Paul Krugman*
Embora a economia ndos EUA
esteja em depressão, os lucros das corporações batem recordes. Os lucros sobem
cada vez mais às custas dos trabalhadores. Há duas explicações plausíveis para
isso, sendo ambas verdadeiras até certo ponto. Uma diz que a tecnologia colocou
os trabalhadores em desvantagem; a segunda que estamos sofrendo os efeitos de
uma monopolização e da ação dos "robber barons" ("magnatas
ladrões", termo usado para caracterizar os capitalistas do século
XIX"). O artigo é de Paul Krugman.
A economia norte-americana
está, segundo a maioria dos indicadores, em profunda depressão. Mas os lucros
das corporações estão batendo recordes. Como isso é possível? Simples: os
lucros sobem enquanto salários e compensações por trabalho caem. O bolo não
está crescendo da maneira que deveria, mas o capital vai muito bem obrigado por
apanhar um pedaço enorme dele. Às custas dos trabalhadores.
Espere, nós realmente voltamos
a tratar da relação capital versus trabalho? Essa não é uma discussão fora de
moda, quase marxista, para nossa moderníssima economia? Bem, muita gente pensa
assim. Para as últimas gerações, discussões sobre desigualdade recaíam não na
relação capital-trabalho, mas em questões de distribuição de renda entre trabalhadores.
Essas questões, porém, talvez não tenham mais tanto a nos dizer.
Isto é, embora seja inegável
que o pessoal do mercado financeiro continua a ganhar dinheiro que nem bandidos
– em parte porque, como sabemos, alguns são bandidos – a diferença salarial
entre os trabalhadores com curso superior e sem curso superior, que cresceu
muito nos anos 1980 e no começo dos 90, não mudou muito desde então. De fato,
os que se graduaram mais recentemente tiveram seus rendimentos estagnados mesmo
antes da chegada da crise. Os lucros sobem cada vez mais às custas dos
trabalhadores, inclusive daqueles que supostamente prosperariam no mercado
atual.
Por que isso está acontecendo?
Ao que sei, há duas explicações plausíveis, sendo ambas verdadeiras até certo
ponto. Uma diz que a tecnologia colocou os trabalhadores em desvantagem; a
segunda que estamos sofrendo os efeitos de uma monopolização. Imaginemos que há
robôs de um lado, ‘robber barons’ (termo muito usado para caracterizar os
grandes capitalistas do século XIX que, traduzido livremente, significa
magnatas ladrões) de outro.
Primeiramente, os robôs. Não
resta dúvidas de que, em algumas das mais expressivas indústrias do mundo, a
tecnologia está tomando o lugar de todos, ou de quase todos, os tipos de
trabalhadores. Por exemplo, um dos motivos pelos quais fábricas de alta tecnologia
estão voltando para os EUA é que as placas-mães, as mais importantes das pecas
de computadores, são essencialmente feitas por robôs. A mão de obra asiática
barata deixou de ser um motivo para que elas sejam produzidas no exterior.
Num livro recente, Race Against
the Machine (Corrida Contra a Máquina), Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee,
ambos do Massachusets Institute of Technology, argumentam que histórias
similares podem ser contadas sobre outras áreas, como as de tradução e pesquisa
jurídica. O que mais impressiona dos exemplos apresentados no livro é que
cargos de alta remuneração e especialização andam sendo encerrados, nem só os
subalternos são vítimas da tecnologia.
Todavia, a inovação e o
progresso podem realmente prejudicar um grande número de trabalhadores, talvez
até os trabalhadores em geral? Eu costumo me deparar com declarações de que
isso é impossível. A verdade, no entanto, desmente essas afirmações.
Economistas sérios sabem disso há quase dois séculos. David Ricardo, economista
do início do século XIX, é mais conhecido por sua teoria da vantagem
comparativa, que oferece boas razões para o exercício do livre-mercado. Mas o
mesmo livro que apresenta tal teoria incluía um capítulo sobre como as
tecnologias da Revolução Industrial poderiam piorar a situação dos
trabalhadores, pelo menos durante um tempo – que posteriores estudos sugerem
ter durado décadas.
E quanto aos robber barons? Não
se fala muito sobre monopólio atualmente. Toda a ação que se opunha ou servia
para regular os monopólios foi colapsada durante os anos Reagan e disso nós
nunca nos recuperamos. Contudo, Barry Lynn e Phillip Longman da New America
Foundation defendem, muito persuasivamente na minha opinião, que a
monopolização é um fator crucial para a estagnação do trabalho, visto que as
corporações usam de seu poder para aumentar preços sem repassar ganhos para os
empregados.
É difícil saber quanto da
desvalorização do trabalho é explicada pela tecnologia ou pela monopolização,
em parte porque há pouca discussão sobre o que está acontecendo. Eu penso ser
justo dizer que o deslocamento dos proventos do trabalho para o capital ainda
não ocupa o lugar devido na discussão sobre a economia norte-americana.
Esse deslocamento, porém, está
acontecendo e implica em muita coisa. Por exemplo, há um impulso enorme e
generosamente financiado no sentido da redução dos impostos sobre as
corporações. É possível desejarmos isso numa época em que o lucro cresce a
despeito dos interesses dos trabalhadores? E o que dizer do movimento de redução
do imposto sobre heranças? Uma vez que nós estamos caminhando em direção a um
mundo em que o capital financeiro, não a formação ou a perícia, determina a
renda, é possível desejarmos facilitar a herança de grandes riquezas?
Como eu disse, esta discussão mal
começou. Mas é hora de fazê-lo, ou os robôs e os robber barons transformarão
nossa sociedade em algo irreconhecível.
* Professor de Economia e
Relações Internacionais na Universidade de Princeton e escrever regularmente
para o New York Times. Krugman recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008.
Tradução de André Cristi
Fonte: Carta
Maior
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