Carta ao Cardeal Odilo Scherer
Eminentíssimo e Reverendíssimo
Dom Odilo Pedro Scherer
Grão-Chanceler da PUC-SP
A PUC-SP foi pioneira ao adotar
um mecanismo de consulta direta aos que estudam e trabalham nesta universidade
para a escolha de seu reitor. Este mecanismo de consulta – e não a prerrogativa
de escolha pelo Cardeal – foi a grande novidade que serviu de referência para
as lutas que se travavam contra a ditadura militar e, mais especificamente,
pela democratização da própria vida universitária brasileira. Tanto é assim que
três décadas se passaram sem que tal prerrogativa se confrontasse com a escolha
expressa nas urnas. Agora, Vossa Eminência Reverendíssima segue na contramão desta
conquista democrática que se incorporou à nossa vida e decide pela terceira
colocada na etapa democrática do processo de escolha.
O exercício de vossa
prerrogativa era temido por boa parte dos que se preocupavam com o processo
eleitoral. Daí a solicitação para que cada candidato assinasse publicamente o
compromisso de não aceitar a nomeação caso não obtivesse o primeiro lugar nas
urnas. E todos assinaram, apesar do visível contragosto da que seria a terceira
colocada. Estas assinaturas fortaleceram objetivamente a crença de que se manteria
a tradicional proeminência do aspecto democrático sobre a prerrogativa cujo uso
efetivo Vossa Eminência Reverendíssima adotou. Indo além, aquelas assinaturas
conjuntas de elevada força moral, embora ainda sem força de lei, imprimiram
nova qualidade político-acadêmica ao processo de escolha para reitor da PUC-SP
e produziram forte impacto mobilizador sobre estudantes, funcionários
administrativos e professores desta universidade. Por outro lado, ignoramos
qualquer manifestação pública – individual ou coletiva – de discordância em
relação a estes compromissos.
Em suma, a grande conquista de
trinta anos atrás, já consolidada pelos nossos costumes, recebeu, no último
pleito, um novo impulso, o qual, aliás, sintoniza com insistentes clamores por
liberdade e melhoria da representação em várias partes do mundo. Novamente,
quando a PUC-SP parecia politicamente fatigada, uma importante contribuição
democrática corre o risco de aborto. Isto é o essencial.
Todavia, se esmiuçarmos o caso,
veremos que a escolha de Vossa Eminência Reverendíssima, além de romper uma
saudável tradição, incidiu sobre alguém que renega um compromisso publicamente
assumido e, desta forma, constitui um péssimo exemplo para dentro e para fora
da universidade. Este comportamento produz desencanto e é rejeitado por
crescentes setores da sociedade. O triste desempenho da escolhida em todo este
caso contrasta com a energia e a criatividade que se expressam no indignado
movimento de repúdio à posse de quem só aceitou para “evitar uma intervenção na
PUC-SP”. Esperamos que esta sinistra alegação tenha a mesma frivolidade da
qualificação de nosso movimento como produto de um punhado de estudantes. Ao
que me consta, o CONSUN não representou um grupelho qualquer e foi sensível a
um dos maiores e mais originais movimentos cívicos da história desta universidade.
Este, sim, até o momento em que escrevo esta carta, dá orgulho de ser PUC! E
espero que continue cada vez melhor.
Li atentamente vossa Resposta
ao CONSUN e estou sensível ao vosso argumento acerca do ato jurídico perfeito.
Mas este argumento atende à complexidade da situação em que vivemos? Não
corremos o risco de, aqui e agora, criar um desencontro entre o mundo jurídico
e o resto do mundo? Entre, por um lado, a posse de quem se compromete e, depois
de perder, não cumpre; e, por outro, em todos os segmentos, a frustração dos
que se empenharam em um processo eleitoral e o veem corroído? Independentemente
da competência da candidata, a perspectiva de sua gestão é repudiada pela
maioria dos que aqui estudam e trabalham, inclusive grande número dos que
votaram naquela candidatura.
Esta universidade, com ínfima
estrutura material, chegou tão longe porque tem sido um viveiro de ousadias,
muitas das quais, ao conquistarem novos direitos, mudam o real para melhor.
Quando isto ocorreu, houve sérios conflitos, mas desaguaram em diálogo. O
resultado do atual conflito pode impulsionar a PUC-SP para melhores tempos. Ou
produzir feridas e decepções insanáveis, especialmente nestes jovens que
conseguem, dia após dia, fazer de seu protesto tamanha inventividade cultural.
Que neste momento, como diria o
poeta popular, não se triturem sonhos.
Atenciosamente,
Prof. Dr. Lúcio Flávio
Rodrigues de Almeida
Departamento de Política
e Programa de Estudos Pós-Graduados
em Ciências Sociais da PUC-SP
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