Raphael Tsavkko Garcia*
Sexta, 21 de dezembro de
2012
É interessante notar que desde
que começamos, eu e o @elcapeto, a alimentar o a página Governismo, a doença
infantil... as pérolas fanáticas dos governistas não pararam de chegar; na
verdade, a coisa vem piorando, chegando ao machismo, racismo, outros preconceitos
lamentáveis e teorias conspiratórias sem pé nem cabeça.
Mas algo tem me chamado a
atenção há alguns dias: a guerra civil que começa a crescer no seio dos
governistas. Não que não sejam todos fanáticos, mas parece que há gradações.
Desde bestas completas que não veem problema em passar por cima de qualquer um
pelo dito desenvolvimento dilmista, através, por exemplo, da defesa fanática de
Belo Monte, até a quem critique pontualmente, por exemplo, a aliança com Maluf
ou o PP na Habitação de São Paulo – sem que isto abale seu apoio geral a tudo
que faz ou manda o partido.
A questão é que, agora, estes
que criticam minimamente têm sido ferozmente atacados pelos mais fanatizados,
por aqueles que acham que Lula é deus e que o caminho lulista é a única resposta
para os problemas da humanidade. Gente que sempre foi governista e/ou petista
tem sido duramente atacada por essa horda de acéfalos que apenas sabem repetir
ordens da direção. Uns chegam a ser chamados de Cabo Anselmo!
E a coisa é realmente feia, com
acusações de traição, de falso petismo e rompimento de amizades e relações. Não
à toa o Governismo, a doença infantil... tem tido menos pérolas nos últimos
dias: os esforços parecem concentrados nos expurgos que os fanáticos tentam
orquestrar contra os moderados (se é que podem ser chamados assim).
E chamar de "expurgo"
não é de graça. A semelhança não apenas com o stalinismo, como com outras
ideologias de supremacia (ideológica, racial, étnica, etc.) é clara. Repete-se
fanaticamente, sem qualquer crítica, aquilo que vem de cima, da direção. Mesmo
que as ordens sejam para que se esqueça todo o passado, tudo o que se defendia
antes – antiprivatismo, direitos humanos etc. Limita-se a obedecer e encontrar
maneiras de justificar – mesmo que seja impossível – porque seu partido, sua
direção e mesmo você mudaram de ideia, ou melhor, se negam a aceitar que
mudaram de ideia.
O ponto alto é dizer que SEMPRE
defenderam o que estão fazendo, no máximo alterem o nome (chamando privatização
de concessão) e, quando for impossível defender, mudar o nome ou disfarçar,
atacando o interlocutor de tucano, de vendido, de antipatriota etc.
Quando não for possível
sustentar a defesa de algo tão absurdo como, por exemplo, remoções forçadas
para obras feitas sob medida para a máfia da FIFA, a máfia do PMDB, acusem o
interlocutor.
Caso recente é o da
re-privatização das empresas do setor elétrico patrocinada por Dilma. A maioria
dos fanáticos e dos portais ligados ao PT, ao invés de criticar a privatização
repetida – e desta vez pior, pois sequer o Congresso é consultado – se limita a
acusar o PSDB de não querer se juntar à farra.
Obviamente, como já disse em
artigo passado, o PSDB se recusa a se juntar à farra por birra, mas é
sintomático. O PT copia FHC sem o menor problema, mas seus ‘militontos’
garantem o discurso de que são diferentes, mascarando a realidade e criando um
mundo de fantasia que só eles enxergam – mas tentam impor aos demais.
Meu temor é que estes expurgos
acabem por piorar a situação. Mesmo que caminhando para o fanatismo e cegos
para muitas coisas, os mais moderados têm o papel de, ao menos, servir como uma
barreira de contenção do fanatismo máximo. Mas estão falhando e sendo
suplantados.
Podemos chamar estes fanáticos
de stalinistas, mas outros termos servem da mesma forma. Como querem posar de
esquerda, ainda que não sejam, e no fim apenas acabam denegrindo a imagem da
esquerda, uso o termo.
Governo privatiza? O discurso é
que vai "salvar" o povo, que não é privatização, é concessão. Governo
é corresponsável pelos massacres contra indígenas? Oras, quem se importa com
aqueles nômades invisíveis?
A ideologia por detrás nada
mais é que o lulo-dilmismo (uma mistura de teoria lulista com práxis dilmista,
talvez?). Ideologia esta que se entende por um misto de sopão aos pobres com
incentivos pesados ao capitalismo, aliado a um entreguismo ímpar.
Em outras palavras, entrega-se
ao pobre aquilo que é mínimo para sua sobrevivência, o básico do
assistencialismo (que é necessário, diga-se de passagem), mas chega a um ponto
em que fica só nisso e tudo que vem depois é precarizado, feito nas coxas –
vide ProUni, que de boa ideia descambou para garantir crescimento de
UniEsquinas ao invés de incentivar educação de qualidade.
E, passadas as necessidades
mais básicas, resta o consumismo. O incentivo perpétuo a se ter mais, acumular.
Ter uma TV de LCD e computador ultramoderno, mas morando em favela sem
saneamento básico. Afinal, saneamento é caro, a TV mais barata e, quem sabe,
serve como cala-boca e garante votos.
De um necessário
assistencialismo passamos para o consumismo incentivado e defendido com
orgulho.
Uma classe média de 291 reais –
que não é classe média nem aqui e nem no inferno –, cujo mantra é repetido à
exaustão até que vire verdade.
Se não pode convencer sem
argumentos, repete-se incansavelmente, até que, por osmose, sigam o que a
direção do partido mandar.
