Só de sacanagem
(Elisa Lucinda)
“Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova? Por quantas provas terá ela
de passar? Tudo isto que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de
dinheiro... Do meu dinheiro, do nosso dinheiro, que reservamos duramente para
educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles
e dos seus pais. Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso
mais...
Quantas vezes, meu amigo, meu
rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai
esperar no cais?
É certo que tempos difíceis
existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus
brasileiros venha quebrar no nosso nariz. Meu coração está no escuro. A luz é
simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos
que os precederam. ‘Não roubarás’. ‘Devolva o lápis do coleguinha’; ‘esse
apontador não é seu, minha filha’. Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe
tenho tido de escutar, até habeas corpus preventivo, coisa da qual eu nunca
tinha ouvido falar e sobre a qual minha pobre lógica insiste. Esse é o tipo de
benefício que só ao culpado interessará.
Pois bem, se meteram comigo,
com a velha e fiel fé do meu povo sofrido. Então agora eu vou sacanear, mais
honesta ainda eu vou ficar. Só de sacanagem.
Dirão:
- ‘Deixa de ser boba! Desde
Cabral que aqui todo mundo rouba’!
E eu vou dizer:
- ‘Não importa, não será esse o
meu carnaval. Vou confiar mais e outra vez, eu, meu irmão, meu filho e meus
amigos. Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso
freguês’.
Com o tempo a gente consegue
ser livre, ético e o escambau!
Dirão:
- ‘É inútil! Todo mundo aqui é
corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal’!
E eu direi:
- ‘Não admito! Minha esperança
é imortal. E eu repito: i-mor-tal’!
Sei que não dá pra mudar o
começo, mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final”.
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