Após 34 dias de internação, arquiteto veio a falecer hoje (5), no
Rio de Janeiro, em decorrência de uma infeccção respiratória; militante
comunista histórico, Niemeyer cedeu seu prestígio ao Brasil de Fato, ao aceitar
ser, desde à fundação do jornal, membro do nosso Conselho Político
05/12/2012
da Redação do Brasil de Fato
Após 34 dias de internação,
Oscar Niemeyer morreu hoje aos 104 anos, às 21h55. De acordo com a equipe
médica do Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro, onde o arquiteto estava desde
o dia 2 de novembro, ele veio a falecer em decorrência de uma infecção
respiratória.
Há dias, Niemeyer, que em 15 de
dezembro completaria 105 anos, vinha sendo submetido à hemodiálise e à
fisioterapia respiratória. Ainda de acordo com a equipe médica, só perdeu a
lucidez hoje pela manhã, quando foi sedado após a infecção ter sido constatada.
Leia abaixo entrevista
exclusiva de 2005 que Niemeyer, à época com 97 anos, deu ao Brasil de Fato:
Lula podia ter feito mais, diz Niemeyer
João Alexandre Peschanski
e Taís Peyneau
do Rio de Janeiro (RJ)
Sentado, em seu escritório em
Copacabana, no Rio de Janeiro, Oscar Niemeyer balança a cabeça. “Cansamos de
esperar as reformas que Lula prometia”, diz, comentando a crise do governo e do
Partido dos Trabalhadores (PT). Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, o
arquiteto revela que nunca teve ilusões em relação ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, que, segundo ele, chegou ao poder “cheio de ânimo”, mas sem um
projeto para mudar radicalmente o Brasil.
Esboça um sorriso. Mantém-se
otimista, pois “Lênin já dizia que sem sonhar as coisas não acontecem”. Segundo
ele, Lula ainda pode “virar a mesa” e implementar ações efetivas contra a
pobreza. Para tanto, sugere, deve tomar exemplo nos presidentes cubano e
venezuelano, Fidel Castro e Hugo Chávez.
Segundo Niemeyer, mais do que
nunca é preciso voltar-se à luta por mudanças radicais. Diante da possibilidade
de transformar o mundo, outras atividades – até mesmo a arquitetura – perdem
importância. Diz isso e caminha para a sala. Nas paredes, frases que escreveu.
“Revolução”, “Terra para todos”, “Por um mundo melhor”. Ao lado, nas mesmas
paredes, rascunhos e desenhos de suas obras.
Brasil de Fato – Apesar da
queda do muro de Berlim, da dissolução da União Soviética e, agora, da crise do
PT, o senhor continua a ser comunista. De onde encontra motivação?
Oscar Niemeyer – Deste mundo de
pobres que nos cerca e até hoje espera por uma vida melhor.
O comunismo é a solução?
O comunismo resolve o problema
da vida. Faz com que a vida seja mais justa. E isso é fundamental. Mas o ser
humano, este continua desprotegido, entregue à sorte que o destino lhe impõe.
Como se constrói, no ideário
popular, uma visão positiva do comunismo – termo que parece estar bastante
desgastado desde a derrocada da União Soviética?
A Revolução Russa de 1917 fez
de um país de mujiques a segunda potência mundial. Foi fantástico. Setenta anos
de glória e a vitória definitiva contra o nazismo. Não podemos esquecê-la.
Sabemos que é o caminho a seguir.
No Brasil, a crise que afeta o
PT e Lula enfraquece a luta pelo comunismo?
Não, ao contrário. A situação
se faz tão difícil e degradada que um dia só a revolução resolverá os nossos
problemas. Quando houve a eleição do Lula, declarei que meus candidatos seriam
ou João Pedro Stedile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
ou Leonel Brizola, exgovernador do Rio de Janeiro. Esses homens são de luta.
Lula é um ex-operário, cheio de ânimo, mas nunca foi comunista. Seu projeto era
melhorar o capitalismo, o que é um objetivo impossível, a meu ver. Minha
posição é que precisamos de um presidente que tenha a força de virar a mesa e
realizar mudanças radicais, como Castro e Chávez.
Qual o impacto da crise na
esquerda?
Cansamos de esperar as reformas
que Lula prometia. Para nós ele deveria se ligar à esquerda do PT e cumprir as
promessas que fez ao povo. Seria a sua última oportunidade.
Lula tem força e,
principalmente, vontade para uma mudança radical?
Tinha. Mas para mantê-la ele
teria que se ligar ao povo, apoiar com maior vigor a reforma agrária, o MST, o
movimento mais importante que existe em nosso país. Deveria ser menos gentil
com os donos do dinheiro, inclusive com o presidente dos Estados Unidos, George
W. Bush, um cretino que não devia existir.
O que deu errado no PT?
Um partido de esquerda que se
enfraquece esquecendo as suas origens... Até o MST, um movimento que Stedile
lidera tão bem, não teve do governo atual o apoio que deveria ter. Sobre tudo
isso escrevi num artigo comentando como é difícil mudar este mundo coberto de
miséria e discriminação.
Nesse artigo, o senhor disse
que era preciso ser otimista. Continua com essa opinião?
Sim. Lênin já dizia que sem
sonhar as coisas não acontecem.
O senhor concilia arquitetura e
comunismo, que parecem distantes...
A vida é mais importante do que
a arquitetura. A arquitetura não muda nada, mas a vida pode mudar a
arquitetura.
O que é uma arquitetura mais
igualitária?
Aquela que a todos atende sem
discriminação. Vou esclarecer a vocês meu ponto de vista. Quando o governo
decide fazer uma escola perto das favelas, a idéia é sempre fazer algo mais
pobre. Isto é errado. Recentemente, projetei uma biblioteca e um teatro em Caxias.
