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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

De viveiro de ousadias e moinho de sonhos?


Carta ao Cardeal Odilo Scherer

Eminentíssimo e Reverendíssimo
Dom Odilo Pedro Scherer
Grão-Chanceler da PUC-SP
A PUC-SP foi pioneira ao adotar um mecanismo de consulta direta aos que estudam e trabalham nesta universidade para a escolha de seu reitor. Este mecanismo de consulta – e não a prerrogativa de escolha pelo Cardeal – foi a grande novidade que serviu de referência para as lutas que se travavam contra a ditadura militar e, mais especificamente, pela democratização da própria vida universitária brasileira. Tanto é assim que três décadas se passaram sem que tal prerrogativa se confrontasse com a escolha expressa nas urnas. Agora, Vossa Eminência Reverendíssima segue na contramão desta conquista democrática que se incorporou à nossa vida e decide pela terceira colocada na etapa democrática do processo de escolha.
O exercício de vossa prerrogativa era temido por boa parte dos que se preocupavam com o processo eleitoral. Daí a solicitação para que cada candidato assinasse publicamente o compromisso de não aceitar a nomeação caso não obtivesse o primeiro lugar nas urnas. E todos assinaram, apesar do visível contragosto da que seria a terceira colocada. Estas assinaturas fortaleceram objetivamente a crença de que se manteria a tradicional proeminência do aspecto democrático sobre a prerrogativa cujo uso efetivo Vossa Eminência Reverendíssima adotou. Indo além, aquelas assinaturas conjuntas de elevada força moral, embora ainda sem força de lei, imprimiram nova qualidade político-acadêmica ao processo de escolha para reitor da PUC-SP e produziram forte impacto mobilizador sobre estudantes, funcionários administrativos e professores desta universidade. Por outro lado, ignoramos qualquer manifestação pública – individual ou coletiva – de discordância em relação a estes compromissos.
Em suma, a grande conquista de trinta anos atrás, já consolidada pelos nossos costumes, recebeu, no último pleito, um novo impulso, o qual, aliás, sintoniza com insistentes clamores por liberdade e melhoria da representação em várias partes do mundo. Novamente, quando a PUC-SP parecia politicamente fatigada, uma importante contribuição democrática corre o risco de aborto. Isto é o essencial.
Todavia, se esmiuçarmos o caso, veremos que a escolha de Vossa Eminência Reverendíssima, além de romper uma saudável tradição, incidiu sobre alguém que renega um compromisso publicamente assumido e, desta forma, constitui um péssimo exemplo para dentro e para fora da universidade. Este comportamento produz desencanto e é rejeitado por crescentes setores da sociedade. O triste desempenho da escolhida em todo este caso contrasta com a energia e a criatividade que se expressam no indignado movimento de repúdio à posse de quem só aceitou para “evitar uma intervenção na PUC-SP”. Esperamos que esta sinistra alegação tenha a mesma frivolidade da qualificação de nosso movimento como produto de um punhado de estudantes. Ao que me consta, o CONSUN não representou um grupelho qualquer e foi sensível a um dos maiores e mais originais movimentos cívicos da história desta universidade. Este, sim, até o momento em que escrevo esta carta, dá orgulho de ser PUC! E espero que continue cada vez melhor.
Li atentamente vossa Resposta ao CONSUN e estou sensível ao vosso argumento acerca do ato jurídico perfeito. Mas este argumento atende à complexidade da situação em que vivemos? Não corremos o risco de, aqui e agora, criar um desencontro entre o mundo jurídico e o resto do mundo? Entre, por um lado, a posse de quem se compromete e, depois de perder, não cumpre; e, por outro, em todos os segmentos, a frustração dos que se empenharam em um processo eleitoral e o veem corroído? Independentemente da competência da candidata, a perspectiva de sua gestão é repudiada pela maioria dos que aqui estudam e trabalham, inclusive grande número dos que votaram naquela candidatura.
Esta universidade, com ínfima estrutura material, chegou tão longe porque tem sido um viveiro de ousadias, muitas das quais, ao conquistarem novos direitos, mudam o real para melhor. Quando isto ocorreu, houve sérios conflitos, mas desaguaram em diálogo. O resultado do atual conflito pode impulsionar a PUC-SP para melhores tempos. Ou produzir feridas e decepções insanáveis, especialmente nestes jovens que conseguem, dia após dia, fazer de seu protesto tamanha inventividade cultural.
Que neste momento, como diria o poeta popular, não se triturem sonhos.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida
Departamento de Política e Programa de Estudos Pós-Graduados
 em Ciências Sociais da PUC-SP

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