janeiro, no centro da capital
fluminense. A educadora Letícia Cotrim; o pastor emérito presbiteriano,
Zwinglio Motta; e o pastor luterano Mozzart Noronha relatam experiências que
vivenciaram durante a ditadura militar.
Letícia ficou presa por 14 dias no Destacamento de Operações
de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), uma semana no
quartel da Polícia Militar no centro do Rio e um mês e três dias em um quartel
do Exército em Petrópolis, na região serrana fluminense. Apesar de ter recebido
apoio de integrantes de destaque da Igreja Católica, como dom Aloísio
Lorscheider, ela disse que parte da Igreja ficou omissa.
“Foram pessoas que nos ajudaram em uma hora de sofrimento. Eu
tive isso, mas não quer dizer que a Igreja era homogênea. Houve quem deu e quem
não deu apoio. Foi pedido por mim a dom Eugênio Sales, e dom Eugênio não deu
apoio para falar com quem tinha me prendido, que eu tinha uma história na
Igreja. Eu fui dada como uma pessoa subversiva e que não estava acontecendo
nada comigo, quando na verdade estava”, disse Letícia, que participou desde a
adolescência do Movimento Ação Católica.
Zwinglio Motta chegou a ser expulso da Igreja Presbiteriana
do Brasil por defender questões contrárias às posições conservadoras da
instituição. O pastor disse que foi preso por ser irmão de Ivan Motta Dias,
militante desaparecido político, e, de acordo com informações levantadas pela
família, foi morto em um dos locais de tortura em Petrópolis. "A repressão
queria saber onde estava ele. Tentava por todos os meios e não conseguia.
Descobriu-me, alguém me delatou, e fui preso por isso”, declarou.
Para Zwinglio, o trabalho da comissão em apurar a atuação da
Igreja no período da ditadura e no golpe de 1964 é importante para a história
política do país. “Recuperar a memória é muito importante para que as gerações
futuras tenham acesso ao que aconteceu para que isso não volte a se repetir”,
disse o pastor emérito que depois, junto com 80 religiosos, fundou a Igreja
Presbiteriana Unida.
O pastor luterano Mozzart Noronha, que fez parte de um
movimento de resistência dentro das igrejas protestantes, também falou sobre a
falta de apoio da instituição. Ele disse que recebeu suporte apenas de pessoas
envolvidas com o movimento ao qual pertencia. “A igreja oficial não me deu
nenhum apoio, mas aquela comprometida, que nós chamamos a do Cristo fora dos
muros. Pessoas e indivíduos, embora membros da igreja, mas não respondiam
institucionalmente por ela, essas pessoas nos deram apoio, não somente no tempo
da nossa atuação clandestina contra a ditadura, mas também fora do país”,
declarou o pastor que precisou se mudar para a Europa.
O coordenador do Grupo de Trabalho Papel das Igrejas Durante
a Ditadura, na Comissão Nacional da Verdade, Anivaldo Padilha, disse que os
depoimentos confirmam que as igrejas tiveram postura contraditória, algo
surpreendente porque era de se esperar que tivessem uma posição clara contra a violação
dos direitos humanos, a tortura, assassinatos e desaparecimentos forçados. E
isso, segundo ele, não ocorreu. “Alguns setores importantes das igrejas
apoiaram a ditadura e setores minoritários se opuseram à ditadura",
destacou.
Para o professor de direitos humanos da Pontifícia
Universidade Católica (PUC) e membro da Comissão Estadual da Verdade, João
Dornelles, a participação das igrejas se modificou com o trabalho de
integrantes que se opunham aos militares e desenvolveram trabalhos com
movimentos sociais de atuação mais política. "Surgiu, a partir da Igreja
Católica, uma série de instituições que passou a cumprir um papel de denúncia
de violação de direitos humanos, e a própria CNBB [Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil] se posicionando contra a ditadura, principalmente no decorrer
dos anos 1970, na luta pela anistia e libertação dos presos políticos, junto
com igrejas presbiterianas e metodistas”, analisou.
Edição: Aécio Amado
Fonte: EBC
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