E é óbvio que o
assistencialismo – via Estado – tem outras intenções. O povo com mais dinheiro
consome, gasta dinheiro com os parceiros e financiadores de campanha do
partido. Partido este que, além de incentivar o consumismo, garante o princípio
do toma lá dá cá com seus patrocinadores, através de projetos megalomaníacos
reavivados da Ditadura ou fazendo vista grossa a abusos sistemáticos aos
direitos humanos.
Aliás, um aparte: a ministra
Maria do Rosário é uma das figuras mais patéticas da República com seu discurso
simplesmente inverossímil de defesa dos Direitos Humanos, ao passo que
genocídios são lugar comum no país e o governo não prepara uma única política
para melhorar a situação. Indígenas, LGBTs, população negra... Nada. Dilma pessoalmente
faz questão de agradar aliados e vetar políticas a favor de índios e LGBTs.
Um governo aliado de Katia
Abreu, Bolsonaro, Malafaia, Igreja Universal e Cia. não pode governar para o
povo e para as minorias. Não faz "propaganda de opção sexual", enquanto
gays morrem como moscas e ultrapassamos o recorde de mortes, não demarca terras
e garante a segurança das diversas tribos ameaçadas pelo país, pois, oras,
índio atrapalha o progresso. Bom mesmo é que suas terras sejam usadas para
mineração, soja ou hidrelétricas mil. E não surpreende almoço com militares e
afagos aos bandidos enquanto quem foi torturado, perdeu amigos e parentes
continua nas ruas tentando reparação e justiça.
Dilma só recebe quem tem poder
– e farda.
Democratização das
comunicações? Respeito aos direitos humanos?
Desmilitarização da polícia?
Memória e justiça e revogação da Lei da Anistia?
Direitos reprodutivos? Direitos
LGBTs? Direitos indígenas? Educação de qualidade para todos e todas? Salários
decentes para professores?
Assuntos irrelevantes no
entender governista. Mais importante é privatizar e garantir lucros ao Eike.
Mas, voltando, o lulo-dilmismo
conseguiu o que parecia impossível. FHC apenas conseguia contentar os ricos,
deixando trabalhadores com ódio e pobres abandonados, mas Lula e a Dilma, com
pesada propaganda e dinheiro para a grande mídia e seus parceiros, conseguiram
unir políticas assistencialistas eficazes e necessárias com lucros históricos
para todos os principais setores capitalistas do país, ao passo que, graças ao
esforço imenso dos seus fanáticos pagos e não-pagos, retira direitos atrás de
direitos dos trabalhadores – privatização da previdência dos funcionários
públicos, pretensão de flexibilizar a CLT, além das já conhecidas desonerações
da folha.
Chegamos num ponto, porém, em
que o processo de aprofundamento do capitalismo, do mais violento, no país
acabou por causar algum desconforto entre as hostes menos fanáticas do
governismo. É o momento em que veremos qual grupo prevalecerá. Pessoalmente não
tenho dúvida de que o mais fanatizado irá prevalecer, e os mais moderados irão
ter de se contentar a serem sacos de pancada ou abandonar o partido.
Para a maioria, prevejo a
conformação e a piada de que "lutam internamente", um eufemismo para
"iremos fingir discordar internamente, mas votaremos TUDO com o
governo", só que cada vez mais enfraquecidos, cada vez menores e cada vez
menos eficazes e conscientes.
Estamos beirando um
totalitarismo dentro do chamado "campo governista" e meu temor é que
se espalhe, que transcenda esse campo já tão frágil em termos de resistência.
Sou e sempre serei defensor de democratização das mídias, mas o que vemos hoje,
em geral, é uma luta entre a mídia próxima do PT e a grande mídia, com raras
exceções no meio. Lutas sociais são colocadas de lado em nome da
governabilidade, direitos humanos são relativizados e, neste cenário, temo que
tipo de processo de "democratização" possa vir de um governo que
governa pro capital e dá migalhas ao povo.
O mesmo vale para a
"reforma política". Oras, com esta base aliada que tudo pode, que
tudo ganha mesmo que não se preocupe em votar com o governo para justificar
todas as benesses, imaginem a maravilha que sairia a tal reforma!
(E tem quem chame de voto de
cabresto a mera exigência de que "aliados" sejam... aliados! Na hora
de privatizar o PMDB não vota "errado", mas pra questões
populares...)
Ano que vem a Dilma já declarou
que seu objetivo é reduzir impostos. Educação? Direitos Humanos?
Não, reduzir impostos. E pra
isso não se importa em privatizar, em subsidiar lucros das empresas, em
manipular discursos sem, no fim, realizar uma necessária reforma tributária. É
o Estado renunciando a arrecadar, mas sem mexer no lucro dos amigos
empresários. Temos a produção de carro mais barata do mundo, para dar apenas um
exemplo, mas pagamos o valor mais alto do mundo pelo produto final. O governo?
Oras, reduz IPI, ou seja, impostos, pra baixar o preço de forma irrisória, ao
invés de FORÇAR uma menor margem de lucro às montadoras.
O Estado renuncia arrecadação
(no caso criando um caos em municípios), mas mexer no lucro dos empresários?
NUNCA! Isso seria de esquerda!
Militontos não cansam de
xingarem o STF, não cansam de xingarem qualquer opositor dentro ou fora do
partido, mas batem palmas para higienismo e políticas genocidas, repetindo
cegamente que "quem não está conosco, é de direita", mesmo que o PT
de hoje cause invejas ao PSDB que nunca conseguiu manipular tão perfeitamente
as massas. É um nível de fanatismo que beira ou roça no totalitarismo.
* Jornalista e blogueiro,
formado em Relações Internacionais (PUC-SP), é mestre em Comunicação (Cásper
Líbero).
Fonte: Correio
da Cidadania
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