Fiz como se fosse para Copacabana, o projeto mais audacioso possível. Não pode
haver discriminação. Quando Brizola fez os Centros Integrados de Educação
Pública (Cieps), vimos que os meninos entravam nos prédios com orgulho,
imaginando, na sua inocência, que os tempos iam mudar e eles poderiam começar a
usufruir o que antes só às crianças mais ricas era permitido.
A arquitetura está muito
vinculada ao urbano. É possível pensá-la para os camponeses?
A arquitetura obedece sempre a
um programa e, no caso, seria diferente, voltada para a vida dos homens do
campo.
Se pudesse voltar no tempo, o
senhor participaria, de novo, da construção de Brasília?
Não sei. Brasília foi uma
aventura, parecia o fim do mundo. E não eram poucos os problemas que ocorriam
naquela época. Lembro que, logo nos inícios de Brasília, fui chamado à polícia
política. Avisei ao presidente, que, homem de centro que era, me advertiu:
“Você não pode ir. Tiram o seu retrato, e eu não poderei mais recebê-lo no
Palácio.” Mas o meu amigo logo se recuperou, telefonando para o general Amaury
Kruel: “O Niemeyer não pode ir. É meu elemento-chave em Brasília.”
O senhor foi à polícia
política?
Niemeyer – Mais duas vezes.
Numa delas, só para ser “escrachado”, como se diz, isto é, ir de mesa em mesa,
apresentando-se aos policiais de plantão. Na outra vez, quando voltei ao
Brasil, lembro que fui levado para uma sala acolchoada, onde um policial me
fazia as perguntas que um crioulinho batia à máquina. Recordo a última
pergunta: “O que vocês comunistas pretendem?” “Mudar a sociedade”, respondi. E
o policial disse ao rapaz: “Escreve aí: mudar a sociedade”. E o crioulinho riu,
dizendo para mim: “Vai ser difícil”.
Muitas vezes, o senhor foi
criticado porque Brasília é muito vazia. No entanto, sempre que desenhou a
cidade, enchia-a de gente. A cidade saiu como o senhor queria?
Ao contrário, hoje Brasília tem
gente demais. Até o tráfego começa a ficar difícil.
Setores da direita e esquerda
discutem o impeachment do Lula. No geral, rejeitam a hipótese. O que o senhor
acha disso?
É péssimo. Os que são contra o
Lula são muito piores.
Se o presidente realmente
estivesse ameaçado de ser derrubado, o senhor acha que as pessoas sairiam às
ruas para defendê-lo?
Depende dele. Depende dele.
O que isso quer dizer?
Que ele tem que agir, apelar
para as bases. Ele prometeu muita coisa e, para acabar seu governo como um
homem digno, de pé, precisa cumprir as promessas.
O que aprendemos com a tomada
do poder por Lula e com a crise que o assola?
Um aprendizado muito duro... É
que infelizmente falta conhecimento político ao nosso povo para decidir coisas
dessa natureza. Sempre reclamamos não serem levados à juventude os problemas da
vida e do ser humano, cuja compreensão deve fazer parte de sua formação. Cada
um sai da escola apenas interessado nos problemas de sua profissão.
O que quer a direita?
Manter este clima de poder, de
injustiça social e de subserviência ao império norte-americano.
Dizem geralmente que quem
controla o mundo é o Bush.
O Bush, no fundo, é um idiota
que tem as armas na mão e delas se serve para levar o terror às áreas mais
desprotegidas. Representa o capitalismo, que, decadente, tudo faz para
subsistir.
Na arquitetura, o senhor está
trabalhando em algum projeto que traduza sua visão atual do Brasil e do mundo?
Se eu fosse jovem, em vez de
fazer arquitetura, gostaria de estar na rua protestando contra este mundo de
merda em que vivemos. Mas, se isso não é possível, limito-me a reclamar o mundo
mais justo que desejamos, com os homens iguais, de mãos dadas, vivendo
dignamente esta vida curta e sem perspectivas que o destino lhes impõe.
A arquitetura não tem função
social?
Deveria ter. Mas, quando ela é
bonita e diferente, proporciona pelo menos aos pobres e ricos um momento de
surpresa e admiração. Mas quanto lero-lero! Na verdade, o que nós queremos é a
revolução.
Quem é: Nascido em 1907, Oscar
Niemeyer Soares Filho é arquiteto e militante comunista. Formou-se em 1934 na
Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Onze anos depois, ingressou no
Partido Comunista Brasileiro. Manteve a militância durante toda a vida. Entre
seus principais projetos estão o desenho da sede da Organização das Nações
Unidas (ONU), o Parque do Ibirapuera em São Paulo (SP) e, principalmente, a construção
de Brasília, onde foi responsável pelos projetos do Palácio da Alvorada, do
Congresso Nacional e da Catedral.
Glossário
Mujique – Nome
dado aos camponeses russos que viviam em regime feudal. O governo revolucionário,
instaurado em 1917, após a Revolução de Outubro, implementou diversas políticas
para melhorar as condições dos trabalhadores, especialmente os rurais.
Cieps
(Centros Integrados de Educação Pública) – Idealizados por Brizola, em 1983, e
projetados por Niemeyer, são escolas de período integral. Atendem em média
1.000 crianças por dia, oferecendo, além de aulas, atividades culturais,
esportivas e lazer. Há 500 unidades em funcionamento, geralmente instaladas em
áreas pobres do Estado.
Indicações complementares do Almoço das Horas:
Indicações complementares do Almoço das Horas:
Documentário sobre o arquiteto
falecido hoje: A vida é
um sopro
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