por MÁRIO MAESTRI
SÁBADO, 26 DE DEZEMBRO
DE 2009
Não festejo e me faz mal o
natal por diversas razões, algumas fracas, outras mais fortes. Primeiro, sou
ateu praticante e, sobretudo, adulto. Portanto, não participo da solução fácil
e infantil de responsabilizar entidade superior, o tal de "pai eterno",
pelos desastres espirituais e materiais de cuja produção e, sobretudo,
necessária reparação, nós mesmos, humanos, somos responsáveis.
Sobretudo como historiador, não
vejo como celebrar o natalício de personagem sobre o qual quase não temos
informação positiva e não sabemos nada sobre a data, local e condições de
nascimento. Personagem que, confesso, não me é simpático, mesmo na narrativa
mítico-religiosa, pois amarelou na hora de liderar seu povo, mandando-o pagar o
exigido pelo invasor romano: "Dai a deus o que é de deus, dai a César, o
que é de César"!
O Natal me faz mal por
constituir promoção mercadológica escandalosa que invade crescentemente o mundo
exigindo que, sob a pena da imediata sanção moral e afetiva, a população, seja
qual for o credo, caso o tenha, presenteie familiares, amigos, superiores e
subalternos, para o gáudio do comércio e tristeza de suas finanças, numa
redução miserável do valor do sentimento ao custo do presente.
Não festejo e me desgosta o
Natal por ser momento de ritual mecânico de hipócrita fraternidade que, em vez
de fortalecer a solidariedade agonizante em cada um de nós, reforça a pretensão
da redenção e do poder do indivíduo, maldição mitológica do liberalismo,
simbolizada na excelência do aniversariante, exclusivo e único demiurgo dos
males sociais e espirituais da humanidade.
Desgosta-me o caráter antissocial
e exclusivista de celebração que reúne egoísta apenas os membros da família
restrita, mesmo os que não se frequentaram e se suportaram durante o ano
vencido, e não o farão, no ano vindouro. Festa que acolhe somente os
estrangeiros incorporados por vínculos matrimoniais ao grupo familiar
excelente, expulsos da cerimônia apenas ousam romper aqueles liames.
Horroriza-me o sentimento de
falsa e melosa fraternidade geral, com que nos intoxica com impudícia crescente
a grande mídia, ano após ano, quando a celebração aproxima-se, no contexto da
contraditória santificação social do egoísmo e do individualismo. Ao igual dos
armistícios natalinos das grandes guerras, que reforçavam, e ainda reforçam -
vide o peru de Bush, no Iraque -, o consenso sobre a bondade dos valores que
justificavam o massacre de cada dia, interrompendo-o por uma noite apenas.
Não festejo o Natal porque,
desde criança, como creio para muitíssimos de nós, a festa, não sei muito bem
por que, constituía um momento de tensão e angústia, talvez por prometer
sentimentos de paz e fraternidade há muito perdidos, substituindo-os pela
comilança indigesta e a abertura sôfrega de presentes, ciumentamente cotejados
com os cantos dos olhos aos dos outros presenteados.
Por tudo isso, celebro, sim, o
Primeiro do Ano, festa plebeia, hedonista, aberta a todos, sem discursos
melosos, celebrada na praça e na rua, no virar da noite, ao pipocar dos fogos
lançados contra os céus. Celebro o Primeiro do Ano, tradição pagã, sem religião
e cor, quando os extrovertidos abraçam os mais próximos e os introvertidos
levantam tímidos a taça aos estranhos, despedindo-se com esperança de um ano
mais ou menos pesado, mais ou menos frutífero, mais ou menos sofrido, na
certeza renovada de que, enquanto houver vida e luta, haverá esperança.
Mário Maestri é historiador.
Fonte: Correio
da Cidadania
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